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Farmácia Popular: qual o efeito sobre o tratamento do diabetes?

No Brasil, o Programa Federal Farmácia Popular é considerado uma das principais políticas na área de distribuição de medicamentos

Fachada de uma Farmácia Popular em Poá (João Paulo Chagas/Wikimedia Commons)
DR

Da Redação

Publicado em 24 de março de 2022 às 11h00.

Por Vanessa Boarati*

Evidências demonstram que o acesso a medicamentos no tratamento do Diabetes Mellitus (DM) é essencial para a redução de complicações e comorbidades. Esse acesso, todavia, exige a estruturação de políticas de assistência farmacêutica complexas, com custos elevados. No Brasil, o Programa Federal Farmácia Popular (PFP), presente em cerca de 80% dos municípios, por meio de parcerias com a rede privada (“Aqui Tem Farmácia Popular”), é considerado uma das principais políticas na área de distribuição de medicamentos. Primeira iniciativa de oferta de medicamentos em modalidade de copagamento, o PFP foi estruturado em 2004. Nesse modelo, sob gestão do Ministério da Saúde, a aquisição e venda dos medicamentos é realizada diretamente por farmácias privadas credenciadas (mais de 32 mil unidades), que posteriormente são ressarcidas pela União, conforme valores pré-determinados.

Em minha tese, avalio o impacto do PFP sobre taxas municipais de internação e mortalidade do DM e comorbidades associadas, na população com mais de 45 anos. Para isso, construo um painel com dados de 2004 a 2016 para analisar como o valor dos reembolsos efetuados pelo MS às unidades credenciadas e o número de unidades do PFP influenciaram essas variáveis. A hipótese de causalidade investigada foi se a melhoria do acesso aos medicamentos essenciais (ampliada com o PFP) trouxe impacto nas taxas municipais de internação e mortalidade.

Identifico que o PFP reduziu a taxa de internação da maior parte das enfermidades avaliadas, mas com pouco efeito sobre as taxas de mortalidade, resultado consistente com a literatura de copagamentos. O efeito permanece mesmo após a inclusão de uma série de controles relacionados à atenção primária, fatores demográficos, econômicos, entre outros, que poderiam impactar os resultados.

Ademais, os efeitos encontrados nos levam a concluir que o programa tem efeito diferenciado por gênero (maior impacto nas mulheres), idade (diferenciado na população acima de 65 anos), região do país e perfil de desenvolvimento do município (medido pelo IDHM), com menor impacto em municípios de menor desenvolvimento (IDHM < 0,5) e, em particular, na Região Norte. Em relação a este último resultado, identificamos menor impacto exatamente nos municípios que, segundo a literatura, há menor qualidade dos serviços de assistência farmacêutica prestados pelo SUS. Com efeito, dos 1.024 municípios sem o PFP, em 2016, 83% eram municípios com menor desenvolvimento (IDHM < 0,5) e 40% eram localidades classificadas como de extrema pobreza.

Em resumo, nosso trabalho identificou impacto positivo do PFP na redução das taxas de internação na população com mais de 45 anos, na maior parte das enfermidades comorbidades associadas ao DM. Todavia, nossos resultados trazem evidências no sentido de que o PFP, ao concentrar o dispêndio em regiões mais desenvolvidas, pela ausência de mecanismos de focalização, contribuiu para o aumento   de desigualdades históricas do SUS na assistência farmacêutica no país.

* Vanessa Boarati é doutora e mestre em Economia pela Universidade de São Paulo. É professora no Insper de Economia da Saúde, Coordenadora Executiva de Apoio à Pesquisa e Coordenadora-Adjunta no Centro de Regulação e Democracia. É pesquisadora dos núcleos de Direito, Saúde e Políticas Públicas e Regulação Econômica.

 

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Por Vanessa Boarati*

Evidências demonstram que o acesso a medicamentos no tratamento do Diabetes Mellitus (DM) é essencial para a redução de complicações e comorbidades. Esse acesso, todavia, exige a estruturação de políticas de assistência farmacêutica complexas, com custos elevados. No Brasil, o Programa Federal Farmácia Popular (PFP), presente em cerca de 80% dos municípios, por meio de parcerias com a rede privada (“Aqui Tem Farmácia Popular”), é considerado uma das principais políticas na área de distribuição de medicamentos. Primeira iniciativa de oferta de medicamentos em modalidade de copagamento, o PFP foi estruturado em 2004. Nesse modelo, sob gestão do Ministério da Saúde, a aquisição e venda dos medicamentos é realizada diretamente por farmácias privadas credenciadas (mais de 32 mil unidades), que posteriormente são ressarcidas pela União, conforme valores pré-determinados.

Em minha tese, avalio o impacto do PFP sobre taxas municipais de internação e mortalidade do DM e comorbidades associadas, na população com mais de 45 anos. Para isso, construo um painel com dados de 2004 a 2016 para analisar como o valor dos reembolsos efetuados pelo MS às unidades credenciadas e o número de unidades do PFP influenciaram essas variáveis. A hipótese de causalidade investigada foi se a melhoria do acesso aos medicamentos essenciais (ampliada com o PFP) trouxe impacto nas taxas municipais de internação e mortalidade.

Identifico que o PFP reduziu a taxa de internação da maior parte das enfermidades avaliadas, mas com pouco efeito sobre as taxas de mortalidade, resultado consistente com a literatura de copagamentos. O efeito permanece mesmo após a inclusão de uma série de controles relacionados à atenção primária, fatores demográficos, econômicos, entre outros, que poderiam impactar os resultados.

Ademais, os efeitos encontrados nos levam a concluir que o programa tem efeito diferenciado por gênero (maior impacto nas mulheres), idade (diferenciado na população acima de 65 anos), região do país e perfil de desenvolvimento do município (medido pelo IDHM), com menor impacto em municípios de menor desenvolvimento (IDHM < 0,5) e, em particular, na Região Norte. Em relação a este último resultado, identificamos menor impacto exatamente nos municípios que, segundo a literatura, há menor qualidade dos serviços de assistência farmacêutica prestados pelo SUS. Com efeito, dos 1.024 municípios sem o PFP, em 2016, 83% eram municípios com menor desenvolvimento (IDHM < 0,5) e 40% eram localidades classificadas como de extrema pobreza.

Em resumo, nosso trabalho identificou impacto positivo do PFP na redução das taxas de internação na população com mais de 45 anos, na maior parte das enfermidades comorbidades associadas ao DM. Todavia, nossos resultados trazem evidências no sentido de que o PFP, ao concentrar o dispêndio em regiões mais desenvolvidas, pela ausência de mecanismos de focalização, contribuiu para o aumento   de desigualdades históricas do SUS na assistência farmacêutica no país.

* Vanessa Boarati é doutora e mestre em Economia pela Universidade de São Paulo. É professora no Insper de Economia da Saúde, Coordenadora Executiva de Apoio à Pesquisa e Coordenadora-Adjunta no Centro de Regulação e Democracia. É pesquisadora dos núcleos de Direito, Saúde e Políticas Públicas e Regulação Econômica.

 

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