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Como aprimorar as concessões rodoviárias brasileiras? O barato que sai caro

Leilões por menor tarifa puros podem afastar operadores que pensam no longo prazo, aumentando o risco de problemas de partes relacionadas

Como aprimorar as concessões rodoviárias brasileiras: É desejável selecionar licitantes que pensem na concessão como um investimento de longo prazo (Artesp/Divulgação)
Como aprimorar as concessões rodoviárias brasileiras: É desejável selecionar licitantes que pensem na concessão como um investimento de longo prazo (Artesp/Divulgação)

Publicado em 3 de agosto de 2023 às, 16h25.

Este é o terceiro artigo da série com propostas para melhorar as concessões rodoviárias brasileiras. O primeiro foi sobre a alocação do risco de demanda e o segundo, sobre prazo do contrato. Hoje falaremos sobre como selecionar o vencedor da licitação. As concessões federais vêm tendo como critério de licitação o menor valor de tarifa de pedágio ofertado a partir de um referencial estipulado pelo Poder Concedente. Em especial na segunda e na terceira etapas de concessões rodoviárias, ocorridas em 2007-2009 e 2012-2014, respectivamente, os deságios oferecidos pelos licitantes vencedores foram significativos: as tarifas resultantes ficaram entre 40% e 60% abaixo das referências dos estudos prévios. Contudo, várias dessas concessões não performaram como se esperava. Relatório do Tribunal de Contas da União[1] apontou que as concessões licitadas entre 2012 e 2014 estavam, em 2017, com 69% de atraso. Do total que deveria ser concluído em 5 anos, havia apenas 16% de execução física. Nosso diagnóstico é de que isso decorre, em grande parte, do critério da menor tarifa para selecionar o licitante vencedor.

Existem dois critérios básicos para seleção do licitante vencedor em leilões de contratos de concessão de rodovias: i) por menor tarifa; e ii) por maior pagamento de outorga ao Governo. O primeiro tem fundamento na teoria de regulação de monopólios naturais em que a disputa pelo mercado (neste caso, pelo contrato de concessão) levaria à definição de preços próximos ao de um mercado concorrencial. Essa abordagem foi adotada largamente em projetos green field, em que a infraestrutura necessária à provisão do serviço ainda está por ser construída. O segundo é mais usado em projetos maduros, em que o serviço já é prestado com cobrança aos usuários, semelhante a um processo de alienação de ativos associado à exploração de um negócio. Assim, o valor de outorga serviria para compensar o governo pelo ativo por ele produzido e concedido ao operador privado.

Em projetos brown field, em que pelo menos boa parte da infraestrutura já está construída, uma concessão para explorar o serviço associado que adote o leilão por menor tarifa pode gerar alguns problemas de incentivo contratual. Como o serviço já está sendo prestado, ainda que não nos padrões de qualidade desejados, um concessionário pode obter lucros assim que começar a cobrar, o que muitas vezes demanda apenas realizar os investimentos nos sistemas de cobrança (ex.: praças de pedágio), além de outras tarefas de pequena magnitude definidas no contrato de concessão.

Isso faz com que a tarifa mínima que remunera esses investimentos e despesas iniciais seja menor que a tarifa que remunera todo o custo de operação e manutenção da infraestrutura previsto no contrato. No limite, o licitante dá um lance sabidamente inviável, oportunista, no afã de ganhar o contrato, para depois buscar renegociá-lo bilateralmente no balcão do governo, que muitas vezes aceita negociar pelo custo, principalmente político, de retornar ao processo licitatório.

Caso o contrato preveja investimentos com ampliações de capacidade, o problema se agrava, pois gera incentivos para que o licitante dê lances agressivos para ganhar o contrato e usufruir de suas receitas enquanto não executa os pesados investimentos, postergando-os o tanto quanto possível. Enquanto não os fizer, a tarifa é mais do que suficiente para bancar os custos iniciais do contrato, mas não o é para remunerar todos os investimentos.

Suponha, por exemplo, que uma rodovia, para ser duplicada, necessite de uma tarifa de R$ 13,00. Se for só para fazer uma manutenção básica, a tarifa poderia ser de R$ 5,00. Nesse caso, vale a pena para o licitante fazer uma proposta agressiva, digamos, de R$ 8,00, para vencer a licitação e procrastinar os investimentos, informando ao governo que não será possível fazer a duplicação, pedindo, então uma renegociação do contrato. No pior dos cenários, ele vai conseguir, com pressão política e ações judiciais, passar muitos anos operando assim, para, ao final, sair com uma indenização pelos investimentos que diz ter feito.

Imagine, então, uma situação em que o licitante, na verdade, é uma construtora, que vai tomar 80% dos recursos emprestados com o BNDES, e ter como sócios minoritários alguns fundos de pensão de empresas estatais. Nesse caso, aportando cerca de 10% do investimento, ele conseguiria contratar e pagar à vista a sua própria construtora, para fazer uma obra possivelmente superfaturada e inacabada, e passar a conta para o governo pagar, sob pena de dar prejuízo ao BNDES e aos fundos de pensão.

Por isso, consideramos inadequado o critério de menor tarifa para concessões de rodovias brown field. Mas seria o critério de maior outorga a solução? Aí temos que ter uma cautela. Caso o pagamento pela outorga seja diluído ao longo dos vários anos do contrato, o mesmo problema de lances excessivamente otimistas pode ocorrer. Por exemplo, é possível que o licitante oferte um valor muito elevado, na expectativa de auferir os lucros logo no início do contrato e pleitear negociações bilaterais quando chegar o prazo para os pagamentos.

Assim, é recomendável que o critério de licitação englobe um valor de pagamento de outorga  cobrado logo no início do contrato, no momento da assinatura, ou pelo menos antes do início da cobrança de tarifas. Pode-se prever que, caso abandone o contrato, perderá todo o pagamento já realizado, não cabendo devolução. Assim o concessionário precisará do fluxo de caixa futuro para reaver seu investimento e não terá tanto poder de renegociação.

O critério de maior valor de outorga, com pagamento no início do contrato, em concessões de projetos brown field, como as rodovias federais, tende, assim, a selecionar operadores menos oportunistas e sim mais interessados no fluxo de caixa futuro do projeto. Para evitar que a tarifa seja muito alta, de modo onerar o usuário com a finalidade de gerar uma verba para o governo, convém calibrar a tarifa para baixo, de modo que o lance mínimo de pagamento de outorga seja próximo de zero, a fim de que o mecanismo tenha apenas fins regulatórios, e não arrecadatórios.

Em 2019, o Governo federal inaugurou um modelo híbrido: o leilão seria inicialmente por menor tarifa, até um determinado um máximo de desconto (cerca de 10%), a partir do qual seguiria pelo critério de maior outorga a ser paga pelo concessionário. Apesar de ser um avanço em relação ao modelo de menor tarifa puro, houve reclamações de tornar o leilão arrecadatório e que o limite de redução da tarifa seria muito pequeno.

Para evitar tal discussão, propomos um modelo híbrido simultâneo, em que, a cada percentual de redução da tarifa, o licitante automaticamente se comprometa com o pagamento de um valor adicional de outorga pelo contrato. Dessa forma, não há limite para a redução da tarifa, mas se insere um custo a lances excessivamente otimistas. Para tanto, o valor da outorga definido via leilão deve ser pago logo no início do contrato.

É desejável selecionar licitantes que pensem na concessão como um investimento de longo prazo. O fluxo de caixa futuro, e não a obra em si, tem que ser o atrativo, prevenindo problemas de partes relacionadas, atrasos nas obras, devoluções e falências. Assim, evitaremos selecionar concessionários oportunistas e, ainda, permitiremos que os ganhos da licitação sejam repartidos entre usuários e poder concedente.

Edson Silveira Sobrinho é PhD em Economia pela University of Houston, EUA. Foi Secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura e um dos principais executivos do Ministério da Economia a liderar reformas regulatórias nos setores de ferrovias, rodovias, aeroportos, saneamento, energia e telecomunicações.

Bruno Sad, PMP, é engenheiro civil pela UnB. Foi Subsecretário de Regulação e Mercados de Infraestrutura do Ministério da Economia. Atualmente é Superintendente Especial do Programa de Parcerias Público Privadas de Sergipe.

Fabiano Pompermayer é Doutor em Engenharia de Produção pela PUC-Rio. É pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e foi Subsecretário de Planejamento de Infraestrutura Nacional no Ministério da Economia.

Marco Boareto é engenheiro civil com especialização em engenharia geotécnica, engenharia ferroviária e gestão de políticas e ciências ambientais. Ele trabalha no serviço público federal desde 2013 e atualmente é chefe de divisão do Departamento de Infraestrutura e Melhoria do Ambiente de Negócios do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

O grupo Infra 2038 é um movimento sem fins lucrativos iniciado em 2017, formado por mais de 100 pessoas físicas com grande experiência no setor de infraestrutura. O grupo é movido pela crença que o país precisa avançar fortemente em sua infraestrutura para garantir um aumento de produtividade que, por sua vez, trará ao Brasil uma maior competitividade internacional. Saiba mais aqui


[1] Tomada de Contas TC 012.624/2017-9.