Serviços públicos de qualidade geram incentivos para pagar impostos?
A provisão adequada de bens públicos pelo Estado parece aumentar a chance de os cidadãos cumprirem com suas obrigações tributárias
Da Redação
Publicado em 16 de setembro de 2022 às 09h36.
Por Giovanni De Paola* e Sophie Magri Levy**
Ao longo dos últimos anos, as contas públicas brasileiras têm se tornado personagem importante do debate econômico local. As razões para esse protagonismo são claras: gastos usualmente em ascensão, baixas receitas tributárias e a necessidade de agir fiscalmente ante a grave crise da covid-19. Ainda que as razões sejam aparentes, as soluções para combater o rombo fiscal não se mostram tão óbvias ou, quando são, raramente serão politicamente viáveis. Inevitavelmente, a ausência de recursos públicos ameaça a provisão de bens ofertada pelo Estado: menor infraestrutura de creches, hospitais e escolas, assim como sua qualidade. Dessa forma, muitos governos locais abrem mão de sua função mais básica: o de respeitar o “contrato social”.
O ato do Estado de não seguir à risca suas obrigações como provedor de serviços essenciais tem consequências além da piora natural dos índices socioeconômicos. Indivíduos pagam parcela importante de seus rendimentos e ativos, em forma de tributos, para que o “contrato social” seja devidamente respeitado. Na ausência desse, muitos podem se sentir injustiçados e optarem por deixar de pagar certos impostos como forma de protesto. Essa resposta negativa por parte dos contribuintes traz à tona a noção de “altruísmo recíproco”: mesmo que evadir possa ser uma opção melhor em termos financeiros, aqueles que se sentem resguardados pelo “contrato social” desejam devolver o “favor”, cumprindo com suas obrigações tributárias.
Exemplos locais ajudam a ilustrar esse comportamento de reciprocidade altruísta. Manaus, a despeito de seu tamanho, apresenta uma infraestrutura sanitária aquém daquela observada em grande parte das cidades brasileiras. A ausência de saneamento adequado tipifica uma falha do governo de cumprir com o “contrato social”. Em estudo recente, verifica-se que moradores da região com características socioeconômicas similares respondem de maneira distinta ao pagamento de seus tributos, a depender do acesso a melhor saneamento. Estima-se que em domicílios com cobertura de esgoto, a probabilidade de se cumprir com as obrigações tributárias (IPTU) é 15 p.p. maior se comparado às residências sem saneamento.
Uma resposta altruísta parece não ser exclusiva ao Brasil. A expansão da oferta de bens públicos em outros países parece ter gerado, de maneira similar, uma diminuição das taxas de evasão sobre tributos de propriedade. No México, por exemplo, a pavimentação de ruas em bairros mais carentes tem proporcionado uma maior taxa de compliance tributário.
Com esses exemplos em mãos, percebemos que a falta da provisão de bens públicos pode gerar um ciclo vicioso para as contas públicas: o Estado não entrega serviços básicos, indivíduos optam por fugir de seus compromissos tributários, receitas tributárias diminuem e são ofertados serviços ainda piores. Na presença de uma crise fiscal aguda, como a que vivemos hoje, é crucial levar em conta as respostas comportamentais dos agentes quando não se cumpre o “contrato social”. Respeitar este último traz externalidades tributárias importantíssimas para se combater o rombo nas contas públicas.
*Giovanni De Paola é economista graduado pelo Insper e mestre em Economia pela Escola de Economia de São Paulo (EESP-FGV). Doutorando em economia pela Universidade de Rochester.
**Sophie Magri Levy é economista e mestre em Políticas Públicas, tendo obtido ambas as titulações pelo Insper. Doutoranda em economia pela Universidade de Rochester.
Por Giovanni De Paola* e Sophie Magri Levy**
Ao longo dos últimos anos, as contas públicas brasileiras têm se tornado personagem importante do debate econômico local. As razões para esse protagonismo são claras: gastos usualmente em ascensão, baixas receitas tributárias e a necessidade de agir fiscalmente ante a grave crise da covid-19. Ainda que as razões sejam aparentes, as soluções para combater o rombo fiscal não se mostram tão óbvias ou, quando são, raramente serão politicamente viáveis. Inevitavelmente, a ausência de recursos públicos ameaça a provisão de bens ofertada pelo Estado: menor infraestrutura de creches, hospitais e escolas, assim como sua qualidade. Dessa forma, muitos governos locais abrem mão de sua função mais básica: o de respeitar o “contrato social”.
O ato do Estado de não seguir à risca suas obrigações como provedor de serviços essenciais tem consequências além da piora natural dos índices socioeconômicos. Indivíduos pagam parcela importante de seus rendimentos e ativos, em forma de tributos, para que o “contrato social” seja devidamente respeitado. Na ausência desse, muitos podem se sentir injustiçados e optarem por deixar de pagar certos impostos como forma de protesto. Essa resposta negativa por parte dos contribuintes traz à tona a noção de “altruísmo recíproco”: mesmo que evadir possa ser uma opção melhor em termos financeiros, aqueles que se sentem resguardados pelo “contrato social” desejam devolver o “favor”, cumprindo com suas obrigações tributárias.
Exemplos locais ajudam a ilustrar esse comportamento de reciprocidade altruísta. Manaus, a despeito de seu tamanho, apresenta uma infraestrutura sanitária aquém daquela observada em grande parte das cidades brasileiras. A ausência de saneamento adequado tipifica uma falha do governo de cumprir com o “contrato social”. Em estudo recente, verifica-se que moradores da região com características socioeconômicas similares respondem de maneira distinta ao pagamento de seus tributos, a depender do acesso a melhor saneamento. Estima-se que em domicílios com cobertura de esgoto, a probabilidade de se cumprir com as obrigações tributárias (IPTU) é 15 p.p. maior se comparado às residências sem saneamento.
Uma resposta altruísta parece não ser exclusiva ao Brasil. A expansão da oferta de bens públicos em outros países parece ter gerado, de maneira similar, uma diminuição das taxas de evasão sobre tributos de propriedade. No México, por exemplo, a pavimentação de ruas em bairros mais carentes tem proporcionado uma maior taxa de compliance tributário.
Com esses exemplos em mãos, percebemos que a falta da provisão de bens públicos pode gerar um ciclo vicioso para as contas públicas: o Estado não entrega serviços básicos, indivíduos optam por fugir de seus compromissos tributários, receitas tributárias diminuem e são ofertados serviços ainda piores. Na presença de uma crise fiscal aguda, como a que vivemos hoje, é crucial levar em conta as respostas comportamentais dos agentes quando não se cumpre o “contrato social”. Respeitar este último traz externalidades tributárias importantíssimas para se combater o rombo nas contas públicas.
*Giovanni De Paola é economista graduado pelo Insper e mestre em Economia pela Escola de Economia de São Paulo (EESP-FGV). Doutorando em economia pela Universidade de Rochester.
**Sophie Magri Levy é economista e mestre em Políticas Públicas, tendo obtido ambas as titulações pelo Insper. Doutoranda em economia pela Universidade de Rochester.