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Precisamos aprimorar o processo de escolha das lideranças na administração pública

No setor público brasileiro, a escolha dos ocupantes dos cargos de chefia e direção de alto escalão se dá, via de regra, por indicação política

Liderança: texto debate como é a escolha das lideranças públicas em diferentes países. (Richard Drury/Getty Images)
Insper Metricis

Blog Impacto Social

Publicado em 7 de junho de 2023 às 10h00.

O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.

Por Gustavo M. Tavares*

No setor público brasileiro, a escolha dos ocupantes dos cargos de chefia e direção de alto escalão se dá, via de regra, por indicação política. Em que se pese a necessidade de um percentual mínimo desses cargos ser ocupado por servidores de carreira (Inciso V, Capítulo 37 da Constituição Federal), a escolha dessas pessoas normalmente não decorre de um processo de seleção estruturado e transparente.

A tabela abaixo mostra , comparativamente, como a escolha das lideranças públicas ocorre em diferentes países, a depender do escalão de governo. Observa-se que no Brasil, diferentemente de outros países com reconhecida capacidade estatal, predomina a escolha política em todos os escalões.

PAÍS

NÍVEL 1

NÍVEL 2

NÍVEL 3

NÍVEL 4

NÍVEL 5

Brasil

Política

Política

Política

Política

Política

Chile

Política

Política

Híbrida

Híbrida

Híbrida

Reino Unido

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

EUA

Política

Política

Política

Híbrida

Híbrida

Suécia

Política

Política

Política

Política

Técnica

França

Política

Híbrida

Híbrida

Híbrida

Híbrida

Canadá

Híbrida

Híbrida

Técnica

Técnica

Técnica

Austrália

Híbrida

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

Nova Zelândia

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

Singapura

Híbrida

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

Por um lado, a flexibilidade na escolha das lideranças permite que as autoridades políticas direcionem a burocracia para implementar seus programas de governo democraticamente eleito. Por outro lado, a inexistência de um sistema de seleção estruturado possibilita que pessoas com baixa competência e sem histórico de comprometimento com a missão das organizações ocupem cargos-chave de liderança na administração.

Muitas vezes, essas lideranças são indicadas com o objetivo principal de politização, ou seja, de controle político dos órgãos públicos. Neste caso, o critério principal de escolha das lideranças é a lealdade ao governante, não a competência. Especialmente em casos extremos, a politização dos cargos de alto escalão tem efeitos muito negativos para os órgãos e para sua capacidade de criação de valor para a sociedade. É o que mostra um estudo desenvolvido pelos pesquisadores Gabriela Lotta (FGV), Joana Story (FGV) e por mim, publicado recentemente no Journal of Public Administration Research and Theory.

A pesquisa investigou como a indicação de pessoas sem experiência na área ambiental para cargos de chefia e direção de órgãos do Ministério do Meio Ambiente durante o governo Bolsonaro afetou negativamente as atitudes e comportamentos dos servidores de carreira desses órgãos. Os resultados evidenciaram, através de método misto de pesquisa (tanto qualitativo, quanto quantitativo), que a presença desses “líderes outsiders nos órgãos do Ministério esteve associada à supervisão abusiva e perseguição de servidores, bem como o desengajamento no trabalho e silêncio deles. Como afirmou um dos entrevistados, “a primeira mudança que vi no governo foi a troca de gestores. Substituíram especialistas que trabalhavam na área há muitos anos por soldados, que não entendiam nada do assunto (...) e atrapalhavam nossa missão”. Outro entrevistado deu exemplos de como a presença desses indicados políticos afetavam a organização: “ Fomos excluídos de muitos procedimentos técnicos. Não somos convidados para reuniões, não podemos tomar decisões, não podemos sequer acessar as informações do sistema”. Como consequência, outro entrevistado afirmou: “ Eu me sinto muito desmotivado. É difícil se manter motivado com esses gerentes. Minha revolta inicial está se transformando em apatia”. O estudo quantitativo da pesquisa confirmou os achados do estudo qualitativo, mostrando estatisticamente a associação entre a politização dos cargos de liderança e o menor engajamento dos servidores.

Para lidar com essa e outras limitações do atual sistema de indicação de lideranças públicas, existe hoje no Brasil um movimento que se fortalece cada vez mais em torno da pauta de profissionalização do processo de seleção, gestão de desempenho e desenvolvimento dessas lideranças. Organizações do terceiro setor como Vetor Brasil, Gesto, República.org e Fundação Lemann têm dado suporte para estados e municípios para a implementação de sistemas profissionalizados de alta direção pública. Um bom exemplo é o Programa +Líderes. Em parceria com estas organizações, o Insper possui atualmente um grupo de trabalho que desenvolve o Índice de Gestão de Cargos de Liderança no Governo (IGL), que tem por objetivo diagnosticar a capacidade dos órgãos públicos de selecionar, gerir o desempenho e desenvolver suas lideranças, garantindo diversidade na ocupação dos cargos, seguindo as melhores práticas já identificadas. Além disso, o Insper, através do Centro de Gestão e Políticas Públicas, oferece diversos cursos para a capacitação de desenvolvimento das lideranças públicas.

* Gustavo M. Tavares é professor do Insper na área de comportamento organizacional e liderança. Tem especial interesse sobre temas comportamentais aplicados ao setor público.

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O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.

Por Gustavo M. Tavares*

No setor público brasileiro, a escolha dos ocupantes dos cargos de chefia e direção de alto escalão se dá, via de regra, por indicação política. Em que se pese a necessidade de um percentual mínimo desses cargos ser ocupado por servidores de carreira (Inciso V, Capítulo 37 da Constituição Federal), a escolha dessas pessoas normalmente não decorre de um processo de seleção estruturado e transparente.

A tabela abaixo mostra , comparativamente, como a escolha das lideranças públicas ocorre em diferentes países, a depender do escalão de governo. Observa-se que no Brasil, diferentemente de outros países com reconhecida capacidade estatal, predomina a escolha política em todos os escalões.

PAÍS

NÍVEL 1

NÍVEL 2

NÍVEL 3

NÍVEL 4

NÍVEL 5

Brasil

Política

Política

Política

Política

Política

Chile

Política

Política

Híbrida

Híbrida

Híbrida

Reino Unido

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

EUA

Política

Política

Política

Híbrida

Híbrida

Suécia

Política

Política

Política

Política

Técnica

França

Política

Híbrida

Híbrida

Híbrida

Híbrida

Canadá

Híbrida

Híbrida

Técnica

Técnica

Técnica

Austrália

Híbrida

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

Nova Zelândia

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

Singapura

Híbrida

Técnica

Técnica

Técnica

Técnica

Por um lado, a flexibilidade na escolha das lideranças permite que as autoridades políticas direcionem a burocracia para implementar seus programas de governo democraticamente eleito. Por outro lado, a inexistência de um sistema de seleção estruturado possibilita que pessoas com baixa competência e sem histórico de comprometimento com a missão das organizações ocupem cargos-chave de liderança na administração.

Muitas vezes, essas lideranças são indicadas com o objetivo principal de politização, ou seja, de controle político dos órgãos públicos. Neste caso, o critério principal de escolha das lideranças é a lealdade ao governante, não a competência. Especialmente em casos extremos, a politização dos cargos de alto escalão tem efeitos muito negativos para os órgãos e para sua capacidade de criação de valor para a sociedade. É o que mostra um estudo desenvolvido pelos pesquisadores Gabriela Lotta (FGV), Joana Story (FGV) e por mim, publicado recentemente no Journal of Public Administration Research and Theory.

A pesquisa investigou como a indicação de pessoas sem experiência na área ambiental para cargos de chefia e direção de órgãos do Ministério do Meio Ambiente durante o governo Bolsonaro afetou negativamente as atitudes e comportamentos dos servidores de carreira desses órgãos. Os resultados evidenciaram, através de método misto de pesquisa (tanto qualitativo, quanto quantitativo), que a presença desses “líderes outsiders nos órgãos do Ministério esteve associada à supervisão abusiva e perseguição de servidores, bem como o desengajamento no trabalho e silêncio deles. Como afirmou um dos entrevistados, “a primeira mudança que vi no governo foi a troca de gestores. Substituíram especialistas que trabalhavam na área há muitos anos por soldados, que não entendiam nada do assunto (...) e atrapalhavam nossa missão”. Outro entrevistado deu exemplos de como a presença desses indicados políticos afetavam a organização: “ Fomos excluídos de muitos procedimentos técnicos. Não somos convidados para reuniões, não podemos tomar decisões, não podemos sequer acessar as informações do sistema”. Como consequência, outro entrevistado afirmou: “ Eu me sinto muito desmotivado. É difícil se manter motivado com esses gerentes. Minha revolta inicial está se transformando em apatia”. O estudo quantitativo da pesquisa confirmou os achados do estudo qualitativo, mostrando estatisticamente a associação entre a politização dos cargos de liderança e o menor engajamento dos servidores.

Para lidar com essa e outras limitações do atual sistema de indicação de lideranças públicas, existe hoje no Brasil um movimento que se fortalece cada vez mais em torno da pauta de profissionalização do processo de seleção, gestão de desempenho e desenvolvimento dessas lideranças. Organizações do terceiro setor como Vetor Brasil, Gesto, República.org e Fundação Lemann têm dado suporte para estados e municípios para a implementação de sistemas profissionalizados de alta direção pública. Um bom exemplo é o Programa +Líderes. Em parceria com estas organizações, o Insper possui atualmente um grupo de trabalho que desenvolve o Índice de Gestão de Cargos de Liderança no Governo (IGL), que tem por objetivo diagnosticar a capacidade dos órgãos públicos de selecionar, gerir o desempenho e desenvolver suas lideranças, garantindo diversidade na ocupação dos cargos, seguindo as melhores práticas já identificadas. Além disso, o Insper, através do Centro de Gestão e Políticas Públicas, oferece diversos cursos para a capacitação de desenvolvimento das lideranças públicas.

* Gustavo M. Tavares é professor do Insper na área de comportamento organizacional e liderança. Tem especial interesse sobre temas comportamentais aplicados ao setor público.

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