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Urnas eletrônicas: o que é possível dizer sobre o impacto nas eleições?

"Neste ano teremos eleições e, assim como no pleito de 2018, circulam novamente boatos sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas"

Urna eletrônica (Fábio Pozzebom/Agência Brasil)
Urna eletrônica (Fábio Pozzebom/Agência Brasil)
I
Impacto Social

Publicado em 3 de fevereiro de 2022 às, 10h00.

Por Jorge Ikawa*

Neste ano teremos eleições e, assim como no pleito de 2018, circulam novamente boatos sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas. No entanto, deixando de lado as alegações sem comprovação, a introdução do mecanismo eletrônico possui de fato algum impacto nas eleições brasileiras? Embora não tão recente, este trabalho acadêmico demonstra que sim. E o efeito ocorre justamente por meio de um aumento na proporção de votos válidos.

Para inferir causalidade, o autor analisa a eleição de 1998, aproveitando-se de um fato que pouca gente sabe ou se recorda. O pleito daquele ano foi a primeira eleição presidencial a utilizar urnas eletrônicas. No entanto, somente municípios com mais de 40.500 eleitores em 1996 utilizaram a nova tecnologia. Nos demais casos, os votos foram por meio de cédulas em papel (exceção feita aos estados de Amapá, Roraima, Alagoas e Rio de Janeiro, que adotaram a urna eletrônica em todas as localidades). Dessa forma, foi possível utilizar essa regra escolhida de maneira arbitrária e comparar a proporção de votos válidos em cidades que por pouco adotaram o mecanismo (ou seja, um pouco acima de 40.500 eleitores) e os que continuaram a usar cédulas impressas por pequena margem (um pouco abaixo de 40.500 eleitores), utilizando uma metodologia chamada de regressão descontínua (RDD, na sigla em inglês).

Os resultados desse trabalho demonstram que a introdução da urna eletrônica produziu um acréscimo de aproximadamente 12 pontos percentuais na proporção de votos válidos, de um pouco mais de 75% nos municípios que utilizavam cédulas em papel para cerca de 90% para as localidades com urnas eletrônicas. O autor demonstra que essa diferença entre municípios com número superior e inferior a 40.500 eleitores só acontece na eleição de 1998, não se repetindo nas eleições de 1994 (em que apenas cédulas de papel eram usadas) e em 2002 (quando os votos aconteceram somente nas urnas eletrônicas).

De acordo com o estudo, a explicação para esse fenômeno está relacionada a uma espécie de “empoderamento” das classes menos favorecidas. Isso porque o voto em uma cédula de papel exige uma série de habilidades de leitura e escrita que não necessariamente todos os eleitores possuem. Problema esse que potencialmente atingiria inclusive o Brasil atual, com cerca de 11 milhões de pessoas com 15 anos ou mais analfabetas. A introdução da urna eletrônica, por outro lado, ao disponibilizar a fotografia do candidato, prover avisos sonoros e apresentar similaridade com outros dispositivos eletrônicos, como os celulares, por exemplo, tornaria o processo de escolha de candidatos mais fácil para esse público com maior dificuldade de leitura e escrita. Dessa forma, a nova tecnologia permitiu que esse eleitor conseguisse de fato expressar sua preferência por intermédio do voto.

Propostas como a PEC 135/2019, conhecida como a PEC do voto impresso, que tornaria obrigatória a expedição de cédulas físicas em votações (e que já foi arquivada), poderiam, dependendo da forma como implementadas, gerar consequências negativas, tal como uma menor representatividade de eleitores com dificuldades de leitura e escrita. Estudos como o descrito acima demonstram como o uso de evidências para a tomada de decisão por parte de gestores públicos deveria ser a norma, de tal modo a evitar, inclusive, possíveis efeitos colaterais adversos.

*Jorge Ikawa é doutor em Economia dos Negócios pelo Insper, bacharel em Economia pela FEARP-USP e formado em Jornalismo pela ECA-USP.