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Uma questão enganosamente simples: por que os políticos resistem a medir impacto?

"Não são todos, mas a maioria dos políticos que age assim; que me daria um bom trabalho a explicar o porquê de resistirem"

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marianamartucci

Publicado em 16 de fevereiro de 2021 às 15h00.

Meu colega e amigo, professor Sérgio Lazzarini, fez uma pergunta simples, que sugeriu como pauta para este artigo. “Por que a maioria dos políticos tem resistência em medir o impacto das políticas públicas?”. A simplicidade da questão é propositalmente enganosa. Lazzarini sabe muito; entre tudo, duas coisas: que não são todos, mas a maioria dos políticos que age assim; que me daria um bom trabalho a explicar o porquê de resistirem.

O assunto merece abordagem científica; seria o caso de demonstrar a evidência – “a maioria, de fato, resiste”. Depois, buscar uma boa explicação causal. Fica a dica para uma agenda de pesquisa. Neste espaço, cumpre levantar hipóteses a respeito; delinear, quem sabe, um roteiro para um trabalho mais profundo.

Nos contatos que tenho com novas lideranças políticas, é satisfatório notar que jovens como o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) têm cada vez mais se voltado à necessidade de saber qual a efetividade das políticas que propõem e/ou aprovam em suas casas legislativas. Isso se deve, em grande medida, a sua formação como engenheiro e sua passagem por universidade e cultura estrangeiras – passou pelo mestrado em Políticas Públicas de Oxford, no Reino Unido.

Mas, não é único entre os jovens políticos e nem precisaria passar por experiência no exterior. A cultura tem mudado por uma questão óbvia: como os recursos são sempre escassos, é preciso saber se, afinal, são bem gastos, se atingem os objetivos a que foram destinados e, em caso negativo, que tipo de correção carece ser feita para que cumpram o papel. Entre gestores que ocuparam governos estaduais e municipais, também não seria raro encontrar pelo menos uma mancheia preocupada com a qualidade dos gastos. Quem gasta melhor pode fazer mais.

Contudo, há que admitir que essa não é a tradição no país; que a moçada da “medição” ainda é minoria. Basta um olhar sobre os jornais: buscando casos a esmo, encontram-se inúmeros exemplos opostos. Bastaria citar o mais atual, flagrante e explosivo deles: os gastos públicos na produção de remédios como a cloroquina e a hidroxicloroquina, no combate a Covid-19, para que se perceba que critérios de eficácia e eficiência não balizam a ação dos mais importantes políticos do país.

Infelizmente, nem a cloroquina e nem Jair Bolsonaro são exceções. Não é raro que políticos façam valer seu poder mandatório em defesa de interesses particulares ou de grupo. Utilizam-se dos recursos do Estado tendo em vista não o bem coletivo que podem causar no longo prazo, mas o retorno imediato para seus projetos pessoais. Há alguns anos, li num editorial de O Estado de S. Paulo que “tudo o que a sociedade pode querer é que de vez em quando os interesses dos políticos coincidam com os seus”. Qual a razão disso? A explicação fica para um próximo artigo.

* Carlos Melo, cientista político. Professor Senior Fellow do Insper

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Meu colega e amigo, professor Sérgio Lazzarini, fez uma pergunta simples, que sugeriu como pauta para este artigo. “Por que a maioria dos políticos tem resistência em medir o impacto das políticas públicas?”. A simplicidade da questão é propositalmente enganosa. Lazzarini sabe muito; entre tudo, duas coisas: que não são todos, mas a maioria dos políticos que age assim; que me daria um bom trabalho a explicar o porquê de resistirem.

O assunto merece abordagem científica; seria o caso de demonstrar a evidência – “a maioria, de fato, resiste”. Depois, buscar uma boa explicação causal. Fica a dica para uma agenda de pesquisa. Neste espaço, cumpre levantar hipóteses a respeito; delinear, quem sabe, um roteiro para um trabalho mais profundo.

Nos contatos que tenho com novas lideranças políticas, é satisfatório notar que jovens como o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) têm cada vez mais se voltado à necessidade de saber qual a efetividade das políticas que propõem e/ou aprovam em suas casas legislativas. Isso se deve, em grande medida, a sua formação como engenheiro e sua passagem por universidade e cultura estrangeiras – passou pelo mestrado em Políticas Públicas de Oxford, no Reino Unido.

Mas, não é único entre os jovens políticos e nem precisaria passar por experiência no exterior. A cultura tem mudado por uma questão óbvia: como os recursos são sempre escassos, é preciso saber se, afinal, são bem gastos, se atingem os objetivos a que foram destinados e, em caso negativo, que tipo de correção carece ser feita para que cumpram o papel. Entre gestores que ocuparam governos estaduais e municipais, também não seria raro encontrar pelo menos uma mancheia preocupada com a qualidade dos gastos. Quem gasta melhor pode fazer mais.

Contudo, há que admitir que essa não é a tradição no país; que a moçada da “medição” ainda é minoria. Basta um olhar sobre os jornais: buscando casos a esmo, encontram-se inúmeros exemplos opostos. Bastaria citar o mais atual, flagrante e explosivo deles: os gastos públicos na produção de remédios como a cloroquina e a hidroxicloroquina, no combate a Covid-19, para que se perceba que critérios de eficácia e eficiência não balizam a ação dos mais importantes políticos do país.

Infelizmente, nem a cloroquina e nem Jair Bolsonaro são exceções. Não é raro que políticos façam valer seu poder mandatório em defesa de interesses particulares ou de grupo. Utilizam-se dos recursos do Estado tendo em vista não o bem coletivo que podem causar no longo prazo, mas o retorno imediato para seus projetos pessoais. Há alguns anos, li num editorial de O Estado de S. Paulo que “tudo o que a sociedade pode querer é que de vez em quando os interesses dos políticos coincidam com os seus”. Qual a razão disso? A explicação fica para um próximo artigo.

* Carlos Melo, cientista político. Professor Senior Fellow do Insper

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