O financiamento do urbanismo social na América Latina
A pandemia torna visível o invisível e joga urgência na promoção do urbanismo social em nossas cidades. Mas como se pode financiá-lo?
André Martins
Publicado em 4 de março de 2021 às 14h00.
Última atualização em 4 de março de 2021 às 17h06.
Por que as regiões mais centrais das cidades são mais caras? E quem provê as infraestruturas urbanas que são tão importantes na vida das pessoas? As respostas são há muito conhecidas: as regiões menos periféricas são mais caras justamente porque possuem melhor infraestrutura, que, em regra, e especialmente na América Latina, é provida pelo Estado, com recursos públicos escassos. Considerando-se infraestrutura de suporte como o conjunto de infraestruturas urbanas básicas — eletricidade, saneamento, etc. –, mais as redes de transporte público e de equipamentos sociais, há maiores densidades populacionais onde há pouca infraestrutura de suporte e pouca gente onde esta existe nas grandes cidades dos países latino-americanos. Trata-se de grave sintoma do desequilíbrio do uso do solo, que reflete uma incongruência no desenvolvimento econômico urbano e dramáticas consequências sociais.
O urbanismo social, nestes termos, deseja promover a melhoria da qualidade de vida urbana e a inclusão socioterritorial, especialmente direcionando investimentos para áreas mais socialmente vulneráveis e para a solução integrada das grandes questões habitacionais urbanas e das infraestruturas de suporte. Aproximar pessoas e infraestrutura: adensar onde há infraestrutura e prover mais e melhor infraestrutura de suporte onde há maior densidade populacional.
A pergunta é: como, se normalmente os orçamentos públicos municipais são limitados? A resposta passa pelos instrumentos urbanos indutores do desenvolvimento urbano planejado e de seu financiamento, caminhando para a construção da diversificação das fontes de financiamento. Eles são decorrentes dos marcos regulatórios urbanos contemporâneos, planos diretores eficazes baseados em evidências, com monitoramento de suas metas e resultados, que induzam políticas públicas eficazes, integradas e territorializadas.
E qual o cardápio de instrumentos de financiamento urbano? Citaremos os mais significativos ( aqui para uma análise completa ): imposto predial (IPTU); contribuições por melhorias, muito utilizado em Bogotá e Medellín;TIF – Tax Increment Financingou financiamento pelo aumento do imposto, utilizado em sistemas de transporte público de alta capacidade; empreendimentos associados ligados ao DOT (Desenvolvimento urbano Orientado ao Transporte) e reajuste de terrenos (Land Readjustment Projects), de modo ainda pontual e bem menos potente do que o realizado no Japão e Coreia, há os exemplos exitosos do metrô paulistano com alguns empreendimentos associados.
No Brasil, temos alguns instrumentos jurídico-urbanísticos voltados à captura da valorização da terra (Land Value Capture - LVC), que sofrem ainda injustificada resistência para sua efetiva implementação. Destacam-se: Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC); Operações Urbanas Consorciadas (OUCs); Transferência do Direito de Construir (TDC); demarcação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), com destaque para a cidade de São Paulo, que tem promovido com robustez a aplicação destes instrumentos há vários anos ( aqui para uma análise completa e aplicações em diversas cidades da América Latina )
Tais instrumentos são utilizados há décadas em cidades latino-americanas e aliam-se à tradição construída em diversas cidades da Europa e dos EUA, de Paris e Berlim a toda Califórnia. A captura da valorização do solo é decorrente dos investimentos e ações da gestão pública em infraestrutura de suporte para sua posterior redistribuição em prol da coletividade, ou seja, os instrumentos possuem a desejável e importante função redistributiva e devem ser usados na promoção do urbanismo social, contínua e incrementalmente, em nossas sofridas periferias. As experiências realizadas nos mostram o grande potencial dos instrumentos, falta agora focarmos na sua implementação.
*Carlos Leite — Coordenador do Núcleo de Urbanismo Social, Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper e Professor FAU-Mackenzie.
Por que as regiões mais centrais das cidades são mais caras? E quem provê as infraestruturas urbanas que são tão importantes na vida das pessoas? As respostas são há muito conhecidas: as regiões menos periféricas são mais caras justamente porque possuem melhor infraestrutura, que, em regra, e especialmente na América Latina, é provida pelo Estado, com recursos públicos escassos. Considerando-se infraestrutura de suporte como o conjunto de infraestruturas urbanas básicas — eletricidade, saneamento, etc. –, mais as redes de transporte público e de equipamentos sociais, há maiores densidades populacionais onde há pouca infraestrutura de suporte e pouca gente onde esta existe nas grandes cidades dos países latino-americanos. Trata-se de grave sintoma do desequilíbrio do uso do solo, que reflete uma incongruência no desenvolvimento econômico urbano e dramáticas consequências sociais.
O urbanismo social, nestes termos, deseja promover a melhoria da qualidade de vida urbana e a inclusão socioterritorial, especialmente direcionando investimentos para áreas mais socialmente vulneráveis e para a solução integrada das grandes questões habitacionais urbanas e das infraestruturas de suporte. Aproximar pessoas e infraestrutura: adensar onde há infraestrutura e prover mais e melhor infraestrutura de suporte onde há maior densidade populacional.
A pergunta é: como, se normalmente os orçamentos públicos municipais são limitados? A resposta passa pelos instrumentos urbanos indutores do desenvolvimento urbano planejado e de seu financiamento, caminhando para a construção da diversificação das fontes de financiamento. Eles são decorrentes dos marcos regulatórios urbanos contemporâneos, planos diretores eficazes baseados em evidências, com monitoramento de suas metas e resultados, que induzam políticas públicas eficazes, integradas e territorializadas.
E qual o cardápio de instrumentos de financiamento urbano? Citaremos os mais significativos ( aqui para uma análise completa ): imposto predial (IPTU); contribuições por melhorias, muito utilizado em Bogotá e Medellín;TIF – Tax Increment Financingou financiamento pelo aumento do imposto, utilizado em sistemas de transporte público de alta capacidade; empreendimentos associados ligados ao DOT (Desenvolvimento urbano Orientado ao Transporte) e reajuste de terrenos (Land Readjustment Projects), de modo ainda pontual e bem menos potente do que o realizado no Japão e Coreia, há os exemplos exitosos do metrô paulistano com alguns empreendimentos associados.
No Brasil, temos alguns instrumentos jurídico-urbanísticos voltados à captura da valorização da terra (Land Value Capture - LVC), que sofrem ainda injustificada resistência para sua efetiva implementação. Destacam-se: Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC); Operações Urbanas Consorciadas (OUCs); Transferência do Direito de Construir (TDC); demarcação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), com destaque para a cidade de São Paulo, que tem promovido com robustez a aplicação destes instrumentos há vários anos ( aqui para uma análise completa e aplicações em diversas cidades da América Latina )
Tais instrumentos são utilizados há décadas em cidades latino-americanas e aliam-se à tradição construída em diversas cidades da Europa e dos EUA, de Paris e Berlim a toda Califórnia. A captura da valorização do solo é decorrente dos investimentos e ações da gestão pública em infraestrutura de suporte para sua posterior redistribuição em prol da coletividade, ou seja, os instrumentos possuem a desejável e importante função redistributiva e devem ser usados na promoção do urbanismo social, contínua e incrementalmente, em nossas sofridas periferias. As experiências realizadas nos mostram o grande potencial dos instrumentos, falta agora focarmos na sua implementação.
*Carlos Leite — Coordenador do Núcleo de Urbanismo Social, Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper e Professor FAU-Mackenzie.