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Limites para gastos de campanha influenciam posicionamento de candidatos?

Análise revela que a escolha de plataformas pelos candidatos a prefeito nas eleições de 2016 não foi afetada pela introdução de limites de gasto de campanha

 (© Abdias Pinheiro/SECOM/TSE/Agência Brasil)
(© Abdias Pinheiro/SECOM/TSE/Agência Brasil)
I
Impacto Social

Publicado em 29 de março de 2022 às, 10h00.

Última atualização em 30 de março de 2022 às, 15h52.

*Por Leila Pereira

Em artigo que será publicado em breve no American Economic Journal: Applied Economics, Avis e coautores mostram que a introdução de limites de gasto de campanha nas eleições brasileiras de 2016 (Lei 13.165/2015) contribuiu para o aumento da competição eleitoral. Além de diminuir as chances de reeleição dos candidatos a prefeito no pleito de 2016, a lei fez com que mais candidatos e aqueles com menos recursos fossem atraídos a entrar na disputa.

A introdução de limites de gasto de campanha pode alterar, ademais, a estratégia de posicionamento político-ideológico dos candidatos. Se não houvesse gastos de campanha, buscando maior chance de serem eleitos, os candidatos escolheriam plataformas alinhadas com as preferências da maior parcela do eleitorado e, por isso, convergiriam para uma posição mediana. Esse resultado clássico é conhecido como o Teorema do Eleitor Mediano, descrito no artigo de Antony Downs de 1957. Entretanto, como revela o trabalho de Scott Ashworth e Ethan Bueno de Mesquita, quando há gastos de campanha, candidatos adversários passam a ter incentivos para distanciar suas plataformas.

Devido a restrições de dados sobre o conteúdo das plataformas políticas, evidências empíricas sobre a relação entre gastos de campanha e escolha de plataformas ainda são escassas. Na minha tese de Doutorado, tentei avançar nessa direção. Primeiramente, utilizando uma base de dados original que construí contendo o alinhamento ideológico e os principais temas abordados pelos candidatos a prefeito nas eleições de 2012 e 2016 (apresentei estes resultados em minha última coluna), criei medidas de diferenciação das plataformas dos candidatos adversários em cada município. Em seguida, estimei o efeito causal da introdução de limites de gastos de campanha na escolha dos candidatos a prefeito em se diferenciarem de seus adversários por meio de suas plataformas políticas.

Para tal, segui a estratégia de Avis e coautores e, usando o método de Regressão Descontínua (RDD) explorei a mudança na lei de financiamento eleitoral (Lei 13.165/2015) que determinou que, nas eleições de 2016, um candidato a prefeito poderia gastar o máximo entre R$ 100 mil e 70% do maior valor gasto na eleição anterior. A lei criou uma descontinuidade quando aplicou diferentes fatores de reajuste da inflação entre municípios que ficaram limitados a R$ 100 mil e aqueles que receberam um teto menos restrito.

Apesar de observar que a diferenciação das plataformas dos candidatos de um mesmo município diminuiu entre 2012 e 2016, não foi possível determinar com precisão se a aproximação foi consequência da introdução de limites de gasto de campanha. Mais especificamente, os resultados não corroboram a implicação teórica de que os candidatos adversários em municípios que receberam um limite de gastos menos restrito (70% do maior valor gasto na eleição de 2012) teriam maiores incentivos para diferenciar suas plataformas do que aqueles concorrendo em municípios com um limite de gastos mais restrito (R$ 100 mil).

Os resultados são consistentes com o fato, também verificado na minha tese, de que os conteúdos das plataformas dos candidatos a prefeito são mais relacionados às questões e necessidades locais do que ao posicionamento político-ideológico per se. Dessa forma, uma possível interpretação é de que as implicações teóricas não se confirmam neste caso em consequência das particularidades do sistema eleitoral brasileiro, não necessariamente contempladas nos modelos de competição eleitoral (estes modelos costumam ser embasados no sistema político americano). Portanto, estudos como o desenvolvido em minha tese ajudam a entender o caso brasileiro, de modo a melhor estruturar e avaliar as políticas do nosso sistema eleitoral.

*Leila Pereira é bacharel em Economia pela Universidade do São Paulo (FEA-USP), mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV) e doutora em Economia pelo Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa. Atualmente suas linhas de pesquisa são Economia Política, Economia do Desenvolvimento, Meio Ambiente e Crime.