Reforma Administrativa: qual seria o impacto no desempenho dos servidores?
O avanço da PEC vem sofrendo muita resistência, especialmente de entidades representantes dos servidores públicos
Publicado em 19 de abril de 2022 às, 10h00.
O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Por Gustavo M. Tavares*
Críticas sobre o desempenho dos governos surgem em todo o mundo. Cidadãos compartilham a percepção de que a máquina pública é ineficiente, cara, excessivamente burocrática, autocentrada e incapaz de prestar serviços na quantidade e qualidade merecida pelos contribuintes. O estresse fiscal e o desequilíbrio das contas fortalecem o clamor por um estado menos custoso e com maior capacidade de resposta. Espera-se mais dos servidores. Neste ambiente de insatisfação, a solução sempre parece muito clara: é necessário reformar o Estado!
No Brasil, tramita desde 2020 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32 – a PEC da Reforma Administrativa. Embora o texto trate de aspectos ligados à estrutura e organização do Estado, é evidente que o foco são os servidores públicos (motivo pelo qual, alguns a chamam de “reforma do RH do Estado”). O avanço da PEC vem sofrendo muita resistência, especialmente de entidades representantes dos servidores públicos: questiona-se sua necessidade, o teor das propostas, seu processo de construção e sua efetividade. Desde sua aprovação em Comissão Especial em setembro de 2021, a PEC está paralisada. Já foi simbolicamente enterrada e há pouca esperança de que ela seja votada este ano, especialmente antes das eleições.
Independentemente do balanço entre pontos positivos e negativos da PEC e das disputas ideológicas subjacentes, nós não podemos fugir à questão principal: o quanto a PEC poderá, no fim das contas, melhorar o desempenho dos servidores e a qualidade do serviço público? A resposta realista é: provavelmente em nada, especialmente da forma que está sendo conduzida. Sob uma perspectiva estratégica de gestão de pessoas, a PEC seria muito pouco efetiva. Seria mais um artefato político simbolizando uma pretensa modernização do Estado. E pode criar a falsa sensação de que a partir da sua aprovação “tudo será diferente”. Nada será, na prática.
É certo que precisamos promover mudanças importantes na forma que a gestão de pessoas ocorre no governo, com vistas à melhoria do desempenho no setor público. Também são necessários investimentos para que haja condições adequadas de trabalho. Essas mudanças, entretanto, dependem muito pouco – ou nada – de uma mudança na Constituição. Precisamos de programas focados na criação de capacidade de gestão do desempenho no governo – uma gestão baseada em competências, como apontam pesquisas e relatórios. A gestão de pessoas no setor público brasileiro não tem perspectiva estratégica, seleciona mal, falha em avaliar e desenvolver pessoas, desestimula o bom servidor e beneficia o mau servidor.
O primeiro ponto que precisa ser compreendido é que o desenvolvimento da capacidade de gestão do desempenho no governo não é um desafio simplesmente técnico, passível de ser solucionado apenas por novas leis, decretos e processos bem desenhados. É um desafio adaptativo, que exige mudança cultural nas organizações, na forma que as pessoas pensam e fazem as coisas e o comprometimento real delas. Toma tempo, demanda muita liderança, persistência e vontade política. Exige engajamento total de quem está no topo. É ingenuidade achar que novos artigos na Constituição irão promover isto. O caso das mudanças na gestão educacional em Sobral-CE sinaliza o caminho: com esforço político obstinado, consultoria externa e participação de vários atores, foi desenvolvido um sistema de gestão do desempenho superior, que valoriza professores e entrega resultados. Tudo isso sem mudar uma vírgula na Constituição.
O desenvolvimento da capacidade de gestão do desempenho nas organizações públicas será o resultado de um longo processo de aprendizagem organizacional. Precisa ser feito mais no varejo do que no atacado. Exigirá o envolvimento dos servidores de maneira positiva, ao invés de tratá-los como “parasitas”. Qualquer esforço de mudança que coloque os servidores como inimigos estará fadada ao boicote e insucesso. É possível sim ter uma administração pública mais eficiente, produtiva, responsiva e que, ao mesmo tempo, promova mais satisfação para seus funcionários. Mas a solução não passa pela PEC-32.
*Gustavo M. Tavares é professor do Insper na área de comportamento organizacional e liderança. Tem especial interesse sobre temas comportamentais aplicados ao setor público.