Taxa de aprovação da agenda legislativa mudou após relação de Bolsonaro com o Congresso?
O presidencialismo de coalizão exibe problemas de funcionamento, mas tal disfuncionalidade manifesta-se no mandato do presidente que mais o criticou
Blog Impacto Social
Publicado em 16 de agosto de 2023 às 08h00.
Fernando Ribeiro* e Leandro Consentino**
O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Após a redemocratização e, em especial, após a promulgação da Constituição de 1988, as relações entre o Poderes Executivo e Legislativo caracterizam-se por aquilo que Sérgio Abranches (1988) [1] chamou de “presidencialismo de coalizão”. Tal referencial defende que a aprovação da agenda do presidente da República depende da formação de amplas coalizões partidárias no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Conforme pontua Abranches, com um tom crítico que orientava parte das análises políticas do final dos anos 1980:
“O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei (...) ‘presidencialismo de coalizão’(...) É um sistema caracterizado pela instabilidade, de alto risco (...)” (Abranches, 1988; p. 22/27)
A despeito dessas críticas ao modelo institucional da Constituição de 1988, Figueiredo & Limongi (1999) [2], por meio de minucioso trabalho estatístico a partir de dados disponibilizados pela Câmara dos Deputados, verificaram que: ( i ) o Legislativo brasileiro funcionava com a disciplina e ( ii ) que a agenda legislativa era dominada pelo Executivo. De fato, todos os governos pós-redemocratização até 2019 foram caracterizados por altos índices de sucesso legislativo por parte do Executivo. Cabe salientar que sucesso legislativo se caracteriza pela capacidade de apresentar projetos e aprová-los, em especial durante o próprio mandato presidencial.
Contudo, os dados demonstram claramente que algo tem mudado. Conforme o Gráfico 1, ainda que a tendência tenha se iniciado no governo Michel Temer (31/ago/2016-2018), foi durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022) que encontramos a menor taxa de transformação de projetos de lei encaminhados pelo Executivo em normas jurídicas.
Nesse sentido, podemos validar a tese do “parlamentarismo branco”, oriundo tanto do chamado orçamento impositivo – no qual deixa de ser facultativo o pagamento das emendas parlamentares para se tornar obrigatório – quanto do acúmulo de pedidos de impeachment do presidente da República e de investigação sobre seus familiares que o atrelaram aos desígnios do Congresso Nacional e, sobretudo, do presidente da Câmara dos Deputados.
Conclui-se que, se de um lado, o presidencialismo de coalizão brasileiro tem exibido problemas de funcionamento, de outro, tal disfuncionalidade manifesta-se justamente no mandato do presidente que mais o criticou, igualando-o, equivocadamente, a pura e simples corrupção na máquina pública.
Com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, será extremamente importante acompanhar se o modelo de fato deixou de funcionar ou se os problemas apresentados foram apenas oriundos do estilo de Bolsonaro. Ainda que de maneira bastante superficial, alguns dados indicam que a segunda opção seria a mais correta, mas ainda é cedo para dizer que, parafraseando o slogan do atual governo, o presidencialismo de coalizão voltou.
*Fernando Ribeiro é economista, doutor em Ciências Sociais (ênfase em Ciência Política) pela PUC-SP e professor de macroeconomia do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa.
**Leandro Consentino é internacionalista, doutor em Ciência Política pela USP e professor da Graduação e da Pós-Graduação em Políticas Públicas do Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa.
[1] ABRANCHES, Sergio. Revista de Ciências Sociais, Vol. 31, n.1, 1988 Pp. 5-34
[2] FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.
Fernando Ribeiro* e Leandro Consentino**
O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Após a redemocratização e, em especial, após a promulgação da Constituição de 1988, as relações entre o Poderes Executivo e Legislativo caracterizam-se por aquilo que Sérgio Abranches (1988) [1] chamou de “presidencialismo de coalizão”. Tal referencial defende que a aprovação da agenda do presidente da República depende da formação de amplas coalizões partidárias no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Conforme pontua Abranches, com um tom crítico que orientava parte das análises políticas do final dos anos 1980:
“O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei (...) ‘presidencialismo de coalizão’(...) É um sistema caracterizado pela instabilidade, de alto risco (...)” (Abranches, 1988; p. 22/27)
A despeito dessas críticas ao modelo institucional da Constituição de 1988, Figueiredo & Limongi (1999) [2], por meio de minucioso trabalho estatístico a partir de dados disponibilizados pela Câmara dos Deputados, verificaram que: ( i ) o Legislativo brasileiro funcionava com a disciplina e ( ii ) que a agenda legislativa era dominada pelo Executivo. De fato, todos os governos pós-redemocratização até 2019 foram caracterizados por altos índices de sucesso legislativo por parte do Executivo. Cabe salientar que sucesso legislativo se caracteriza pela capacidade de apresentar projetos e aprová-los, em especial durante o próprio mandato presidencial.
Contudo, os dados demonstram claramente que algo tem mudado. Conforme o Gráfico 1, ainda que a tendência tenha se iniciado no governo Michel Temer (31/ago/2016-2018), foi durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022) que encontramos a menor taxa de transformação de projetos de lei encaminhados pelo Executivo em normas jurídicas.
Nesse sentido, podemos validar a tese do “parlamentarismo branco”, oriundo tanto do chamado orçamento impositivo – no qual deixa de ser facultativo o pagamento das emendas parlamentares para se tornar obrigatório – quanto do acúmulo de pedidos de impeachment do presidente da República e de investigação sobre seus familiares que o atrelaram aos desígnios do Congresso Nacional e, sobretudo, do presidente da Câmara dos Deputados.
Conclui-se que, se de um lado, o presidencialismo de coalizão brasileiro tem exibido problemas de funcionamento, de outro, tal disfuncionalidade manifesta-se justamente no mandato do presidente que mais o criticou, igualando-o, equivocadamente, a pura e simples corrupção na máquina pública.
Com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, será extremamente importante acompanhar se o modelo de fato deixou de funcionar ou se os problemas apresentados foram apenas oriundos do estilo de Bolsonaro. Ainda que de maneira bastante superficial, alguns dados indicam que a segunda opção seria a mais correta, mas ainda é cedo para dizer que, parafraseando o slogan do atual governo, o presidencialismo de coalizão voltou.
*Fernando Ribeiro é economista, doutor em Ciências Sociais (ênfase em Ciência Política) pela PUC-SP e professor de macroeconomia do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa.
**Leandro Consentino é internacionalista, doutor em Ciência Política pela USP e professor da Graduação e da Pós-Graduação em Políticas Públicas do Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa.
[1] ABRANCHES, Sergio. Revista de Ciências Sociais, Vol. 31, n.1, 1988 Pp. 5-34
[2] FIGUEIREDO, Argelina Cheibub e LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.