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Evidências econométricas sobre o efeito do racismo no futebol

Leandro S. Pongeluppe fala sobre o efeito do preconceito dos torcedores contra jogadores de diferentes origens étnicas

Vini Jr.: jogador foi novamente alvo de racismo durante uma partida.  (Vini Jr/Rede Social/Reprodução)
Vini Jr.: jogador foi novamente alvo de racismo durante uma partida. (Vini Jr/Rede Social/Reprodução)
O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 

Por Leandro S. Pongeluppe*

No último dia 4 de maio, a S.S.C. Napoli sagrou-se campeã da primeira divisão do futebol italiano. A última vez em que a equipe do sul italiano ganhara o título foi em 1989/1990 e, na ocasião, Diego Maradona era seu principal jogador. No atual plantel, um dos principais jogadores da conquista é o atacante nigeriano Victor Osimhen. O atacante inclusive marcou no empate de 1 a 1 conta a Udinese, o qual garantiu o caneco à equipe napolitana. Contudo, além de enfrentar os rivais em campo, Osimhen e outros jogadores negros enfrentam um inimigo bem mais pernicioso e comum nos estádios italianos, o preconceito racial dos torcedores.

Em uma tentativa de estimar qual o efeito do preconceito dos torcedores contra jogadores de diferentes origens étnicas, os pesquisadores Mauro Caselli, Paolo Falco e Gianpiero Mattera aplicaram uma técnica de avaliação de impacto chamada estudo de evento. Para tanto, os pesquisadores compararam a performance dos jogadores de diferentes nacionalidades antes e depois do lockdown de Covid-19, o qual inesperadamente e subitamente impediu a presença de torcedores nos estádios italianos. A série A italiana foi interrompida no começo de março de 2020 e retomada no final de junho, com estádios vazios.

Em uma comparação da performance antes e após o lockdown nos estádios, os autores não encontram evidências significativas de que os estádios vazios tenham afetado o desempenho de jogadores originários da Itália, de outros países da União Europeia ou provenientes da América Latina que jogavam a primeira divisão italiana. No entanto, o mesmo cenário não ocorre para jogadores africanos.

Os resultados são alarmantes. Segundo os autores, jogadores de origem africana tiveram um aumento significativo em sua performance (3,1% superior) após a implementação do lockdown, isto é, quando torcedores não estavam presentes nos estádios.  Além disso, o efeito é ainda mais pronunciado (6,7% superior) entre jogadores de nacionalidade africana que já haviam sofrido insultos racistas previamente.

Os mecanismos que explicam esses resultados são bastante conhecidos, infelizmente. A ausência de torcedores nos estádios diminuiu os insultos e ofensas racistas proferidos contra jogadores africanos, majoritariamente negros. A redução das hostilidades permitiu com que estes jogadores desempenhassem sua profissão em pé de igualdade com seus companheiros de equipe e rivais e isso lhes permitiu atingir melhores resultados em termos de performance.

Após título do último dia 4, muitas das ruas de Napoli já trazem a figura de Osimhen junto à de Maradona. A festa durou dias. Que esta vitória ajude a demonstrar que o futebol, e o esporte em geral, deve ser fonte de inclusão e fraternidade.

Esta coluna é uma homenagem a Victor Osimhen, Vinícius Júnior e muitos outros que sofrem hostilidades raciais nos gramados e fora deles. Diga não ao racismo!

*Leandro S. Pongeluppe é professor assistente da Wharton School, University of Pennsylvania. Especialista em avaliação de impacto socioambiental, Leandro é Ph.D. pelo departamento de gestão estratégica da Rotman School of Management, University of Toronto. Seus principais interesses de pesquisa são compreender como a gestão de organizações pode contribuir com o avanço dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.