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O futebol americano tem uma lição para o futebol brasileiro

Observando com mais atenção, uma dúvida se destaca no Campeonato Brasileiro: onde estão os técnicos negros?

Futebrol brasileiro: onde estão os técnicos negros? (Fernando Torres/CBF/Agência Brasil)
Futebrol brasileiro: onde estão os técnicos negros? (Fernando Torres/CBF/Agência Brasil)

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 

Quando falamos do Campeonato Brasileiro, pensamos em paixão, técnica e, claro, talento inigualável. No entanto, observando com mais atenção, uma lacuna se destaca: onde estão os técnicos negros? Nessa reflexão, um estudo publicado em 2023 no American Journal of Sociology por Christopher Rider, James Wade, Anand Swaminathan e Andreas Schwab nos oferece achados valiosos.

Neste estudo, os pesquisadores analisaram dados de mais de 1.300 técnicos de futebol americano entre 1985 e 2015. O estudo lançou luz sobre a Regra Rooney, uma jogada audaciosa da National Football League (NFL) em 2003. Essa regra obrigou times a entrevistar pelo menos uma mulher ou um candidato de origem étnica não branca para posições de liderança nas equipes. Os autores usaram a súbita implementação da Regra Rooney como um choque no cenário da NFL. Isso permitiu-lhes comparar as promoções de técnicos negros antes e depois da regra, criando uma avaliação natural do impacto da referida mudança.

Um ponto intrigante do estudo é a consideração sobre dois tipos principais de vieses: o viés alocativo e o viés valorativo. O viés alocativo se refere à possibilidade de certos times da NFL alocarem técnicos negros para funções diferentes daquelas dos técnicos brancos. Por exemplo, historicamente técnicos negros têm menos chances de ser alocados como técnico principal (head coach) do que técnicos brancos ainda no começo de suas carreiras. Já o viés valorativo é mais sutil. Pode haver diferenças na maneira como técnicos de origens distintas são avaliados ou recompensados, mesmo que tenham desempenhos semelhantes. Por exemplo, um técnico negro que leve seu time a vitórias pode não receber o mesmo crédito, reconhecimento e oportunidades que um técnico branco com realizações similares.

E se trouxéssemos uma versão dessa regra para os campos brasileiros? Não se trata apenas de cumprir cotas, mas de reconhecer e valorizar o talento diverso que nosso país possui e de realmente criar um sistema meritocrático. Iniciativas como a Regra Rooney podem ser o impulso que nosso futebol precisa para garantir que todos, independentemente de cor ou origem, tenham chances iguais.

Então, enquanto celebramos os dribles e gols espetaculares do Brasileirão, é hora de também incentivar a diversidade na liderança do nosso futebol. O Brasil tem o talento. Nosso maior expoente em campo foi um jogador negro. É hora de deixar esses talentos brilharem em todas as suas nuances, abrindo espaços para jogadores e técnicos negros como protagonistas da nossa história futebolística dentro e fora de campo.

*Leandro S. Pongeluppe é professor assistente da Wharton School, University of Pennsylvania. Especialista em avaliação de impacto socioambiental, Leandro é Ph.D. pelo departamento de gestão estratégica da Rotman School of Management, University of Toronto. Seus principais interesses de pesquisa são compreender como a gestão de organizações pode contribuir com o avanço dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.