Preconceitos e estigmas podem reduzir o bem-estar social?
No Brasil, há um estigma enraizado em parte da população de que produtos de certas origens são de baixa qualidade ou não confiáveis
Publicado em 10 de setembro de 2020 às, 18h44.
No último artigo desse tema, falamos sobre o chamado “estigma de ser estrangeiro”: o que ele é e evidências empíricas de sua existência. Discutimos também que esse tipo de atitude ou pensamento fica no caminho da boa análise empírica, parte essencial do pensamento crítico. Mas, em termos concretos, como esse estigma pode afetar nossas vidas? Um exemplo claro é o da seleção de produtos e serviços com um olhar enviesado — uma análise distorcida das características do bem produzido. Em um contexto de pandemia, as consequências disso podem ser graves. A opinião pública é uma arma poderosa no molde de políticas, uma vez que governantes e políticos (por motivos éticos ou para benefício pessoal) são predispostos a não adotar medidas impopulares que diminuam suas chances de reeleição. Se a maioria das pessoas, sem base em quaisquer dados concretos, expressa discordância e repúdio a respeito da adoção (ou parceria para o desenvolvimento) de uma vacina de determinada nacionalidade, como a chinesa, por exemplo, isso pode retardar o processo de cura e reestabelecimento da normalidade em nosso país, o que pode custar muitos empregos e vidas.
No Brasil, há um estigma enraizado em grande parte da população de que produtos de certas origens — como por exemplo de origem chinesa — são de baixa qualidade, e que empresas desses países não são confiáveis. Embora governos e empresas desses mesmos países possam por vezes exibir atitudes consideradas duvidosas, antiéticas ou irresponsáveis, essas práticas não são exclusivas de suas organizações. Em diversos momentos, empresas de origens que consideramos “confiáveis” já tiveram atitudes semelhantes, e, ainda assim, esses países não carregam um estigma negativo por isso. Alguns exemplos notáveis vem à mente: a gigante automotiva alemã Volkswagen foi centro de um escândalo internacional relacionado à fraude de dados de emissão de poluentes por parte de seus veículos em 2015. Em diversas instâncias, grandes empresas de vestuário como Nike (dos Estados Unidos) e Zara (da Espanha) foram acusadas de usar trabalho escravo em suas cadeias de produção. Em 2010, a petroleira britânica BP causou, por negligência, uma das maiores tragédias ambientais da história com o vazamento de milhões de barris de petróleo no Golfo do México.
Esses exemplos não estão aqui para argumentar a favor de produtos de determinada nacionalidade ou contra produtos de outras origens. A lição que devemos tirar disso é que decisões devem ser tomadas com base em dados e fatos, e não em opiniões previamente concebidas. Preconceitos contra certas origens (ou o contrário, a glorificação de certas origens) podem privar o consumidor de ter acesso e se beneficiarem de produtos e serviços de qualidade superior ou com preços mais acessíveis. A consequência disso é uma possível redução do bem-estar social ou, em outras palavras, podemos estar deixando “dinheiro na mesa”.