Propostas aos governadores para a agenda de segurança hídrica
Nossos governadores e governadoras são peças-chave para que nossa sociedade esteja preparada para garantir segurança hídrica
Da Redação
Publicado em 30 de agosto de 2022 às 00h05.
Última atualização em 6 de fevereiro de 2023 às 21h15.
O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Por Guilherme B. Checco
Em menos de 50 dias, teremos eleições para cinco diferentes cargos. O que seu candidato tem a propor para garantir que não falte água em nossas torneiras, nem tampouco as chuvas devastem nossas vidas e patrimônio? Nossos governadores e governadoras são peças-chave para que nossa sociedade esteja preparada para garantir segurança hídrica. Se a ciência vem apontando que o acesso à água é um dos principais riscos das sociedades atuais, por que parte dos nossos políticos fecham os olhos para isso? Sem a pretensão de exaurir um assunto tão complexo, aqui vão algumas propostas que os candidatos a governador deveriam assumir compromisso. As propostas têm um setor específico, o saneamento básico, compreendido a partir da lente da segurança hídrica.
Os dados são importantes para ter a dimensão do problema. No Brasil ainda há 31 milhões de pessoas sem acesso à água potável e 97 milhões sem coleta de esgoto. Estima-se que até 2035 haverá mais de 73 milhões de brasileiros em cidades com risco de desabastecimento hídrico. Os exemplos práticos também ajudam a compreender essa realidade. Basta lembrar dos casos recentes de desastres por conta das chuvas no sul da Bahia e em Minas Gerais ou as crises hídricas que São Paulo, Curitiba e Brasília vivenciaram recentemente.
O setor de saneamento básico, a partir de 2020, conta com uma nova legislação nacional que reorganizou as regras do jogo e, ao fazê-lo, criou novas condições que podem ser oportunidades valiosas para enfrentar o desafio da segurança hídrica. A Lei Federal nº 14.026/20 consolidou o entendimento de que os estados, juntamente com os municípios, são responsáveis pela política de saneamento básico. O novo arranjo legal estabeleceu que cada estado deve organizar seu território em agrupamentos regionais de municípios. Cada arranjo regional deverá elaborar um planejamento com as metas e condições do saneamento básico, com prazos definidos. Essa governança compartilhada entre estados e municípios deságua nos processos de eventual concessão da prestação desses serviços e definição do ente regulador.
Essas responsabilidades se concretizam em ações muito práticas. É a caneta do governador que definirá parte dos rumos do saneamento básico. A questão de fundo aqui é uma mudança de olhar, de que saneamento básico não é simplesmente infraestrutura. A posição e liderança do governador definirá como os arranjos territoriais serão estabelecidos, quais as metas adicionadas no planejamento, quais os critérios e condições serão incluídos no contrato de concessão, qual tarifa de água e esgoto será definida e como esse recurso deve ser orientado.
Será que os recentes leilões e concessões realizados no Amapá, Rio de Janeiro e Alagoas incluíram esse olhar e dimensão da segurança hídrica? Ou repetiram o modelo antigo e seus velhos vícios de que saneamento é obra e que a solução será sempre aumentar a capacidade de oferta? Quais as responsabilidades outorgadas pelos governos estaduais aos novos players privados que passaram a prestar os serviços de saneamento básico?
Uma proposta objetiva aos futuros governadores é reconhecer que as áreas de mananciais precisam estar no centro da estratégia de segurança hídrica. Dados recentes do MapBiomas apontam que o Brasil perdeu 15% de sua superfície de água desde 1990. O avanço da degradação ambiental é outro fator preocupante para compreender o cenário nacional de segurança hídrica. Em 2020 o Brasil teve mais de 13 mil km2 de desmatamento, com uma taxa de crescimento anual de 13,6%. Os dados do Altas do Esgoto, organizado pela ANA, indicam que há mais de 110 mil km de rios poluídos no país. Nossos mananciais vêm sofrendo com as alterações no regime de chuvas. No sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de mais de 7 milhões de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo, as chuvas dos meses de junho e maio de 2022 foram 50% e 25%, respectivamente, menores do que a média da série histórica registrada desde 1990.
O Brasil assumiu um compromisso frente à comunidade internacional de reduzir suas emissões e implementar determinadas ações, no âmbito do Acordo de Paris. A partir da liderança dos governadores, tendo em vista iniciativas já em curso como o movimento Governadores pelo Clima, é possível orientar para que o processo de restauração vegetal dos 12 milhões de hectares priorize as áreas de mananciais. Aqui está mais uma proposta.
Os governadores também têm a responsabilidade de indicar a direção das agências reguladoras estaduais. Que os líderes estaduais passem a considerar nessas indicações e em todo diálogo com as agências reguladoras a preocupação com o cenário de segurança hídrica. As empresas de saneamento, reguladas pelas agências, devem ser corresponsáveis pela proteção dos mananciais.
O saneamento básico, mesmo sendo um setor extremamente atrasado, uma vez que ainda está longe da universalização do acesso, subsidia outros setores. Boa parte dos estados recebem anualmente dividendos a partir de sua participação societária nas empresas estaduais de saneamento. Na prática, o lucro dessas operações é revertido para o caixa geral dos estados, minguando os parcos investimentos nesse setor, no qual ainda há uma grande demanda. Os governadores devem se comprometer formalmente em deixar esses recursos para o saneamento, sem retirá-los do “sistema”, para que sejam reinvestidos em sua integralidade (sem captura para outros benefícios). O estado de São Paulo, por exemplo, recebeu em 2021 cerca de R$ 136 milhões, na forma de dividendos da Sabesp. Em 2020 esse valor foi de R$ 473 milhões.
Essa agenda tem uma série de desdobramentos que, a depender dos encaminhamentos, podem gerar ganhos substanciais à sociedade brasileira. Os candidatos aos governos dos estados têm aqui alguns princípios norteadores com os quais deveriam se comprometer, transformando-os em propostas objetivas para cada realidade. A ciência vem apontando o caminho há tempos. O que falta é vontade política.
* Guilherme B. Checco é coordenador de pesquisas do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), think tank do campo socioambiental, e professor coordenador do curso executivo “Gestão das Águas no contexto das mudanças climáticas” do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper. Bacharel em Relações Internacionais (PUC/SP) e Mestre em Ciência Ambiental (USP).
O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Por Guilherme B. Checco
Em menos de 50 dias, teremos eleições para cinco diferentes cargos. O que seu candidato tem a propor para garantir que não falte água em nossas torneiras, nem tampouco as chuvas devastem nossas vidas e patrimônio? Nossos governadores e governadoras são peças-chave para que nossa sociedade esteja preparada para garantir segurança hídrica. Se a ciência vem apontando que o acesso à água é um dos principais riscos das sociedades atuais, por que parte dos nossos políticos fecham os olhos para isso? Sem a pretensão de exaurir um assunto tão complexo, aqui vão algumas propostas que os candidatos a governador deveriam assumir compromisso. As propostas têm um setor específico, o saneamento básico, compreendido a partir da lente da segurança hídrica.
Os dados são importantes para ter a dimensão do problema. No Brasil ainda há 31 milhões de pessoas sem acesso à água potável e 97 milhões sem coleta de esgoto. Estima-se que até 2035 haverá mais de 73 milhões de brasileiros em cidades com risco de desabastecimento hídrico. Os exemplos práticos também ajudam a compreender essa realidade. Basta lembrar dos casos recentes de desastres por conta das chuvas no sul da Bahia e em Minas Gerais ou as crises hídricas que São Paulo, Curitiba e Brasília vivenciaram recentemente.
O setor de saneamento básico, a partir de 2020, conta com uma nova legislação nacional que reorganizou as regras do jogo e, ao fazê-lo, criou novas condições que podem ser oportunidades valiosas para enfrentar o desafio da segurança hídrica. A Lei Federal nº 14.026/20 consolidou o entendimento de que os estados, juntamente com os municípios, são responsáveis pela política de saneamento básico. O novo arranjo legal estabeleceu que cada estado deve organizar seu território em agrupamentos regionais de municípios. Cada arranjo regional deverá elaborar um planejamento com as metas e condições do saneamento básico, com prazos definidos. Essa governança compartilhada entre estados e municípios deságua nos processos de eventual concessão da prestação desses serviços e definição do ente regulador.
Essas responsabilidades se concretizam em ações muito práticas. É a caneta do governador que definirá parte dos rumos do saneamento básico. A questão de fundo aqui é uma mudança de olhar, de que saneamento básico não é simplesmente infraestrutura. A posição e liderança do governador definirá como os arranjos territoriais serão estabelecidos, quais as metas adicionadas no planejamento, quais os critérios e condições serão incluídos no contrato de concessão, qual tarifa de água e esgoto será definida e como esse recurso deve ser orientado.
Será que os recentes leilões e concessões realizados no Amapá, Rio de Janeiro e Alagoas incluíram esse olhar e dimensão da segurança hídrica? Ou repetiram o modelo antigo e seus velhos vícios de que saneamento é obra e que a solução será sempre aumentar a capacidade de oferta? Quais as responsabilidades outorgadas pelos governos estaduais aos novos players privados que passaram a prestar os serviços de saneamento básico?
Uma proposta objetiva aos futuros governadores é reconhecer que as áreas de mananciais precisam estar no centro da estratégia de segurança hídrica. Dados recentes do MapBiomas apontam que o Brasil perdeu 15% de sua superfície de água desde 1990. O avanço da degradação ambiental é outro fator preocupante para compreender o cenário nacional de segurança hídrica. Em 2020 o Brasil teve mais de 13 mil km2 de desmatamento, com uma taxa de crescimento anual de 13,6%. Os dados do Altas do Esgoto, organizado pela ANA, indicam que há mais de 110 mil km de rios poluídos no país. Nossos mananciais vêm sofrendo com as alterações no regime de chuvas. No sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de mais de 7 milhões de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo, as chuvas dos meses de junho e maio de 2022 foram 50% e 25%, respectivamente, menores do que a média da série histórica registrada desde 1990.
O Brasil assumiu um compromisso frente à comunidade internacional de reduzir suas emissões e implementar determinadas ações, no âmbito do Acordo de Paris. A partir da liderança dos governadores, tendo em vista iniciativas já em curso como o movimento Governadores pelo Clima, é possível orientar para que o processo de restauração vegetal dos 12 milhões de hectares priorize as áreas de mananciais. Aqui está mais uma proposta.
Os governadores também têm a responsabilidade de indicar a direção das agências reguladoras estaduais. Que os líderes estaduais passem a considerar nessas indicações e em todo diálogo com as agências reguladoras a preocupação com o cenário de segurança hídrica. As empresas de saneamento, reguladas pelas agências, devem ser corresponsáveis pela proteção dos mananciais.
O saneamento básico, mesmo sendo um setor extremamente atrasado, uma vez que ainda está longe da universalização do acesso, subsidia outros setores. Boa parte dos estados recebem anualmente dividendos a partir de sua participação societária nas empresas estaduais de saneamento. Na prática, o lucro dessas operações é revertido para o caixa geral dos estados, minguando os parcos investimentos nesse setor, no qual ainda há uma grande demanda. Os governadores devem se comprometer formalmente em deixar esses recursos para o saneamento, sem retirá-los do “sistema”, para que sejam reinvestidos em sua integralidade (sem captura para outros benefícios). O estado de São Paulo, por exemplo, recebeu em 2021 cerca de R$ 136 milhões, na forma de dividendos da Sabesp. Em 2020 esse valor foi de R$ 473 milhões.
Essa agenda tem uma série de desdobramentos que, a depender dos encaminhamentos, podem gerar ganhos substanciais à sociedade brasileira. Os candidatos aos governos dos estados têm aqui alguns princípios norteadores com os quais deveriam se comprometer, transformando-os em propostas objetivas para cada realidade. A ciência vem apontando o caminho há tempos. O que falta é vontade política.
* Guilherme B. Checco é coordenador de pesquisas do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), think tank do campo socioambiental, e professor coordenador do curso executivo “Gestão das Águas no contexto das mudanças climáticas” do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper. Bacharel em Relações Internacionais (PUC/SP) e Mestre em Ciência Ambiental (USP).