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Lições das orquestras americanas sobre viés de gênero

A Copa do Mundo Feminina está a todo vapor. Porém, além de enfrentarem as adversárias em campo, as atletas enfrentam outro adversário ainda mais pernicioso

Jogadora da Inglaterra: entenda a relação do viés de gênero no futebol e na música (Naomi Baker/Getty Images)
Jogadora da Inglaterra: entenda a relação do viés de gênero no futebol e na música (Naomi Baker/Getty Images)

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 

A Copa do Mundo Feminina de futebol está a todo vapor. Contudo, além de enfrentarem as adversárias em campo, as atletas enfrentam outro adversário ainda mais pernicioso, o viés de gênero. Para explicar o que é viés de gênero, vou utilizar um estudo clássico realizado por Claudia Goldin e Cecilia Rouse, publicado na American Economic Review, que avalia a contratação de musicistas mulheres para as cinco grandes orquestras americanas.

Neste estudo, as autoras avaliaram se audiências às cegas afetariam a probabilidade de uma musicista mulher ser contratada vis-à-vis um musicista homem. De forma análoga à copa do mundo, a contratação para uma orquestra segue um regime de competição, na qual musicistas performam por um determinado período, cerca de 5 a 15 minutos, e são avaliados e classificados para fases seguintes da competição pela vaga. Ao final, os musicistas vencedores são contratados para integrar o plantel da orquestra.

Convencionalmente, as audiências eram feitas às claras, de modo que os avaliadores não apenas ouviam os musicistas tocarem seus instrumentos, mas também observavam a pessoa tocando. Esse tipo de audiência levou a uma concentração superior de musicistas homens nas orquestras por viés de gênero. Ou seja, avaliadores, consciente ou subconscientemente, julgavam que musicistas homens eram melhores que mulheres e, ao observar uma musicista mulher, preteriam-na mesmo que a qualidade musical fosse equivalente ou superior a de um musicista homem. Para se ter dimensão da desproporção gerada por este viés, em 1940, menos de 10% dos componentes de uma orquestra eram do sexo feminino.

Goldin e Rouse decidiram realizar uma avaliação de impacto no modelo de diferenças-em-diferenças para verificar se a implementação de audiências às cegas teria um efeito na correção deste viés. Nestas audiências, uma barreira visual era colocada entre os musicistas e os avaliadores, de modo que os últimos ouviam a melodia tocada, mas não conseguiam observar o gênero de quem estava performando.

Os resultados apontam que as audiências às cegas aumentaram em 50% a probabilidade de uma musicista mulher passar para as fases finais da competição. As chances destas musicistas serem efetivamente contratadas subiu 30% e, após alguns anos, esta prática elevou a proporção de mulheres nas grandes orquestras americanas a 25% do total de integrantes.

O estudo de Goldin e Rouse mostra que igualdade de oportunidade começa pela constatação de que viés de julgamento existe, ainda que não tenhamos plena consciência deste. Esperamos que esse tipo de viés não impeça a torcida brasileira de apoiar e vibrar com a copa do mundo feminina!

*Leandro S. Pongeluppe é professor assistente da Wharton School, University of Pennsylvania. Especialista em avaliação de impacto socioambiental, Leandro é Ph.D. pelo departamento de gestão estratégica da Rotman School of Management, University of Toronto. Seus principais interesses de pesquisa são compreender como a gestão de organizações pode contribuir com o avanço dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.