Pix é o pagamento instantâneo brasileiro. O meio de pagamento criado pelo Banco Central (BC) em que os recursos são transferidos entre contas em poucos segundos, a qualquer hora ou dia (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Instituto Millenium
Publicado em 28 de janeiro de 2025 às 11h22.
A dificuldade de compreender o sistema tributário brasileiro sempre foi uma vantagem na mão de políticos de ocasião. Como a população não compreende o que paga e nem como paga, sempre foi muito simples para os governantes incrementarem a arrecadação do país lançando mão de impostos que a população não consegue enxergar como a cobrança termina no bolso dela. O Brasil possui um sistema fiscal extremamente complexo, com uma multiplicidade de tributos cobrados em diferentes níveis — federal, estadual e municipal.
Cada um desses tributos possui suas próprias regras e alíquotas, a maioria delas conforme o Estado, o setor da economia e o tipo de operação. Essa estrutura confusa e a falta de transparência dificultam a compreensão por parte da sociedade sobre como os impostos são gerados, o que acaba criando um ambiente de desinformação e incerteza. A única coisa certa, como diz o ditado, seria a morte e os impostos a pagar.
Grande parte da confusão pode ser creditada à alta carga de impostos indiretos, o que significa que os tributos são embutidos nos preços de bens e serviços. Isso faz com que o consumidor final muitas vezes não saiba exatamente o que está pagando e qual a real proporção deste valor em relação ao produto ou serviço. Essa falta de clareza gera uma desconexão entre a população e o governo, dificultando a construção de uma relação de confiança. O Estado quer cobrar tudo a todo custo e a sociedade quer sempre evitar que seu dinheiro vá parar no ralo das contas públicas – onde a arrecadação é cada dia maior, mas o retorno em serviços públicos de qualidade simplesmente não existe.
Esse contexto de dificuldade de compreensão e desconfiança no sistema tributário tornou-se ainda mais tenso no período recente, especialmente após o governo federal adotar medidas arrecadatórias ao mesmo tempo em que tentava ludibriar a população sobre o assunto. Em apenas 2 anos, entre 2023 e 2024, o governo anunciou diversas mudanças na tributação de compras internacionais, apesar de suas inúmeras promessas e vídeos de seus apoiadores em redes sociais jurando de pés juntos que o governo jamais tributaria as famosas blusinhas. Sobraram as mentiras e a quebra de confiança permanente de uma sociedade que não aguenta mais pagar tantos impostos.
Essa mínima alteração na forma de tributação das importações cobrou um altíssimo preço em capital político: instalada a insatisfação, a escalada para uma crise de credibilidade do governo era questão de tempo. Ainda que nenhum protesto tenha sido realizado nas ruas, nenhuma mobilização em massa, muitos brasileiros se sentiram enganados – e guardaram esse sentimento. O governo não apenas descumpriu uma promessa importante, gravada à exaustão em áudio e vídeo, mas também expôs sua incapacidade de gerenciar expectativas e de manter um compromisso de longo prazo com a população. Esse tipo de instabilidade, aliado à complexidade do sistema tributário, fez com que as pessoas começassem a questionar a verdadeira natureza das políticas fiscais do governo.
Em meio a esse cenário de insatisfação com a política tributária, uma nova crise se desenhou em janeiro de 2025, quando o sistema de pagamentos instantâneos, o Pix, se viu no centro de uma onda de desconfiança. Lançado em 2020 pelo Banco Central, o Pix foi um grande avanço na forma de realizar transações financeiras no Brasil, proporcionando rapidez e baixo custo nas transferências entre pessoas e empresas. Revolucionou, principalmente, os pequenos negócios. No entanto, o anúncio de que a Receita Federal passaria a monitorar as transações com pix inclusive para meios de pagamento – uma vez que esse tipo de transação já é monitorado há bastante tempo em instituições financeiras - começaram a surgir temores de que o governo estivesse utilizando esta ferramenta (inicialmente) burocrática para, futuramente, criar um novo regime de tributos sobre essas operações.
Esse receio foi alimentado pela combinação de fatores: a crescente vigilância sobre transações digitais e a falta de clareza do governo sobre como esse monitoramento impacta especialmente os informais. Vale lembrar que o governo tem enormes dificuldades para conter seus gastos, e uma crescente sede por aumentar sua base de arrecadação. A ideia de que o governo “taxa tudo” foi inclusive o estopim para uma crise de brincadeiras envolvendo o Ministro da Fazenda Fernando Haddad. Em um ambiente completamente hostil para o governo, o temor de um novo imposto digital, ou de uma taxação sobre as movimentações financeiras mais comuns, levou muitos a questionarem a real intenção por trás do sistema de pagamentos instantâneos.
Ainda que o Governo tenha se empenhado em desmentir o que chamou de “fake news do pix”, o estrago já estava feito. Ao sacar a carta de que o monitoramento das transações buscava “apenas” caçar sonegadores, a população entendeu que o alvo então seria a cobrança pelo imposto de renda. A situação só piorava.
Esse clima de incerteza sobre o uso dos dados e sobre o futuro das transações digitais foi amplificado pelo histórico de promessas não cumpridas pelo governo. Quando a administração optou por tributar as compras internacionais, muitos cidadãos começaram a associar essa mudança a outras possíveis ações do governo. Se “mentiram” sobre a tributação das blusinhas, certamente estariam mentindo agora. A quebra de confiança lá em 2023 e 2024 acabou cobrando seu preço bem mais cedo do que seria o esperado.
O governo não soube lidar com a crescente desconfiança, revogou a polêmica instrução normativa, o que agravou a crise de credibilidade. O receio de que o monitoramento das transações fosse uma medida para justificar futuras cobranças de impostos aliada à falta de uma resposta convincente por parte das autoridades sobre os objetivos da vigilância das transações foi o caldeirão que acabou cozinhando a popularidade do presidente, que despencou 5 pontos percentuais em janeiro.
Essa crise de confiança afetou não apenas o uso do Pix, mas também a relação da população com o governo. A falta de previsibilidade nas ações fiscais e a sensação de que as promessas estavam sendo constantemente quebradas geraram um distanciamento ainda maior entre cidadãos e autoridades. A crise do Pix, portanto, não se tratou apenas de uma questão técnica ou operacional, mas foi um reflexo direto da desconfiança gerada pela instabilidade fiscal e pela falta de clareza nas ações governamentais.
Não deixa de ser curioso observar, pela primeira vez, um governo sofrer as consequências do sistema que ele tanto alimentou para sua própria conveniência: a complexidade do sistema tributário. Que este seja o ponto de partida para uma sociedade menos passiva e mais atuante em relação às medidas tributárias. Que o governo seja cobrado e que esclareça, sem meias verdades, seus planos para a arrecadação. E que a sociedade tenha maturidade para discutir mudanças para além de suas preferências ideológicas. Afinal, é seu bolso que banca tudo isso. Independente se estamos falando do seu bolso esquerdo ou direito.