Migração forçada influencia políticas sociais adotadas por empresas?
Desafios sociais como os postos por uma crise migratória influenciam as decisões estratégicas tomadas no âmbito corporativo?
Publicado em 5 de abril de 2022 às, 10h00.
Por Leandro Nardi*
A trágica invasão da Ucrânia pela Rússia de Vladimir Putin criou uma crise social de proporções catastróficas. Em particular, a guerra recolocou preocupações acerca de migração forçada e pessoas refugiadas no centro do debate social na Europa. Dados do Alto-Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (UNHCR) sugerem que o número de refugiados que deixaram a Ucrânia desde o início da invasão russa já supera a marca dos 4 milhões. Nesse contexto, vale questionar: desafios sociais como os postos por uma crise migratória influenciam as decisões estratégicas tomadas no âmbito corporativo?
Em estudo recente, conduzido em coautoria com a professora Marieke Huysentruyt (HEC Paris)**, estudamos essa pergunta empiricamente. Mais especificamente, examinamos em que medida a exposição de uma corporação a questões ligadas à migração forçada influencia a adoção, pela mesma organização, de políticas socialmente orientadas. Nesse contexto, uma enorme dificuldade metodológica é determinar quais firmas estariam mais (ou menos) expostas à crise migratória — um problema social complexo e de difícil delimitação.
Com o intuito de endereçar essas dificuldades, utilizamos uma estratégia empírica baseada em eventos trágicos envolvendo refugiados e migrantes ilegais. Estes eventos constam na base de dados conhecida como The Migrants’ Files, a qual lista eventos trágicos, noticiados nas mídias tradicionais, nos quais um ou mais refugiados são mortos ou desaparecem. Exemplos incluem embarcações que viraram durante travessias ou distúrbios que ocorreram nos abrigos a refugiados. Tomando-se esses eventos como referência principal, nossa abordagem empírica assume que corporações europeias com sedes localizadas em regiões próximas a esses eventos estão mais expostas à trágica realidade da migração forçada quando comparadas a corporações similares localizadas a uma maior distância.
Usando essa abordagem, nossos resultados sugerem que uma maior exposição aos desafios da migração forçada pode alterar substancialmente o portfólio de políticas socialmente orientadas de uma corporação. Mais especificamente, firmas cujas sedes estão mais próximas dos eventos trágicos tendem a elevar a adoção de políticas sociais com menor materialidade financeira — isto é, com menor potencial para gerar ganhos financeiros à corporação — e a reduzir, relativamente, a adoção de políticas mais materiais quando comparadas a firmas com sedes mais distantes. Mostramos, ainda, que os portfólios de políticas socialmente orientadas das firmas mais expostas também tendem a se tornar mais focados em políticas que beneficiam empregados e a comunidade — e menos focados em políticas orientadas a clientes ou ao meio ambiente. No mais, este padrão se mostra amplamente consistente com evidências anedóticas e qualitativas.
Em suma, nosso estudo pode ser visto como uma primeira tentativa de se compreender como problemas sociais que muitas vezes são vistos como “menos relevantes” para corporações, como é o caso de migração forçada, fome e pobreza extrema, dentre muitos outros, podem influenciar as decisões estratégicas dessas empresas, notadamente no que diz respeito à adoção de políticas de responsabilidade socioambiental.
*Leandro Nardi é research fellow do Society & Organizations Institute – HEC Paris, pesquisador visitante no Ethics and Social Responsibility Initiative – INSEAD, pesquisador associado ao Insper Metricis e possui doutorado em Economia dos Negócios pelo Insper (2021
**Nardi, L., Huysentruyt, M. 2022. Corporate social responsibility, financial materiality, and the challenges of forced migration: Evidence from tragic refugee incidents in Europe. Working paper.