Inteligência artificial gera acessibilidade na medicina (Sean Anthony Eddy/Getty Images)
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 25 de fevereiro de 2025 às 23h00.
A burocracia nem sempre se dá conta de que a inovação a atinge, com força igual ou similar à que afeta o setor privado. Obviamente, como a estrutura de incentivos é diferente, este impacto gera problemas específicos.
Em 2019, a Enap fez um estudo inicial sobre o tema no qual se discutia a questão das aposentadorias e da automação. À época, sob o comando do presidente Diogo G. R. Costa, a Diretoria de Altos Estudos continuou com o trabalho e o consultor Willian Boschetti Adamczyk gerou um relatório maior, mais bem trabalhado, que pode ser encontrado aqui. As conclusões dos trabalhos apresentavam desafios para o planejamento de eventuais futuras reposições de capital humano no setor público.
Contudo, a Destruição Criativa, como eu disse, não passa seu tempo lendo pesquisas para saber que setor da economia será atingido. Ela simplesmente acontece, todos os dias, em escalas variadas, em todos os setores de uma sociedade. Quando forma massa crítica suficiente, passa a ser identificável com esta ou aquela tecnologia.
Assim, enquanto falávamos de automação, surgiu a Inteligência Artificial que, assustadoramente, ainda é pouco utilizada para aumentar a produtividade no serviço público, a despeito do crescente entusiasmo de um ou outro gestor (e dos setores de tecnologia) público.
Com a IA, verdadeiramente, há a possibilidade de se aumentar a produtividade do servidor, liberando tempo para que ele possa fazer trabalhos que realmente utilizam o conhecimento que ele apresenta em seu currículo. Eu disse "possa" porque há servidores que optam por não aumentar a própria produtividade. Sem os incentivos corretos, não há como, no setor público, transformar a destruição criativa em produtividade, com a melhora do atendimento aos acionistas do Estado, ou seja, os pagadores de impostos (também conhecidos como "cidadãos").
Sim, leitor, é preciso repetir sempre: pessoas reagem a incentivos e bons gestores públicos precisam repensar os incentivos com vistas a um futuro mais automatizado.
Veja, a automação e a IA não afetam só os atuais servidores públicos. Afeta também a concepção de serviço público que se pretende ofertar. Com a digitalização crescente, mudam-se as necessidades de contratação (por exemplo, não é preciso mais contratar datilógrafos), mudam-se as estratégias para lidar com o problema das aposentadorias e, apesar disso tudo, deveriam ser alteradas até a maneira de se pensar as carreiras públicas.
Os ganhos para a sociedade, de um governo mais eficiente, são óbvios. Diz-se que o setor público ‘inova’, mas eu creio que o mais correto é dizer que existem ilhas de excelência no setor público que adotam inovações, adaptando-as de forma competente em suas rotinas de trabalho.
Enfim, leitor, creio que quem pensa em reforma administrativa, na minha opinião, não tem como escapar destas reflexões difíceis, mas necessárias. Uma reforma administrativa que considere corretamente o papel da automação e da IA e consiga construir novos incentivos é a chance que o país tem de retornar um pouco mais de qualidade nos serviços que presta para a sociedade.