A economia das plataformas e a hesitocracia
Hesitocracia dos reguladores pode até agradar empresários protegidos da concorrência e da inovação
Publicado em 19 de dezembro de 2023 às, 13h42.
Última atualização em 19 de dezembro de 2023 às, 16h01.
Em seu "The Sharing Economy", livro de 2021 (que pode ser obtido sem outros custos que não o do seu tempo, aqui), o economista Michael Munger faz uma excelente caracterização da revolução que a economia sofreu nos últimos anos, qual seja, o surgimento da chamada economia das plataformas.
O argumento central de Munger é a de que este modelo de negócios é sustentado sobre três pilares: (a) triangulação; (b) transferências e; (c) confiança. O primeiro aspecto nos diz que, por exemplo, motoristas e consumidores de viagens conseguem se encontrar por meio da plataforma sem muita dificuldade. O segundo nos informa que a plataforma garante o pagamento dos serviços e, por fim, o terceiro nos diz algo sobre como os sistemas de avaliação (como o Yelp ou as resenhas de produtos em plataformas como Mercado Livre ou Amazon, dentre outras) desenvolve a confiança entre as partes envolvidas em uma troca.
Em síntese, a economia das plataformas se baseia em um modelo, diz Munger, no qual o empreendedor vende reduções nos custos de transação. Simples assim. Transações que seriam impossíveis materializam-se sob o trabalho dos algoritmos das plataformas. O sucesso da AirBnb ou do Ifood mostra como valores foram gerados para ofertantes e demandantes por conta das reduções nos custos das respectivas transações.
O mecanismo de mercado, invenção de incontáveis seres humanos, é o mesmo. O que mudou é apenas a formatação e, obviamente, diversos avanços tecnológicos contribuíram para que chegássemos a este fascinante momento da história humana. Vale lembrar também que estas mudanças nunca se dão sem conflitos. Todo avanço tecológico, toda nova solução, mais eficiente, implica em deixar de lado soluções ou modelos de negócios antigos. A destruição criativa de que nos falou Schumpeter é uma força poderosa e imparcial.
Obviamente, inovações como as mencionadas geram um incentivo para que governos repensem a maneira de se regular a atividade econômica. Como já disse neste espaço, a hesitocracia dos reguladores pode até agradar a alguns empresários protegidos da concorrência e da inovação alheias, às expensas do bem-estar de toda a sociedade. Contudo, a hesitocracia leva à irrelevância dos burocratas no longo prazo.
A propósito, nem toda autoridade regulatória é predominantemente hesitocrática. Muitas delas sabem que sua relevância depende de abraçarem a inovação e, não à toa, cada vez mais ouvimos falar de sandboxes regulatórios, startup societies ou mesmo, em casos mais extremos, network states. A sociedade civil organizada (não por um partido, não por um governo, mas por seus próprios indivíduos) já percebeu que existem alternativas para os diversos status quo representados por instituições esclerosadas, para usar uma expressão do falecido Mancur Olson Jr.
Quer discutir a reforma da regulação, ou mesmo a reforma do estado? Talvez seja a hora de buscar soluções em novos paradigmas. A economia das plataformas traz desafios muito mais profundos e ricos do que a repetitiva discussão sobre new public management e suas concorrentes teóricas que perdura há quase 50 anos por aqui. É preciso ser menos hesitocrático, também, no que diz respeito à análise de novos conceitos. Sempre com o ceticismo científico, mas também com um olhar para o futuro.
Aproveito para desejar aos leitores desta coluna do Instituto Millenium um Feliz Natal e um 2024 mais feliz.