Fome e sede no Brasil
Garantir o acesso à água de qualidade e a uma alimentação adequada são aspectos vitais
Da Redação
Publicado em 2 de agosto de 2022 às 00h03.
O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis , o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Por Guilherme B. Checco*
Garantir o acesso à água de qualidade e a uma alimentação adequada são aspectos vitais. Ainda assim, a fome e a sede fazem parte da realidade de grande parte dos brasileiros. No início deste ano foram divulgados os dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, e o retrato é extremamente grave. Em 2022, o Brasil vive o pior cenário nacional no século XXI em termos de pessoas em situação de insegurança alimentar. São 33 milhões de brasileiros que passam fome. Ao todo, são 125 milhões de cidadãos que vivem em situação de insegurança alimentar, o que representa quase 60% de toda população. Com isso, o Brasil voltou ao mapa global da fome, em um cenário equivalente à realidade da década de 1990. Temos um contingente de pessoas passando fome em nosso país que equivale a toda população do Peru.
A dramática condição do saneamento básico no Brasil já não é mais novidade, o que demonstra que carregamos essa triste realidade medieval há tempos e que, ainda na atualidade, temos um extenso caminho para garantir condições dignas de vida a toda sociedade brasileira quando o assunto é a universalização do acesso a essa política pública. São cerca de 31 milhões de pessoas sem acesso à água potável no país, segundo os dados oficiais compilados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. Em outras palavras, temos uma Angola inteira no Brasil de pessoas que vivem sem a garantia do acesso à água. Isso sem considerar o contingente de pessoas que não está retratado nesse dado e que sofre com dificuldades de acessibilidade financeira, intermitência no fornecimento de água, os mais de 97 milhões de brasileiros que ainda não têm coleta e tratamento de esgoto, bem como os desafios de alcance dessa política pública em territórios mais isolados como terras indígenas e zonas rurais.
Os dramas da fome e da sede retratos acima estão conectados de forma muito próxima, especialmente ao analisar as raízes dos problemas e desafios e a necessária integração de ações para superar essa situação. A água é um insumo fundamental para as atividades agropecuárias e, portanto, para a produção de alimentos. De modo que segurança hídrica e segurança alimentar são pautas que precisam caminhar juntas. Somam-se a esse quadro os impactos das mudanças climáticas e a projeção de que eventos climáticos extremos estejam cada vez mais presentes. Um dos principais impactos das mudanças climáticas é a alteração do ciclo hidrológico, o que implica condições mais severas para os produtores rurais que precisam adaptar suas práticas para lidar com o cenário de secas mais prolongadas e chuvas mais concentradas.
Sem a pretensão de aprofundar esse complexo debate, tratar da fome e da sede no Brasil é um debate que se inicia em termos de acesso, mas que não pode ser encerrado aí. É necessário qualificar esse olhar. Segurança hídrica e segurança alimentar se traduzem não somente em termos de acesso, mas também sob a ótica da qualidade. A qualidade das nossas águas importa e, portanto, a poluição das nossas águas é um risco central. O Atlas do Esgoto, elaborado pela Agência Nacional de Águas, mapeou mais de 110 mil km de rios no Brasil que estão com suas águas com alto grau de poluição. Um levantamento realizado em 2022 apontou que 27 diferente agrotóxicos foram encontrados na água para consumo humano em mais de 2,3 mil cidades do Brasil, dos quais 16 são classificados pela Anvisa como extremamente ou altamente tóxicos.
Erradicar a fome e a sede no Brasil. Ter água e comida de qualidade para todas e todos, que promovam saúde e não doença. Eis aí pautas que são difíceis de encontrar adversários. Agora, transformá-las em compromissos e ações é o salto que nos falta enquanto sociedade.
* Guilherme B. Checco é coordenador de pesquisas do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), think tank do campo socioambiental, e professor coordenador do curso executivo “Gestão das Águas no contexto das mudanças climáticas” do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper. Bacharel em Relações Internacionais (PUC/SP) e Mestre em Ciência Ambiental (USP).
O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis , o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Por Guilherme B. Checco*
Garantir o acesso à água de qualidade e a uma alimentação adequada são aspectos vitais. Ainda assim, a fome e a sede fazem parte da realidade de grande parte dos brasileiros. No início deste ano foram divulgados os dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, e o retrato é extremamente grave. Em 2022, o Brasil vive o pior cenário nacional no século XXI em termos de pessoas em situação de insegurança alimentar. São 33 milhões de brasileiros que passam fome. Ao todo, são 125 milhões de cidadãos que vivem em situação de insegurança alimentar, o que representa quase 60% de toda população. Com isso, o Brasil voltou ao mapa global da fome, em um cenário equivalente à realidade da década de 1990. Temos um contingente de pessoas passando fome em nosso país que equivale a toda população do Peru.
A dramática condição do saneamento básico no Brasil já não é mais novidade, o que demonstra que carregamos essa triste realidade medieval há tempos e que, ainda na atualidade, temos um extenso caminho para garantir condições dignas de vida a toda sociedade brasileira quando o assunto é a universalização do acesso a essa política pública. São cerca de 31 milhões de pessoas sem acesso à água potável no país, segundo os dados oficiais compilados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. Em outras palavras, temos uma Angola inteira no Brasil de pessoas que vivem sem a garantia do acesso à água. Isso sem considerar o contingente de pessoas que não está retratado nesse dado e que sofre com dificuldades de acessibilidade financeira, intermitência no fornecimento de água, os mais de 97 milhões de brasileiros que ainda não têm coleta e tratamento de esgoto, bem como os desafios de alcance dessa política pública em territórios mais isolados como terras indígenas e zonas rurais.
Os dramas da fome e da sede retratos acima estão conectados de forma muito próxima, especialmente ao analisar as raízes dos problemas e desafios e a necessária integração de ações para superar essa situação. A água é um insumo fundamental para as atividades agropecuárias e, portanto, para a produção de alimentos. De modo que segurança hídrica e segurança alimentar são pautas que precisam caminhar juntas. Somam-se a esse quadro os impactos das mudanças climáticas e a projeção de que eventos climáticos extremos estejam cada vez mais presentes. Um dos principais impactos das mudanças climáticas é a alteração do ciclo hidrológico, o que implica condições mais severas para os produtores rurais que precisam adaptar suas práticas para lidar com o cenário de secas mais prolongadas e chuvas mais concentradas.
Sem a pretensão de aprofundar esse complexo debate, tratar da fome e da sede no Brasil é um debate que se inicia em termos de acesso, mas que não pode ser encerrado aí. É necessário qualificar esse olhar. Segurança hídrica e segurança alimentar se traduzem não somente em termos de acesso, mas também sob a ótica da qualidade. A qualidade das nossas águas importa e, portanto, a poluição das nossas águas é um risco central. O Atlas do Esgoto, elaborado pela Agência Nacional de Águas, mapeou mais de 110 mil km de rios no Brasil que estão com suas águas com alto grau de poluição. Um levantamento realizado em 2022 apontou que 27 diferente agrotóxicos foram encontrados na água para consumo humano em mais de 2,3 mil cidades do Brasil, dos quais 16 são classificados pela Anvisa como extremamente ou altamente tóxicos.
Erradicar a fome e a sede no Brasil. Ter água e comida de qualidade para todas e todos, que promovam saúde e não doença. Eis aí pautas que são difíceis de encontrar adversários. Agora, transformá-las em compromissos e ações é o salto que nos falta enquanto sociedade.
* Guilherme B. Checco é coordenador de pesquisas do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), think tank do campo socioambiental, e professor coordenador do curso executivo “Gestão das Águas no contexto das mudanças climáticas” do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper. Bacharel em Relações Internacionais (PUC/SP) e Mestre em Ciência Ambiental (USP).