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Protecionismo cultural: qual o impacto da Lei da TV Paga no Brasil?

Recentemente a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que renova a cota de tela para filmes brasileiros nas salas de cinema até 2033

cinemas: as salas de São Paulo e do Rio, que são maioria no Brasil, reabriam no último mês.  (Ludvig Omholt/Getty Images)
cinemas: as salas de São Paulo e do Rio, que são maioria no Brasil, reabriam no último mês. (Ludvig Omholt/Getty Images)

Por Kalyell Ventura

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 

No último dia 3 de outubro, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 5.497/2019, que renova a cota de tela para filmes brasileiros nas salas de cinema até 2033. Polêmica, a medida protecionista de reserva de mercado não é uma medida singular tomada pelo Brasil, mas uma das muitas formas em que o protecionismo cultural é aplicado pelo mundo. 

Mas afinal, o que é protecionismo cultural? Como você já deve imaginar, o protecionismo cultural trata de um conjunto de estratégias adotadas por diversos países com o objetivo de preservar sua identidade e a indústria cultural da concorrência estrangeira. No setor audiovisual, o protecionismo cultural pode ser exercido pela incidência de uma maior carga tributária sobre filmes estrangeiros ou pelo sistema de cotas de tela, que reserva um tempo para filmes nacionais ou limita a quantidade de filmes estrangeiros exibidos em salas de cinema e televisão. 

Ironicamente, o cinema norte-americano foi o primeiro a cunhar medidas que impedissem o livre comércio de produtos audiovisuais. Isso ocorreu na década de 1910, com o intuito de parar a gigante francesa Pathé Films, cujo domínio do circuito exibidor mundial chegava a 70%, estabelecendo uma metragem máxima e triagem ideológica para filmes internacionais, como apontado por Abel (2004). 

Olhando mais especificamente o sistema de cotas de tela, uma pergunta que intriga defensores e opositores é se ela é eficaz para proteger e estimular a produção nacional. Com o objetivo de contribuir para esse debate, analisei, em minha dissertação no Mestrado Profissional em Políticas Públicas do Insper, a reserva de cotas de tela no Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), instituída pela Lei nº 12.485/2011, mais conhecida como Lei da TV Paga. 

A análise, realizada com dados do Observatório do Cinema e do Audiovisual, avaliou a quantidade de Certificados de Registro de Títulos (CRTs) para cada segmento de exibição ao longo do tempo. Os resultados preliminares revelaram um aumento de 61% na quantidade de novas obras iniciadas por ano e de 89% dos CRTs emitidos 2 anos após a aprovação da lei. 

Quando observada com a utilização de métodos estatísticos, a quantidade de obras salta de uma média de aproximadamente 0,2 para 0,8, ou seja, uma média quatro vezes maior. Apesar da magnitude, os resultados não se mostraram estatisticamente significativos, demandando esforços adicionais para que seja descartada com segurança a hipótese de não impacto da lei sobre a produção de obras e confirmada, por consequência, uma relação causal entre da reserva de mercado sobre o aumento das produções domésticas.  

Nesse contexto, fica claro que o protecionismo cultural continua a ser um tema relevante e debatido em um mundo cada vez mais globalizado e digital, onde as fronteiras culturais e econômicas se tornam mais interconectadas, sendo revistas constantemente. 

*Kalyell Ventura é cineasta formade em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Ceará e mestrie em Políticas Públicas pelo Insper.