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O custo social de um planeta quente: como estimar os efeitos das emissões?

Um ponto nessa contabilidade é estimar o custo social do carbono, ou seja, medir qual o valor esperado de emitir e capturar carbono para a sociedade

Fumaça lançada por uma siderúrgica na China: o dióxido de carbono, assim como o coronavírus, não respeita fronteiras políticas (Qilai Shen/Bloomberg/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 1 de abril de 2021 às 10h00.

Última atualização em 16 de novembro de 2022 às 08h51.

Por Ramiro Peres e Vinícius Picanço

Em um artigo recente, discutimos algumas alternativas que procuram, de certa forma, “incluir na conta” o custo de emissão e captura do carbono na atmosfera. No entanto, um ponto central (e difícil) nessa contabilidade é estimar de maneira adequada o custo social do carbono, ou seja, medir qual o valor esperado de emitir e capturar carbono para a sociedade em geral (em valor presente). Agora, voltamos a essa questão.

Atualmente, os modelos em voga, como os analisados pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP, na sigla em inglês), assumem as chamadas “trajetórias socioeconômicas compartilhadas” ( shared socioeconomic pathways – SSP ), com cinco cenários relativos ao que pode acontecer com as emissões e a cooperação global nas próximas décadas. Mesmo na estimativa mais otimista (SSP1), em que os países convergem para políticas sustentáveis, a temperatura média aumentaria entre 3 e 3,5ºC em 2100 e o custo social de cada tonelada de dióxido de carbono emitida atingiria US$ 305. No pior cenário (SSP3), marcado por rivalidades regionais, esse custo chegaria a US$ 1.454.

Mesmo nesses cinco cenários (que não incluem os piores casos possíveis), boa parte da incerteza se mantém. Primeiro, os valores citados são o que estatísticos chamam de “estimativas de ponto”. Dessa forma, espera-se que elas variem dentro de parâmetros amplos – no SSP3, de US$ 675 a US$ 3.171, por exemplo. E é duvidoso que o custo social do carbono seja útil para avaliar nosso custo de oportunidade em relação a outras causas importantes, como a mitigação de outros riscos catastróficos – onde se encaixam as pandemias e a proliferação de armas de destruição em massa, além dos desafios do combate à pobreza. Seria melhor, por exemplo, doar US$ 50 para o desenvolvimento de tecnologias para energia limpa ou diretamente para famílias de baixa renda?

Ainda, é importante destacar que nossos modelos são extremamente inseguros sobre quão catastrófico um aumento de 4ºC poderia, de fato, ser. Algumas regiões, principalmente em países tropicais pobres, iriam se tornar inabitáveis. Essas metodologias também pressupõem uma taxa de desconto do futuro, seja porque nossos descendentes serão mais ricos (dada a continuidade do desenvolvimento econômico), seja por uma preferência intrínseca pelo presente (você prefere comer um chocolate agora a comê-lo amanhã?). Valorizamos o bem-estar de nossos contemporâneos mais que o de nossos descendentes. Mas esse raciocínio, que está na base do que o Task-force for Climate-related Financial Disclosures (TCFD) veio a chamar de Tragédia do Horizonte, é, no mínimo, discutível: não sabemos bem como as tendências de desenvolvimento econômico se comportarão e nossa preferência cotidiana pelo curto prazo se explica por nossa (breve) expectativa de vida. No entanto, isso não deveria se aplicar para as nossas considerações sobre o destino da sociedade, do coletivo. Assim como nosso bem-estar não vale menos que o de nossos ancestrais, o bem-estar de nossos sucessores não deveria valer menos que o nosso.

É falacioso pensar que, diante dessas dificuldades metodológicas, deveríamos dar menos atenção a essas previsões complexas. Pelo contrário, é justamente em situações altamente incertas que estimativas honestas têm maior valor – muito mais do que seguir nossos instintos e intuições, que não são adaptados para esse tipo de problema. O objetivo de tais ferramentas analíticas não é simplesmente “prever o futuro”, muito menos inspirar confiança cega, mas fornecer subsídios (definir os custos e as oportunidades de nossas escolhas) para a tomada de decisões públicas de forma racional e justificável. Esse é o mínimo que devemos a nós mesmos e a nossos sucessores.

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Por Ramiro Peres e Vinícius Picanço

Em um artigo recente, discutimos algumas alternativas que procuram, de certa forma, “incluir na conta” o custo de emissão e captura do carbono na atmosfera. No entanto, um ponto central (e difícil) nessa contabilidade é estimar de maneira adequada o custo social do carbono, ou seja, medir qual o valor esperado de emitir e capturar carbono para a sociedade em geral (em valor presente). Agora, voltamos a essa questão.

Atualmente, os modelos em voga, como os analisados pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP, na sigla em inglês), assumem as chamadas “trajetórias socioeconômicas compartilhadas” ( shared socioeconomic pathways – SSP ), com cinco cenários relativos ao que pode acontecer com as emissões e a cooperação global nas próximas décadas. Mesmo na estimativa mais otimista (SSP1), em que os países convergem para políticas sustentáveis, a temperatura média aumentaria entre 3 e 3,5ºC em 2100 e o custo social de cada tonelada de dióxido de carbono emitida atingiria US$ 305. No pior cenário (SSP3), marcado por rivalidades regionais, esse custo chegaria a US$ 1.454.

Mesmo nesses cinco cenários (que não incluem os piores casos possíveis), boa parte da incerteza se mantém. Primeiro, os valores citados são o que estatísticos chamam de “estimativas de ponto”. Dessa forma, espera-se que elas variem dentro de parâmetros amplos – no SSP3, de US$ 675 a US$ 3.171, por exemplo. E é duvidoso que o custo social do carbono seja útil para avaliar nosso custo de oportunidade em relação a outras causas importantes, como a mitigação de outros riscos catastróficos – onde se encaixam as pandemias e a proliferação de armas de destruição em massa, além dos desafios do combate à pobreza. Seria melhor, por exemplo, doar US$ 50 para o desenvolvimento de tecnologias para energia limpa ou diretamente para famílias de baixa renda?

Ainda, é importante destacar que nossos modelos são extremamente inseguros sobre quão catastrófico um aumento de 4ºC poderia, de fato, ser. Algumas regiões, principalmente em países tropicais pobres, iriam se tornar inabitáveis. Essas metodologias também pressupõem uma taxa de desconto do futuro, seja porque nossos descendentes serão mais ricos (dada a continuidade do desenvolvimento econômico), seja por uma preferência intrínseca pelo presente (você prefere comer um chocolate agora a comê-lo amanhã?). Valorizamos o bem-estar de nossos contemporâneos mais que o de nossos descendentes. Mas esse raciocínio, que está na base do que o Task-force for Climate-related Financial Disclosures (TCFD) veio a chamar de Tragédia do Horizonte, é, no mínimo, discutível: não sabemos bem como as tendências de desenvolvimento econômico se comportarão e nossa preferência cotidiana pelo curto prazo se explica por nossa (breve) expectativa de vida. No entanto, isso não deveria se aplicar para as nossas considerações sobre o destino da sociedade, do coletivo. Assim como nosso bem-estar não vale menos que o de nossos ancestrais, o bem-estar de nossos sucessores não deveria valer menos que o nosso.

É falacioso pensar que, diante dessas dificuldades metodológicas, deveríamos dar menos atenção a essas previsões complexas. Pelo contrário, é justamente em situações altamente incertas que estimativas honestas têm maior valor – muito mais do que seguir nossos instintos e intuições, que não são adaptados para esse tipo de problema. O objetivo de tais ferramentas analíticas não é simplesmente “prever o futuro”, muito menos inspirar confiança cega, mas fornecer subsídios (definir os custos e as oportunidades de nossas escolhas) para a tomada de decisões públicas de forma racional e justificável. Esse é o mínimo que devemos a nós mesmos e a nossos sucessores.

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