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“A censura é o começo do fim da experiência democrática”

No Dia da Liberdade de Imprensa, Eurípedes Alcântara destaca a importância do jornalismo para a cultura democrática

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Instituto Millenium

Publicado em 3 de maio de 2019 às, 13h03.

Última atualização em 3 de maio de 2019 às, 13h18.

Eurípedes Alcântara (Junko Kimura/Getty Images)

Enquanto o mundo celebra os princípios fundamentais da liberdade de imprensa neste dia 3 de maio, não há motivos para comemorações no Brasil. O país caiu três posições no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, divulgado pela organização internacional Repórter sem Fronteiras, ocupando o vexaminoso 105º lugar entre as nações avaliadas. Os jornalistas brasileiros também atuam em um dos ambientes mais perigosos para o exercício da profissão no mundo. Segundo relatório divulgado nesta semana pelo Conselho Nacional do Ministério Público, 64 profissionais de imprensa foram mortos em virtude de seus trabalhos entre 1995 e 2018.

O ataque à imprensa vem, inclusive, de organizações que deveriam garantir sua proteção. Recentemente, a decisão de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de censurar reportagens veiculadas na mídia sobre o presidente da Corte colocou o tema em destaque no debate público. O jornalista Eurípedes Alcântara, presidente da Inner Voice Comunicação Essencial e ex-diretor da revista "Veja", faz um alerta: “A censura é o começo do fim da experiência democrática”. Ouça a entrevista no player abaixo!

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Para o especialista, atacar a liberdade de imprensa implica diretamente na corrosão da democracia:

“A razão por trás disso é aquilo que os filósofos dizem, com toda razão, que o maior inimigo da democracia é o medo. Quando o medo indiferenciado do outro prevalece sobre o censo democrático das pessoas e das instituições, você começa a sofrer um ataque sistêmico, que se inicia pela liberdade de expressão. O que eu vejo é um enfraquecimento disso. Quando o STF, guardião do marco regulatório, não tem essa noção – pelo menos os dois protagonistas deste ultimo episódio – é preocupante. O Brasil é um caso a parte e esse ranking está sendo generoso com a gente”, salienta, ressaltando que não cabe às esferas governamentais decidir o que é ou não fake news. “A Constituição não garante que a imprensa seja boa, mas sim que ela seja livre. Quem deve julgar o que é fake news são os próprios leitores. É muito séria a questão de deixar governos, instâncias governamentais e estatais, seja do judiciário, legislativo ou executivo, decidirem isso”.

A resistência ao trabalho jornalístico também toma força entre a própria população. Atualmente, veículos de mídia tradicionais são constantemente atacados e sua credibilidade é posta em dúvida pelo leitor. Eurípedes lembra que a internet deu às pessoas uma sensação de “empoderamento” diante de antigas autoridades. Diferentes questões, até então enraizadas na sociedade, começam a ser questionadas. A impressão é de que os fatos não convencem por si só, aumentando ainda mais o desafio para os jornalistas.

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“Antes tínhamos uma relação individual com o veículo que desagrada. Agora, a sensação é que o que não agrada precisa ser combatido violentamente. E isso não é uma questão de esquerda ou direita. A Brookings Institution fez uma pesquisa recente e descobriu que 20% dos estudantes que se definem como do partido Democrata nos Estados Unidos e 20% dos que se definem Republicanos, quase a mesma proporção, concordam com a ideia de que é possível evitar com violência que uma pessoa que te desagrade fale no campo das universidades. É uma fragilidade maior do nosso tempo. Talvez por termos muita liberdade, não estamos valorizando”, avalia Eurípedes.

O futuro da imprensa
Tornar-se economicamente viável é um dos passos essenciais para a garantia da atuação dos veículos de mídia, segundo Alcântara. Ao almejar o lucro, assim como qualquer outra instituição privada, há também a busca por um serviço de qualidade, sob pena de punição do mercado. Para o especialista, é preciso mais do que nunca o exercício da autocrítica:

“A imprensa também tem um papel de autocorreção muito importante para que se mantenha como de interesse público. Para continuar a desfrutar da liberdade garantida pela Constituição, ela precisa ter transparência em todos os pagamentos que faz e recebe; seus interesses financeiros, dos seus donos e jornalistas; ser transparente sobre seus erros de modo que não errem por má-fé, e sim por um desvio de processo; e, em muitos casos, é preciso não abusar da proteção sobre as fontes, senão acabamos perdendo a credibilidade. É de interesse que os veículos sejam comercialmente viáveis. Se possuírem um só anunciante, ele vai mandar. Se forem 120, nenhum deles sozinho é capaz de influenciar o conteúdo. Ela não pode recorrer a grupos e muito menos ao governo".

Sugestão de leitura do entrevistado
Para quem deseja se aprofundar no tema, Eurípedes Alcântara indica o livro "O povo contra a democracia: Por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la", de Yascha Mounk. “Este livro mostra que as ameaças à liberdade de imprensa são maiores e mais fortes do que imaginamos. Os regimes populistas não tem lugar para uma imprensa livre em seus projetos de poder”, explica.