O (não) lugar das mulheres nas políticas públicas federais
No Brasil, políticas públicas para a igualdade de gênero surgiram nos anos 1980. Desde então, o caminho tem sido de avanços e retrocessos
Da Redação
Publicado em 12 de maio de 2022 às 09h00.
Por Ana Diniz*
No Brasil, políticas públicas para a igualdade de gênero surgiram nos anos 1980, no contexto de redemocratização e reorganização dos movimentos sociais. Desde então, o caminho tem sido de avanços e retrocessos. A partir da criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 1985, ações governamentais estruturadas começaram a ser desenvolvidas, com foco na saúde da mulher e no enfrentamento da violência doméstica. Os anos 1990, por sua vez, foram marcados por restrições orçamentárias e forte esfriamento das iniciativas na área em âmbito federal.
A criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), em 2003, foi um marco nesse processo. Baseada na transversalidade (apropriação nacional do gender mainstreaming ), a SPM buscou orientar a ação governamental visando à igualdade de gênero. A estratégia se estruturou em ciclos. Nas conferências de políticas públicas, atrizes governamentais e da sociedade civil avaliavam as iniciativas desenvolvidas no período anterior e definiam as prioridades para o seguinte. A partir dessas definições, a SPM elaborava os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres a serem implementados no próximo quadriênio.
Nesse contexto, a política para as mulheres ganhou corpo – mas com muitos desafios. Problemas na articulação com outros órgãos e baixa disponibilidade de recursos comprometeram a incorporação da perspectiva de gênero em um conjunto mais amplo de áreas e programas governamentais. De toda maneira, importantes iniciativas foram desenvolvidas, reforçando a atuação no enfrentamento da violência e abrindo frentes voltadas para a qualificação profissional, conciliação do trabalho produtivo e de cuidados, e garantia de direitos das mulheres no campo e das trabalhadoras domésticas.
Se a primeira década dos anos 2000 trouxe avanços, os últimos anos foram de perdas. No segundo governo de Dilma Rousseff, a SPM enfrentou instabilidade institucional, sendo integrada ao Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. A crise se aprofundou durante o governo Michel Temer, com a dissolução do ministério recém-criado, incorporação da secretaria ao Ministério da Justiça e Cidadania e contingenciamento orçamentário. As inovações criadas para operacionalizar a estratégia da transversalidade também foram desestruturadas, com interrupção do ciclo de realização de conferências e planos em 2016.
O desmonte se intensificou durante o governo Jair Bolsonaro. Publicação recente do Instituto de Estudos Socioeconômicos mostra que o atual Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos executou menos da metade do orçamento destinado a suas ações – mesmo em um contexto de expressiva redução de alocação quando comparado a governos anteriores. Somam-se a isso, a perda de relevância de agendas, como o enfrentamento à violência, e a introdução de uma abordagem antigênero, que reforça papéis tradicionais de homens e mulheres e opera na contramão da garantia de direitos, especialmente na esfera sexual e reprodutiva.
Em meio a tamanho retrocesso, emerge a questão sobre qual lugar as mulheres devem ocupar nas políticas federais. Essa pergunta é ainda mais urgente diante da piora significativa dos indicadores de feminicídio e de participação econômica, reclamando posição ativa na preservação da vida e promoção da autonomia das mulheres.
*Ana Diniz é professora no Insper. Coordenadora do Núcleo de Estudos em Diversidade e Inclusão no Trabalho. Dedica-se ao desenvolvimento de estudos e tecnologias para a promoção da autonomia econômica das mulheres.
Por Ana Diniz*
No Brasil, políticas públicas para a igualdade de gênero surgiram nos anos 1980, no contexto de redemocratização e reorganização dos movimentos sociais. Desde então, o caminho tem sido de avanços e retrocessos. A partir da criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 1985, ações governamentais estruturadas começaram a ser desenvolvidas, com foco na saúde da mulher e no enfrentamento da violência doméstica. Os anos 1990, por sua vez, foram marcados por restrições orçamentárias e forte esfriamento das iniciativas na área em âmbito federal.
A criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), em 2003, foi um marco nesse processo. Baseada na transversalidade (apropriação nacional do gender mainstreaming ), a SPM buscou orientar a ação governamental visando à igualdade de gênero. A estratégia se estruturou em ciclos. Nas conferências de políticas públicas, atrizes governamentais e da sociedade civil avaliavam as iniciativas desenvolvidas no período anterior e definiam as prioridades para o seguinte. A partir dessas definições, a SPM elaborava os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres a serem implementados no próximo quadriênio.
Nesse contexto, a política para as mulheres ganhou corpo – mas com muitos desafios. Problemas na articulação com outros órgãos e baixa disponibilidade de recursos comprometeram a incorporação da perspectiva de gênero em um conjunto mais amplo de áreas e programas governamentais. De toda maneira, importantes iniciativas foram desenvolvidas, reforçando a atuação no enfrentamento da violência e abrindo frentes voltadas para a qualificação profissional, conciliação do trabalho produtivo e de cuidados, e garantia de direitos das mulheres no campo e das trabalhadoras domésticas.
Se a primeira década dos anos 2000 trouxe avanços, os últimos anos foram de perdas. No segundo governo de Dilma Rousseff, a SPM enfrentou instabilidade institucional, sendo integrada ao Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. A crise se aprofundou durante o governo Michel Temer, com a dissolução do ministério recém-criado, incorporação da secretaria ao Ministério da Justiça e Cidadania e contingenciamento orçamentário. As inovações criadas para operacionalizar a estratégia da transversalidade também foram desestruturadas, com interrupção do ciclo de realização de conferências e planos em 2016.
O desmonte se intensificou durante o governo Jair Bolsonaro. Publicação recente do Instituto de Estudos Socioeconômicos mostra que o atual Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos executou menos da metade do orçamento destinado a suas ações – mesmo em um contexto de expressiva redução de alocação quando comparado a governos anteriores. Somam-se a isso, a perda de relevância de agendas, como o enfrentamento à violência, e a introdução de uma abordagem antigênero, que reforça papéis tradicionais de homens e mulheres e opera na contramão da garantia de direitos, especialmente na esfera sexual e reprodutiva.
Em meio a tamanho retrocesso, emerge a questão sobre qual lugar as mulheres devem ocupar nas políticas federais. Essa pergunta é ainda mais urgente diante da piora significativa dos indicadores de feminicídio e de participação econômica, reclamando posição ativa na preservação da vida e promoção da autonomia das mulheres.
*Ana Diniz é professora no Insper. Coordenadora do Núcleo de Estudos em Diversidade e Inclusão no Trabalho. Dedica-se ao desenvolvimento de estudos e tecnologias para a promoção da autonomia econômica das mulheres.