Quebrando o ciclo – o investimento com a lente de gênero
A disparidade de gênero tem muitas lentes e pode ser observada em todas as dinâmicas da sociedade
Publicado em 15 de outubro de 2020 às, 15h00.
A disparidade de gênero tem muitas lentes e pode ser observada em todas as dinâmicas da sociedade. Seja nas diferenças salariais, na baixa representação política, na ausência de mulheres em posição de comando nas empresas, bem como na participação feminina em áreas como finanças, engenharia e tecnologia.
O mesmo ocorre com relação ao empreendedorismo. Ainda que exista um número crescente de mulheres empreendedoras, elas já partem em desvantagens ao sofrerem preconceitos para captar recursos financeiros. De acordo com Boston Consulting Group (BCG), quando uma empreendedora realiza um pitch do seu negócio para investidores, ela recebe significativamente menos – uma disparidade de, em média, menos de US$ 1 milhão — em comparação a seus colegas do gênero masculino na mesma situação.
Para a Cambridge Associates, uma das razões para essa desigualdade se deve, também, às áreas nas quais as mulheres geralmente estão focadas, como educação, alimentação, cultura e vestuário. Tais setores tradicionalmente são menos atrativos para investidores. Por isso, a mesma pesquisa indica que, nos últimos anos, apesar de serem minoria no mundo de ‘business angels’, as mulheres investidoras têm uma clara propensão a investir em “negócios de mulheres”.
Reverter o gap de gênero em ganho para todos
Em 2018, o Fórum Econômico Mundial estimou que, no ritmo que a sociedade evolui, se não houver mudanças potentes, o mundo levará 100 anos para fechar a lacuna geral de equidade de gênero.
Em termos de acesso ao microcrédito para negócios iniciados por mulheres, apenas na América Latina, estima-se hoje um gap de aproximadamente US$ 5 bilhões (IFC 2017). O problema, porém, tem raízes profundas e que refletem a forma como a indústria de venture capital está consolidada. É o que mostra o recente relatório da Harvard Kennedy School. A estrutura da indústria de capital de risco torna-o um campo de jogo fundamentalmente desigual para mulheres em relação aos homens.
O levantamento apontou seis fatores-críticos que geraram e ainda mantêm essa distorção. Entre eles está o fato de que se trata de um mercado historicamente dominado pelos homens, em sua maioria no perfil WASP (White Anglo-Saxon Protestant) e maduros: apenas 21% de todos os profissionais de investimento e somente 11% dos investing partners são mulheres. Cerca de três quartos das empresas de capital de risco dos EUA não têm uma única parceira do sexo feminino.
Outro fator-chave é o networking do setor, que gira em torno de uma indústria predominantemente masculina em ambos os lados – em torno de 90% dos investidores são homens e entre 85% e 90% dos fundadores que recebem investimentos também são do sexo masculino.
Reverter essa disparidade e garantir que mulheres tenham maior participação nos dois lados dessa equação não é apenas uma oportunidade, é também inevitável. Globalmente, grupos de mulheres investidoras viram sua riqueza aumentar de US$ 34 trilhões para US$ 51 trilhões entre 2010 e 2015. Há estimativas que apontam que as mulheres deterão um terço da riqueza mundial – US$ 72 trilhões até 2020. Como um mercado consumidor, até 2028, consumidoras mulheres serão responsáveis por US$ 15 trilhões dos gastos com consumo.
Um estudo da McKinsey reforça a importância em ampliar a participação das mulheres na economia e mostra que alcançar a plena igualdade de gênero na força de trabalho poderia impulsionar o PIB global anual em US$ 28 trilhões até 2025. A pergunta que precisa ser feita é: então, por que ainda há tanta resistência e menor interesse em investir em negócios liderados por mulheres?
Sylvia Saes é diretora do CORS (Centro de Estudo das Organizações) da FEA/USP e membro do conselho do Climate-Smart Institute.
Angélica Rotondaro é co-fundadora da Alimi Impact Ventures e do Climate-Smart Institute e membro do Insper Metricis.
Cilene Marcondes é consultora senior da Alimi Impact Ventures e mestranda no CORS (Centro de Estudo das Organizações) da FEA/USP.