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Licença-maternidade justifica salários menores das mulheres?

Tempo de afastamento do trabalho é considerado, por muitas pessoas, excessivamente oneroso para as empresas

Gravidez: licença-maternidade é uma justificativa utilizada recorrentemente para explicar as diferenças entre homens e mulheres, inclusive a salarial (Strelciuc Dumitru/Getty Images)
Gravidez: licença-maternidade é uma justificativa utilizada recorrentemente para explicar as diferenças entre homens e mulheres, inclusive a salarial (Strelciuc Dumitru/Getty Images)
I
Impacto Social

Publicado em 6 de outubro de 2020 às, 15h00.

Uma das questões com grande relevância no debate atual é a equidade de gênero. De forma diferente da igualdade, que supõe um tratamento único independentemente da situação individual, por equidade entende-se um tratamento que seja justo para cada situação e pessoa.

Entretanto, é justamente nesse contexto de diferentes situações e necessidades que muitos questionamentos são feitos e, não raramente, usam-se argumentos que perpetuam a desigualdade entre homens e mulheres.

A licença-maternidade é uma justificativa utilizada recorrentemente para explicar as diferenças entre homens e mulheres, inclusive a salarial. O tempo de afastamento do trabalho é considerado, por muitas pessoas, excessivamente oneroso para as empresas. Atualmente, no Brasil, a licença-maternidade é de 120 dias para todas as trabalhadoras formais e de 180 dias para trabalhadoras de empresas afiliadas ao programa Empresa Cidadã.

Importante ressaltar que a crença do custo financeiro não procede, pois a remuneração para as trabalhadoras nos primeiros 120 dias é paga pelo INSS até o maior salário da União e, nos 60 dias adicionais, abatida do imposto de renda. Ou seja, a licença-maternidade é paga integralmente pelo governo e, portanto, não “pesa” para a empresa.

Se o custo não é financeiro, então qual é o grande problema da licença em si? Alguns dizem que é o período de afastamento, muito longo, muito difícil de administrar a saída, parecem acreditar que a licença maternidade á a única razão para o afastamento.

Com base nos dados da RAIS (Relatório Anual das Informações Sociais, do Ministério do Trabalho) de 2017, fizemos um cálculo dos dias de afastamento de homens e mulheres que estiveram empregados durante todo o ano (o trabalho completo você encontra aqui[1]).

Para nossa surpresa, embora os homens tenham somente 5 ou 20 dias corridos de licença-paternidade, em contrapartida aos 120 ou 180 dias das mulheres, em média, o número de dias em afastamento de homens e mulheres naquele ano foi muito próximo: os homens perderam 13,5 dias de trabalho e as mulheres, 16 dias. Ou seja, ao longo de 365 dias, em média, elas perderam poucos dias de trabalho a mais do que eles.

Analisamos também a diferença ao longo de distintas faixas etárias e descobrirmos que a maior diferença de número de dias de afastamento do trabalho se dá entre os 20 e 35 anos de idade, período em que a maior parte das mulheres tem seus filhos.

Entretanto, nos surpreendeu o resultado de que, a partir dos 40 anos de idade, não só os dias de afastamento se igualam por um período, mas os homens, a partir dos 45 anos de idade, se afastam por um número maior de dias, em média, do que as mulheres. Interessante é perceber que, nem por isso, eles passam a receber salários menores do que elas...

É importante que números como esses sejam analisados e divulgados, que as diferenças sejam analisadas com base em fatos e não em crenças. O tratamento e a remuneração desigual entre homens e mulheres no Brasil não têm origem na licença-maternidade, começa muito antes do período da maternidade e atinge mulheres que não têm filhos também.

Uma conquista a ser atingida nos próximos anos deveria ser o aumento da licença-paternidade, direito que os trabalhadores homens não têm de forma adequada em nosso país, e que faria com que as discussões de balanço profissional e pessoal fossem uma preocupação de todos. A inequidade de tratamento se deve mais às estruturas discriminatórias que se perpetuam em nossa sociedade do que a fatos concretos que justificariam o tratamento tão desigual entre trabalhadores.