Exame.com
Continua após a publicidade

O desafio da agricultura climaticamente inteligente no Brasil

A Agricultura 4.0 possibilita que o Brasil aumente sua produção agrícola apenas com a recuperação de áreas degradadas e aumento da eficiência

O Brasil tem gerado tecnologia de ponta para o agronegócio (Getty Images/Getty Images)
O Brasil tem gerado tecnologia de ponta para o agronegócio (Getty Images/Getty Images)

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 

Por Andrea M. A. F. Minardi* e Angélica Rotondaro**

O desafio enfrentado para se atingir o ODS 2 - Objetivo de Desenvolvimento Sustentável Fome Zero e Agricultura Sustentável - ilustra a importância da ciência de base, tecnologia e inovação para a agenda 2030. Apesar da intensificação do impacto negativo das mudanças climáticas na produtividade do agronegócio, a produção de alimentos precisa crescer 70% até 2050 para acompanhar o crescimento previsto da população, de 9,8 bilhões de pessoas.  O Brasil é um dos grandes celeiros do mundo e tem um papel fundamental para atender a esse crescimento de demanda por alimentos.  Entretanto, precisa aumentar a produção agrícola com desmatamento zero e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de gases de efeito estufa, uma vez que desmatamento e agropecuária são responsáveis por quase 74% das emissões brasileiras

A Agricultura 4.0, a revolução tecnológica que está transformando o setor agrícola, possibilita que o Brasil aumente sua produção agrícola apenas com a recuperação de áreas degradadas e aumento da eficiência das propriedades rurais atuais, sem necessidade de desmatar florestas para ampliação de área.  A otimização de toda a cadeia produtiva, do planejamento e plantio até a colheita e transporte, torna-se possível através da agricultura de precisão, softwares de gestão, maquinário autônomo, IoT (Internet of Things), uso de satélites, drones, sensores e inteligência artificial. A implantação de sistemas biodiversos e de integração lavoura, pecuária e floresta (iLPF) melhoram a saúde do solo, conservam água, reduzem a necessidade de fertilizantes químicos e sequestram carbono.

Tecnologia

O Brasil tem gerado tecnologia de ponta para o agronegócio. O governo brasileiro, por meio de ministérios e agências, fornece apoio financeiro, programas de incentivo e regulamentações para fomentar a pesquisa e a inovação no campo. Existem diversos polos de desenvolvimento de tecnologia e capacitação de excelência em universidades e centros de pesquisa no país, assim como aceleradoras e incubadoras, que fornecem suporte, mentorias, conexões e recursos para startups agrícolas.  Grandes empresas do setor agrícola investem e fazem parcerias com startups, universidades, aceleradoras e incubadoras. Há um crescente número de fundos de VC, CVC e PE que financiam e mentoram o crescimento dos empreendimentos. Com um ecossistema de tecnologia em agronegócio pulsante, têm surgido diversas startups inovadoras. 

O ritmo de adoção das novas práticas por produtores rurais de grande porte tem se acelerado.  Embora ainda haja resistência em mudar, eles têm recursos e acesso a crédito para comprar tecnologia e capacitação. Além disso, a nova geração que está assumindo as propriedades é mais propensa à adoção das novas tecnologias.

O grande desafio é a integração e melhor posicionamento dos pequenos e médios produtores na cadeia de valor.  Embora sejam responsáveis pela produção de alimentos orgânicos[i] e de 70% dos alimentos que consumimos, esses têm menor acesso a crédito para financiar a implementação de novas tecnologias, para a ampliação de áreas produtivas ou até mesmo para custeio da produção. Sem uma agricultura climaticamente inteligente nas pequenas e médias propriedades rurais, não será possível atingir a segurança alimentar, redução de pobreza e a neutralidade de carbono em 2050. 

Para endereçar esse problema estão surgindo iniciativas que arquitetam a colaboração de diversos atores na execução de um projeto: fundações, DFIs, governos, empresas do setor agrícola ou de alimentos, capacitadores, cooperativas, mercado financeiro. Embora existam variações entre os projetos, alguns pontos em comum são a capacitação dos agricultores financiada geralmente por algum tipo de grant, instrumentos financeiros que combinam capital concessional com capital que visa retorno de mercado, KPIs que precisam ser atingidos para comprovar impacto e colaboração com empresas. A boa notícia é que há pilotos gerando a experimentação e o aprendizado na elaboração e execução desses projetos. O desafio está na escalabilidade, desde a perspectiva de aderência junto aos produtores – criação de uma rede – até a perspectiva de fluxo de capital financeiro de impacto para uma agricultura pela resiliência climática e segurança alimentar.

 

*Andrea M. A. F. Minardi é professora do Insper. Leciona e pesquisa ativos alternativos e finanças sustentáveis. Em 2018, seu nome foi incluído no “Women to Watch: Beyond the Deal” pelo WSJ por sua contribuição com a indústria de Private Equity no Brasil.

**Angélica Rotondaro é cofundadora da Alimi Impact Ventures e membro do conselho do Climate Smart Institute e do Insper Metricis.


[i] No Brasil, por exemplo, foi levantada no último Censo Agropecuário a existência de aproximadamente 5 milhões de produtores rurais (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2020), ou seja, a agricultura orgânica representa apenas 0,4% dos produtores do país.