O poder da simulação computacional para as políticas públicas
Em um artigo, Ghaffarzadegan, Lyneis e Richardson elencam cinco características de políticas públicas que fazem com que o uso da simulação seja crítico
Publicado em 10 de maio de 2023 às 10h00.
O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis , o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Quando pensamos em ferramentas para apoiar o desenho e avaliação de políticas públicas, é provável que modelos econométricos, design colaborativo, estudos de caso, etnografias e até mesmo planos de medição de impacto venham diretamente à cabeça. No entanto, é bem conhecido que muitas políticas públicas falham como o resultado implacável da complexidade que as cercam, tanto do ambiente quanto do próprio processo de tomada de decisão. Mas, afinal, o que significa essa complexidade?
Sistemas complexos são aqueles em as partes interagem umas com as outras e com o ambiente de múltiplas maneiras. Mas não é uma interação qualquer. É uma interação denominada “emergência” na teoria da área, o que significa dizer que o todo é maior do que a soma das partes. Da mesma forma que bilhões de neurônios se organizam em uma estrutura capaz de consciência e inteligência e uma imensidão de moléculas de vapor d´água dão vida a um tornado, as políticas públicas se ancoram em uma infinidade de decisões inter-relacionadas em diferentes níveis, escalas temporais e atores. Cada ação pública afeta a sociedade de alguma forma que, por sua vez, afeta de volta as decisões públicas. É um ciclo de interações sem fim, que pode se tornar muito difícil de entender e prever.
Para sistemas com esses atributos, abordagens de simulação computacional se tornam fundamentais. Em um artigo clássico da área, Ghaffarzadegan, Lyneis e Richardson elencam cinco características de políticas públicas que fazem com que o uso da simulação seja crítico. Primeiro, políticas públicas estão envoltas por um ambiente de alta complexidade, fazendo com que intervenções disparem respostas que podem tornar o problema original ainda pior. Segundo, os altos custos e riscos de testar e experimentar soluções em políticas públicas. Terceiro, a necessidade de envolver e persuadir grupos heterogêneos de atores, especialmente quando as melhores políticas são contraintuitivas. Quarto, o excesso de confiança de tomadores(as) de decisão, tanto iniciantes quanto experientes, que é exacerbado por elevados graus de incerteza. E, por fim, a nossa tendência de sempre buscar explicações exclusivamente baseadas em fatores externos, e não internos, ao próprio sistema.
Em uma recente dissertação do Mestrado em Políticas Públicas do Insper, desenvolvemos um modelo de simulação – Raphael como aluno do mestrado conduzindo a pesquisa e Vinicius como orientador - para investigar os potenciais efeitos do marco legal da Micro e Minigeração Distribuída na difusão da energia solar fotovoltaica residencial e as consequentes emissões de carbono. O trabalho utilizou a metodologia de dinâmica de sistemas e se pautou em um clássico modelo de difusão de tecnologia. Por meio da simulação, o estudo encontrou um aumento de 19% nas adoções anuais da micro e minigeração distribuída para a energia fotovoltaica residencial e uma redução de 13% nas emissões de carbono anuais após a implementação da nova lei no país. O estudo encontrou ainda, de forma contraintuitiva, que à medida em que o consumo residencial médio de eletricidade aumenta, o novo regime se torna menos vantajoso, podendo ser até pior que a política anterior, em termos de emissões de carbono e adoção da tecnologia fotovoltaica.
O poder do estudo, além de suas conclusões, está em demonstrar como a simulação pode servir à formulação de políticas públicas. A simulação permite testar diferentes cenários, incorporar variáveis, heurísticas e modelos mentais específicos de tomadores(as) de decisão e testar as respostas das políticas públicas em condições extremas, por exemplo. Acima de tudo, as simulações permitem um aprendizado efetivo em ciclos curtos de tempo, contribuindo também para o desenvolvimento de novas competências. Abordagens de simulação podem ser grandes aliadas na busca incessante por políticas públicas mais efetivas e informadas por evidências.
*Vinícius Picanço Rodrigues é Ph.D. em Engenharia pela Technical University of Denmark (DTU), professor de operações e sustentabilidade da University of Strathclyde e research fellow do Insper.
**Raphael Pasqualette é mestre em Políticas Públicas pelo Insper e bacharel em Direito pela PUC-Rio.
O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis , o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Quando pensamos em ferramentas para apoiar o desenho e avaliação de políticas públicas, é provável que modelos econométricos, design colaborativo, estudos de caso, etnografias e até mesmo planos de medição de impacto venham diretamente à cabeça. No entanto, é bem conhecido que muitas políticas públicas falham como o resultado implacável da complexidade que as cercam, tanto do ambiente quanto do próprio processo de tomada de decisão. Mas, afinal, o que significa essa complexidade?
Sistemas complexos são aqueles em as partes interagem umas com as outras e com o ambiente de múltiplas maneiras. Mas não é uma interação qualquer. É uma interação denominada “emergência” na teoria da área, o que significa dizer que o todo é maior do que a soma das partes. Da mesma forma que bilhões de neurônios se organizam em uma estrutura capaz de consciência e inteligência e uma imensidão de moléculas de vapor d´água dão vida a um tornado, as políticas públicas se ancoram em uma infinidade de decisões inter-relacionadas em diferentes níveis, escalas temporais e atores. Cada ação pública afeta a sociedade de alguma forma que, por sua vez, afeta de volta as decisões públicas. É um ciclo de interações sem fim, que pode se tornar muito difícil de entender e prever.
Para sistemas com esses atributos, abordagens de simulação computacional se tornam fundamentais. Em um artigo clássico da área, Ghaffarzadegan, Lyneis e Richardson elencam cinco características de políticas públicas que fazem com que o uso da simulação seja crítico. Primeiro, políticas públicas estão envoltas por um ambiente de alta complexidade, fazendo com que intervenções disparem respostas que podem tornar o problema original ainda pior. Segundo, os altos custos e riscos de testar e experimentar soluções em políticas públicas. Terceiro, a necessidade de envolver e persuadir grupos heterogêneos de atores, especialmente quando as melhores políticas são contraintuitivas. Quarto, o excesso de confiança de tomadores(as) de decisão, tanto iniciantes quanto experientes, que é exacerbado por elevados graus de incerteza. E, por fim, a nossa tendência de sempre buscar explicações exclusivamente baseadas em fatores externos, e não internos, ao próprio sistema.
Em uma recente dissertação do Mestrado em Políticas Públicas do Insper, desenvolvemos um modelo de simulação – Raphael como aluno do mestrado conduzindo a pesquisa e Vinicius como orientador - para investigar os potenciais efeitos do marco legal da Micro e Minigeração Distribuída na difusão da energia solar fotovoltaica residencial e as consequentes emissões de carbono. O trabalho utilizou a metodologia de dinâmica de sistemas e se pautou em um clássico modelo de difusão de tecnologia. Por meio da simulação, o estudo encontrou um aumento de 19% nas adoções anuais da micro e minigeração distribuída para a energia fotovoltaica residencial e uma redução de 13% nas emissões de carbono anuais após a implementação da nova lei no país. O estudo encontrou ainda, de forma contraintuitiva, que à medida em que o consumo residencial médio de eletricidade aumenta, o novo regime se torna menos vantajoso, podendo ser até pior que a política anterior, em termos de emissões de carbono e adoção da tecnologia fotovoltaica.
O poder do estudo, além de suas conclusões, está em demonstrar como a simulação pode servir à formulação de políticas públicas. A simulação permite testar diferentes cenários, incorporar variáveis, heurísticas e modelos mentais específicos de tomadores(as) de decisão e testar as respostas das políticas públicas em condições extremas, por exemplo. Acima de tudo, as simulações permitem um aprendizado efetivo em ciclos curtos de tempo, contribuindo também para o desenvolvimento de novas competências. Abordagens de simulação podem ser grandes aliadas na busca incessante por políticas públicas mais efetivas e informadas por evidências.
*Vinícius Picanço Rodrigues é Ph.D. em Engenharia pela Technical University of Denmark (DTU), professor de operações e sustentabilidade da University of Strathclyde e research fellow do Insper.
**Raphael Pasqualette é mestre em Políticas Públicas pelo Insper e bacharel em Direito pela PUC-Rio.