Turismo pós-pandemia: como aliar sustentabilidade e resiliência?
A retomada do turismo pós-pandemia oferece uma oportunidade para a transformação deste setor, com opções de menor impacto ambiental
Publicado em 14 de outubro de 2021 às, 10h00.
Por Salete da Hora*, Tatiana Zanardi**, Angélica Rotondaro***
O turismo é um dos primeiros setores impactados nas crises econômicas e nos processos de mudança climática. Durante a pandemia, por exemplo, as medidas de isolamento social fizeram com que as atividades turísticas parassem em todo o mundo, o que deve gerar um impacto de US$ 4 trilhões na economia global. No Brasil, onde essa atividade é responsável por 3,7% do PIB, a crise gerou uma redução de mais de 390 mil postos de trabalho no setor e quase 20% de queda na arrecadação de impostos federais.
A retomada do turismo pós-pandemia oferece uma oportunidade para a transformação deste setor, com opções de menor impacto ambiental, mais resiliente às mudanças climáticas e capaz de gerar maior sinergia entre cadeias de valor. Trazemos aqui uma reflexão de diferentes arranjos para incentivar modelos de conservação e restauração da biodiversidade, alinhados a uma economia circular, de valorização e apoio aos empreendedores e comunidades locais.
A primeira proposta é o desenvolvimento de linhas de financiamento que priorizem a sinergia tanto na origem do capital como na alocação de investimentos. Pelo lado da origem, nos referimos a estruturas de blended finance, com a criação de fundos que constituem diferentes fontes de recursos financeiros, dentre eles, bancos de desenvolvimento, fundações, institutos empresariais e investidores privados. Ao fazer isso, dilui-se o risco do empréstimo, ao envolver tipos de capitais com diferentes apetites por risco e retorno. Do ponto de vista de alocação, isso significa desenvolver linhas de crédito que incentivem as atividades conjuntas, com potencial de sinergia entre diversas cadeias. Como exemplo, em áreas costeiras, seria possível aliar as atividades pesqueira, de turismo e de restauração do bioma local.
A segunda sugestão está associada a modelos de incentivo para a compensação de emissões com mecanismos de crédito de carbono do turismo. No Brasil, destaca-se o Turismo CO2 Legal, trabalho inovador realizado desde 2009 na região de Itacaré, no Sul da Bahia. Por meio do pagamento de serviços ambientais, os turistas e empreendimentos turísticos fazem a compensação de suas emissões de gases do efeito estufa. O recurso arrecadado é direcionado para pequenos agricultores que se comprometem a conservar e a recuperar a mata nativa na região. Eles também produzem de forma agroecológica, com as vendas destinadas para empreendimentos locais. Esses empreendimentos, por sua vez, recebem descontos no IPTU. Já os turistas que fazem a compensação de carbono obtêm 5% de desconto nos estabelecimentos participantes. Outros destinos turísticos no Brasil têm cobranças pelos serviços ecossistêmicos, visando à preservação ambiental e ao controle do fluxo de visitantes, como é o caso de Fernando de Noronha (PE), Ilha Bela (SP), Balneário Camboriú (SC) e Jericoacoara (CE).
A retomada da atividade turística pós-pandemia deve aliar linhas de financiamento que beneficiem toda a cadeia, o incentivo ao turismo doméstico e, sobretudo, novos padrões que contribuam para a construção da resiliência e da sustentabilidade do setor como um todo. Dessa forma, será possível construir um setor sustentável no longo prazo e responsável sob o ponto de vista socioambiental.
*Salete da Hora é diretora de marca, comunicação e sustentabilidade da CTG Brasil e mestranda na FGV.
**Tatiana Zanardi é diretora do comitê de economia circular e azul do Climate Smart Institute.
***Angélica Rotondaro é diretora executiva do Climate Smart Institute e membro do conselho Insper Metricis.