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O efeito indireto da soja nas florestas brasileiras

Segundo estudo, a introdução da soja transgênica teve um impacto negativo indireto na cobertura de florestas brasileiras

Sinop, Mato Grosso, Brazil - plantão de soja com floresta (Lucas Ninno/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 15 de março de 2023 às 16h58.

O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.

Por Gabriel Natale Pinto de Almeida*

O desmatamento e a degradação das florestas brasileiras têm sido problemas recorrentes nas últimas décadas, com desastrosas consequências socioambientais. Observamos o desmatamento em queimadas ou na retirada de madeira ilegal, porém os motivos por trás são bem menos visíveis. O desmatamento possui motivações múltiplas e complexas, com fatores trabalhando juntamente ou sequencialmente, como a falta de ações de comando e controle, ausência de legislações ou políticas públicas adequadas, especulação de terras e o crescimento do crime organizado.

Dois importantes motores históricos do desmatamento brasileiro são a agricultura e a pecuária. Segundo artigo publicado pela Science, a agricultura e a pecuária estão ligadas a pelo menos 90% do desmatamento nos trópicos entre 2011 e 2015. Nesse estudo, os autores apontam que parte desse desmatamento é direto, onde observamos as florestas dando lugar à agricultura, e parte é indireto, com mecanismos mais complexos ocorrendo. Em um capítulo da minha tese de doutorado intitulada “Ensaios sobre agricultura brasileira e desmatamento”, investiguei o desmatamento indireto causado pela expansão da produção de soja motivada pela introdução das sementes transgênicas a partir dos anos 2000.

Utilizando dados do FAO-GAEZ, calculei a diferença potencial de produtividade gerada pela introdução de sementes transgênicas de soja no território brasileiro. Juntei a esses dados as informações do MAPBIOMAS sobre coberturas de terra no Brasil (pecuária, agricultura, área urbana, entre outras) e suas respectivas transições. Com base nessas informações, foi possível acompanhar como esses dados evoluíram ao longo do tempo. Empregando uma metodologia conhecida como Primeiras Diferenças, calculei o efeito da introdução da soja transgênica nas mudanças de solo no Brasil entre 2001 e 2010. Para comparação, repeti o processo para a introdução do milho safrinha, adotado de maneira mais gradual do que a soja transgênica.

Os resultados revelam que a introdução da soja transgênica teve um impacto negativo indireto na cobertura de florestas brasileiras no período analisado, aumentando a substituição de florestas por pastagens. Os dados mostram que a soja ocupou áreas de pasto, além da área de outras culturas agrícolas. Essas outras culturas, por sua vez, também ocuparam áreas previamente de pastagens. Pressionadas por essa expansão, as pastagens foram deslocadas para a fronteira agrícola, causando novos desmatamentos. Em outras palavras, a expansão da soja causada pela introdução da soja transgênica “empurrou” as pastagens em direção às florestas, um efeito não observado no caso do milho safrinha.

Os achados da minha pesquisa contrariam a Hipótese de Borlaug, por vezes evocada na criação de políticas públicas ambientais. Segundo essa hipótese, o aumento da produtividade na agricultura poderia “poupar florestas”, tendo em vista que a intensificação da agricultura levaria produtores a necessitar de menos terras para produzir a mesma quantidade. Porém, na prática, nem sempre isso ocorre. Ainda que a introdução da soja transgênica tenha aumentado a produtividade, os resultados que encontrei mostram seu impacto negativo nas florestas. Como apontado no livro editado por Angelsen e Kaimowitz, outros mecanismos podem levar ao desmatamento, mesmo com o aumento da produtividade, e os produtores podem ter incentivos para seguir expandindo suas áreas. Inclusive, o efeito que encontrei em minha tese corrobora Arima et al., que já havia demonstrado estatisticamente este fenômeno no caso da soja brasileira, com outra metodologia.

A Moratória da Soja atuou sobre um efeito direto, ao proibir a compra de soja proveniente de áreas recém desmatadas na Amazônia, porém se mostrou ineficaz no caso de um desmatamento indireto, conforme demonstrado pela minha pesquisa. A consideração de efeitos indiretos é um grande desafio das políticas públicas em geral, e, em particular, das políticas públicas ambientais. Muitas vezes há uma cadeia complexa de eventos e uma multiplicidade de fatores envolvidos que exigem uma visão sistêmica sobre o objeto da política pública, para se evitar efeitos contraproducentes ou nulos. Afinal, é como diz o ditado: “para todo problema complexo e difícil, há sempre uma solução simples. E errada”.

* Gabriel Natale Pinto de Almeida é doutor em Economia dos Negócios pelo Insper e bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui experiência em gestão ambiental no setor público e atualmente atua como consultor do Instituto Gesto.

O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.

Por Gabriel Natale Pinto de Almeida*

O desmatamento e a degradação das florestas brasileiras têm sido problemas recorrentes nas últimas décadas, com desastrosas consequências socioambientais. Observamos o desmatamento em queimadas ou na retirada de madeira ilegal, porém os motivos por trás são bem menos visíveis. O desmatamento possui motivações múltiplas e complexas, com fatores trabalhando juntamente ou sequencialmente, como a falta de ações de comando e controle, ausência de legislações ou políticas públicas adequadas, especulação de terras e o crescimento do crime organizado.

Dois importantes motores históricos do desmatamento brasileiro são a agricultura e a pecuária. Segundo artigo publicado pela Science, a agricultura e a pecuária estão ligadas a pelo menos 90% do desmatamento nos trópicos entre 2011 e 2015. Nesse estudo, os autores apontam que parte desse desmatamento é direto, onde observamos as florestas dando lugar à agricultura, e parte é indireto, com mecanismos mais complexos ocorrendo. Em um capítulo da minha tese de doutorado intitulada “Ensaios sobre agricultura brasileira e desmatamento”, investiguei o desmatamento indireto causado pela expansão da produção de soja motivada pela introdução das sementes transgênicas a partir dos anos 2000.

Utilizando dados do FAO-GAEZ, calculei a diferença potencial de produtividade gerada pela introdução de sementes transgênicas de soja no território brasileiro. Juntei a esses dados as informações do MAPBIOMAS sobre coberturas de terra no Brasil (pecuária, agricultura, área urbana, entre outras) e suas respectivas transições. Com base nessas informações, foi possível acompanhar como esses dados evoluíram ao longo do tempo. Empregando uma metodologia conhecida como Primeiras Diferenças, calculei o efeito da introdução da soja transgênica nas mudanças de solo no Brasil entre 2001 e 2010. Para comparação, repeti o processo para a introdução do milho safrinha, adotado de maneira mais gradual do que a soja transgênica.

Os resultados revelam que a introdução da soja transgênica teve um impacto negativo indireto na cobertura de florestas brasileiras no período analisado, aumentando a substituição de florestas por pastagens. Os dados mostram que a soja ocupou áreas de pasto, além da área de outras culturas agrícolas. Essas outras culturas, por sua vez, também ocuparam áreas previamente de pastagens. Pressionadas por essa expansão, as pastagens foram deslocadas para a fronteira agrícola, causando novos desmatamentos. Em outras palavras, a expansão da soja causada pela introdução da soja transgênica “empurrou” as pastagens em direção às florestas, um efeito não observado no caso do milho safrinha.

Os achados da minha pesquisa contrariam a Hipótese de Borlaug, por vezes evocada na criação de políticas públicas ambientais. Segundo essa hipótese, o aumento da produtividade na agricultura poderia “poupar florestas”, tendo em vista que a intensificação da agricultura levaria produtores a necessitar de menos terras para produzir a mesma quantidade. Porém, na prática, nem sempre isso ocorre. Ainda que a introdução da soja transgênica tenha aumentado a produtividade, os resultados que encontrei mostram seu impacto negativo nas florestas. Como apontado no livro editado por Angelsen e Kaimowitz, outros mecanismos podem levar ao desmatamento, mesmo com o aumento da produtividade, e os produtores podem ter incentivos para seguir expandindo suas áreas. Inclusive, o efeito que encontrei em minha tese corrobora Arima et al., que já havia demonstrado estatisticamente este fenômeno no caso da soja brasileira, com outra metodologia.

A Moratória da Soja atuou sobre um efeito direto, ao proibir a compra de soja proveniente de áreas recém desmatadas na Amazônia, porém se mostrou ineficaz no caso de um desmatamento indireto, conforme demonstrado pela minha pesquisa. A consideração de efeitos indiretos é um grande desafio das políticas públicas em geral, e, em particular, das políticas públicas ambientais. Muitas vezes há uma cadeia complexa de eventos e uma multiplicidade de fatores envolvidos que exigem uma visão sistêmica sobre o objeto da política pública, para se evitar efeitos contraproducentes ou nulos. Afinal, é como diz o ditado: “para todo problema complexo e difícil, há sempre uma solução simples. E errada”.

* Gabriel Natale Pinto de Almeida é doutor em Economia dos Negócios pelo Insper e bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui experiência em gestão ambiental no setor público e atualmente atua como consultor do Instituto Gesto.

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