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Parentalidade e cuidado no pós-pandemia

"As previsões iniciais de que a quarentena criaria oportunidades para uma melhor distribuição das tarefas entre pais e mães resultaram contestadas"

Dia das Mães (Halfpoint Images/Getty Images)
Dia das Mães (Halfpoint Images/Getty Images)
I
Impacto Social

Publicado em 3 de maio de 2022 às, 09h00.

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 
Por Regina Madalozzo* e Fabián Echegaray**

Que a pandemia de covid-19 alterou as relações pessoais e profissionais, isso ninguém questiona. Menos comum, no entanto, é o reconhecimento de que essas transformações congelaram e reverteram progressos no âmbito da igualdade de gênero. As previsões iniciais de que a quarentena criaria oportunidades para uma melhor distribuição das tarefas de cuidado entre pais e mães, por exemplo, resultaram contestadas. Por um lado, houve uma massiva perda do emprego feminino. Por outro, recaiu mais sobre as mulheres do que sobre os homens a carga adicional de trabalho relacionada às escolas fechadas, ao home office e ao uso do lar como centro multitarefas.

Muito além da eventual crise econômica gerada pela pandemia, quais forças de longo prazo estão por detrás dessa reversão na igualdade entre gêneros? E, passados dois anos, com um abrandamento das condições de confinamento social, podemos apostar em caminhar rumo a maiores simetrias entre homens e mulheres?

Certamente a velocidade glacial com que as mulheres estão voltando ao mercado de trabalho alerta sobre o tamanho dos desafios pela frente: após o recuo de 49,5% das mulheres trabalhando ou procurando emprego em 2020, o índice subiu para apenas 51,6% em 2021 - ainda menor do que o índice pré-pandemia, de 54,3%. Ao mesmo tempo, em 2021, a participação de homens no mercado de trabalho era de 71,6% - 20 pontos superior à das mulheres.

Um dos fatores que condiciona o mercado laboral é a construção social que divide o trabalho entre remunerado e não remunerado e que, por default, atribui às mulheres a responsabilidade pelo segundo. Dentro do trabalho não remunerado, as crenças sociais tendem automaticamente a atribuir as “atividades de cuidado” ao mundo feminino, perpetuando desigualdades de gênero no acesso e autorrealização no âmbito ocupacional e profissional. Recente pesquisa sobre parentalidade conduzida pela Family Talks e pela 4Daddy, com apoio da Market Analysis, revela que apenas 55% da população geral e 51% dos funcionários de empresas rejeitam a ideia de que o principal espaço de atuação das mulheres é a família, a maternidade e o lar. Essa exígua maioria indica uma divisão de opiniões e decorrente ambiguidade sobre as possibilidades que o mundo feminino se realize num âmbito como o profissional-ocupacional.

O mesmo estudo alerta para o receio majoritário das mulheres profissionais (84%) de perder o emprego após o início da maternidade. Adicionalmente, o trabalho indica que a população se divide com relação à ideia de que “é normal que as empresas priorizem os homens sobre as mulheres, pois não se ausentam quando têm filhos”, já que 40% a aceita, 40% a recusa e outros 20% não conseguem se definir sobre o assunto.

Diante desses desafios, ganham centralidade as propostas de expansão da licença maternal, paternal e introdução de uma licença parental, caminhos para diluir os efeitos adversos dessas crenças sociais sobre a igualdade de gênero no mundo do trabalho. A iniciativa do Programa Empresa Cidadã vai nessa direção ao reintroduzir um maior equilíbrio e justiça intergênero após a chegada de um novo membro da família. Ao legitimar debates que incluam a dimensão do cuidado na vida dos homens e apontem rumos para uma participação mais igualitária no trabalho remunerado e não remunerado, avançaremos para uma sociedade mais diversa e humanizada.

*Regina Madalozzo é sócia da Moura Madalozzo Consultoria Econômica, onde atua em projetos de diversidade de gênero nas empresas. Academicamente, produz suas pesquisas como associada ao GeFam. Regina é PhD em Economia pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.

**Fabián Echegaray é fundador e diretor da Market Analysis, empresa de consultoria e pesquisa de mercado e opinião pública. Fabián é PhD em Ciência Política pela University of Connecticut. Recentemente publicou o livro em coautoria Sustainable Lifestyles after Covid-19, pela Routledge (2021).