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Violência em mercados ilegais: a importância do monitoramento privado

Delegar aos agentes de mercado a função de vigiar potenciais transações ilegais pode ser uma boa estratégia para autoridades

Garimpeiros extraem ouro ilegal na Amazônia (Nacho Doce/Reuters)
Garimpeiros extraem ouro ilegal na Amazônia (Nacho Doce/Reuters)
I
Impacto Social

Publicado em 7 de dezembro de 2021 às, 14h00.

Última atualização em 7 de dezembro de 2021 às, 17h49.

Leila Pereira* e Rafael Pucci**

A extração ilegal de recursos naturais é um problema que aflige diversos países em desenvolvimento, como Colômbia, Brasil e República Democrática do Congo. Em parte, a existência de ilegalidade nesse contexto advém da falta de capacidade governamental para vigiar e punir efetivamente quem opera fora da lei. No Brasil, esse problema se manifesta de forma particularmente evidente no caso da mineração de ouro ilícita na Amazônia, pois é custoso, para o governo, o monitoramento de milhares de garimpeiros espalhados pela imensa floresta.

Governos, todavia, têm outras ferramentas à sua disposição para coibir mercados ilegais. Uma alternativa bastante utilizada é o que chamamos, em nosso estudo, de monitoramento privado. Neste caso, autoridades delegam aos próprios agentes do mercado a tarefa de vigiar e denunciar potenciais atividades ilícitas. Este é o caso, por exemplo, de se atribuir aos compradores de ouro bruto a responsabilidade por verificar a legalidade do metal adquirido. A ideia é que esses compradores verifiquem se os vendedores possuem permissões de lavra garimpeira, ou seja, se o ouro foi extraído legalmente. Caso não façam a verificação, esses compradores estarão sujeitos a sanções do governo.

Se bem executada, essa política não apenas desincentiva a atividade ilegal, pois garimpeiros terão mais dificuldade para vender ouro ilegal, mas também reduz o custo de monitoramento para as autoridades. De fato, estas só precisam garantir que os compradores estejam fazendo sua parte em vez de monitorarem todos os locais de extração de ouro na Floresta Amazônica.

Há poucas evidências empíricas, no entanto, de que esse tipo de política funcione no combate a mercados ilegais. Em nosso estudo, focamos em uma alteração regulatória (Lei 12.844/2013) que, na prática, inviabilizou o monitoramento privado por parte dos compradores de ouro bruto. Efetivamente, a nova regulação desresponsabilizou os compradores – chamados Pontos de Compra de Ouro – de realizar a verificação das permissões de lavra garimpeira, ou seja, da legalidade do ouro adquirido. Em outras palavras, isso facilitou a venda de ouro ilegal e, portanto, estimulou a mineração ilícita.

Dentre os efeitos que se podem esperar desse incentivo dado ao mercado de ouro ilegal, há alguns mais óbvios, como o crescimento da degradação ambiental em áreas de mineração ilegal – por exemplo, terras indígenas e unidades de conservação; e outros mais indiretos, porém não menos relevantes, como o aumento da violência, que é característica desse tipo de atividade, especialmente quando ilícita. Em nosso trabalho, mostramos evidências de que a diminuição no nível de monitoramento privado provocou aumento expressivo da violência em regiões expostas à mineração ilegal de ouro. Além disso, documentamos um crescimento significativo na área de degradação florestal e no número de crimes ambientais ligados à mineração.

Para além do caso específico do mercado de ouro, este estudo aponta para a fundamental relevância do monitoramento privado no controle de mercados ilegais. De fato, esta parece ser uma ferramenta poderosa para conter não apenas as atividades ilícitas em si, mas suas muitas consequências negativas, como a violência e a degradação ambiental.

*Leila Pereira é bacharel em Economia pela Universidade do São Paulo (FEA-USP), mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV) e doutora em Economia pelo Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa. Atualmente suas linhas de pesquisa são Economia Política, Economia do Desenvolvimento, Meio Ambiente e Crime.

**Rafael Pucci é bacharel em Economia pela Universidade de São Paulo (FEA-USP) e doutor em Economia pelo Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa. Sua pesquisa foca em Economia do Desenvolvimento, Crime, Meio Ambiente e Economia Urbana.