Efeitos da Estratégia Saúde da Família na Educação Infantil
Programas de visitas baseados na comunidade e na família, têm chamado atenção em função de seu baixo custo, simplicidade e comprovada efetividade
André Martins
Publicado em 23 de dezembro de 2020 às 06h00.
O programa Estratégia Saúde da Família (ESF) integra a reestruturação da Atenção Básica de Saúde no Brasil e objetiva sistematizar ações descentralizadas e preventivas no sentido da promoção do acesso universal à saúde, abrangendo a população mais vulnerável dos municípios brasileiros. Através de visitas domiciliares e ações nos postos de saúde, a ESF aproxima a equipe de saúde ao usuário e sua família, aumentando adesão do usuário aos tratamentos e contribuindo significativamente para diminuição da pressão da superlotação nos hospitais públicos.
Programas de visitas baseados na comunidade e na família, como a ESF, têm chamado atenção em função de seu baixo custo, simplicidade e comprovada efetividade. No Brasil, avaliações de impacto já realizadas da ESF apontam um efeito redutor grande das taxas de mortalidade infantil, fetal, adulta e materna, além da redução na taxa de fertilidade, principalmente entre mulheres com menor escolaridade.
Evidências de estudos advindos de vários campos também indicam que indivíduos são mais sensíveis a estímulos no início da vida (0-6 anos), com respostas mais ágeis e duradouras às intervenções. Estas pesquisas, com destaque ao trabalho de James Heckman, reúnem descobertas sobre os primeiros anos de vida e têm sido referência na execução de políticas públicas em muitos países. Programas de Primeira Infância (PI) apresentam a mais alta taxa de retorno de investimento comparada às outras fases da vida (7% a 10% a.a.), além de atuarem na redução da desigualdade de oportunidades, favorecendo a mobilidade social e potencializando investimentos futuros.
Em um estudo recente, avaliamos os efeitos indiretos da ESF na educação infantil, observando o impacto sobre o número de matrículas na creche, na pré-escola e sobre o desempenho na Avaliação Nacional de Alfabetismo (ANA). Através de um design longitudinal, a pesquisa acompanha coortes de crianças nascidas em diferentes anos em todas as 5.505 áreas mínimas comparáveis do Brasil.
O estudo evidencia a relevância da ESF na maior frequência escolar na pré-escola e melhoria do indicador de alfabetização, favorecendo o estímulo adequado e mais equitativo no começo da vida. De forma inesperada, o efeito indireto da ESF nas matrículas em creches é negativo, indicando que crianças de 0 a 3 anos permanecem mais tempo com seus cuidadores. Segmentando esse efeito por filhos de mães com maior e menor escolaridade, observamos que o efeito negativo é relacionado a filhos de mães mais educadas. Entre aquelas com menor escolaridade, o efeito é positivo, indicando um aumento no número de matrículas em creche para esse grupo.
A diminuição das matrículas na creche levanta importantes discussões sobre a qualidade do serviço provisionado e da provável relevância do papel do visitador na decisão de manter a criança no ambiente domiciliar ou na creche. O aumento das matrículas na pré-escola demonstra coerência tanto com a obrigatoriedade do ingresso no ensino básico aos 4 anos, quanto no estímulo que alimenta o melhor desempenho educacional posterior, resultando em melhores notas na ANA, por exemplo. Também é observado um aumento das notas de matemática da ANA, um fator interessante em função das evidências relacionadas ao maior grau de dificuldade de aprendizagem da disciplina no contexto domiciliar, frisando a relevância da frequência na pré-escola.
Os resultados obtidos ampliam a importância do programa para além do sucesso verificado nas variáveis de saúde, com efeitos também na educação infantil, fase determinante no desenvolvimento cognitivo e emocional humano. Ainda, apontam um potencial de expansão do enfoque da política, com a possibilidade do aumento do impacto nas variáveis educacionais estudadas se as visitas também endereçassem, formalmente, questões básicas relacionadas à parentalidade e à conscientização da importância dos estímulos e cuidados nos primeiros anos da vida da criança. Políticas públicas de saúde, educação e assistência social possuem necessidade de intersetorialidade quando falamos em primeira infância e a ESF mostra-se como uma oportunidade viável nesta integração, considerando seu já amplo alcance, a formação das equipes de saúde e seus efeitos diretos e indiretos.
*Mestranda em Políticas Públicas pelo Insper
O programa Estratégia Saúde da Família (ESF) integra a reestruturação da Atenção Básica de Saúde no Brasil e objetiva sistematizar ações descentralizadas e preventivas no sentido da promoção do acesso universal à saúde, abrangendo a população mais vulnerável dos municípios brasileiros. Através de visitas domiciliares e ações nos postos de saúde, a ESF aproxima a equipe de saúde ao usuário e sua família, aumentando adesão do usuário aos tratamentos e contribuindo significativamente para diminuição da pressão da superlotação nos hospitais públicos.
Programas de visitas baseados na comunidade e na família, como a ESF, têm chamado atenção em função de seu baixo custo, simplicidade e comprovada efetividade. No Brasil, avaliações de impacto já realizadas da ESF apontam um efeito redutor grande das taxas de mortalidade infantil, fetal, adulta e materna, além da redução na taxa de fertilidade, principalmente entre mulheres com menor escolaridade.
Evidências de estudos advindos de vários campos também indicam que indivíduos são mais sensíveis a estímulos no início da vida (0-6 anos), com respostas mais ágeis e duradouras às intervenções. Estas pesquisas, com destaque ao trabalho de James Heckman, reúnem descobertas sobre os primeiros anos de vida e têm sido referência na execução de políticas públicas em muitos países. Programas de Primeira Infância (PI) apresentam a mais alta taxa de retorno de investimento comparada às outras fases da vida (7% a 10% a.a.), além de atuarem na redução da desigualdade de oportunidades, favorecendo a mobilidade social e potencializando investimentos futuros.
Em um estudo recente, avaliamos os efeitos indiretos da ESF na educação infantil, observando o impacto sobre o número de matrículas na creche, na pré-escola e sobre o desempenho na Avaliação Nacional de Alfabetismo (ANA). Através de um design longitudinal, a pesquisa acompanha coortes de crianças nascidas em diferentes anos em todas as 5.505 áreas mínimas comparáveis do Brasil.
O estudo evidencia a relevância da ESF na maior frequência escolar na pré-escola e melhoria do indicador de alfabetização, favorecendo o estímulo adequado e mais equitativo no começo da vida. De forma inesperada, o efeito indireto da ESF nas matrículas em creches é negativo, indicando que crianças de 0 a 3 anos permanecem mais tempo com seus cuidadores. Segmentando esse efeito por filhos de mães com maior e menor escolaridade, observamos que o efeito negativo é relacionado a filhos de mães mais educadas. Entre aquelas com menor escolaridade, o efeito é positivo, indicando um aumento no número de matrículas em creche para esse grupo.
A diminuição das matrículas na creche levanta importantes discussões sobre a qualidade do serviço provisionado e da provável relevância do papel do visitador na decisão de manter a criança no ambiente domiciliar ou na creche. O aumento das matrículas na pré-escola demonstra coerência tanto com a obrigatoriedade do ingresso no ensino básico aos 4 anos, quanto no estímulo que alimenta o melhor desempenho educacional posterior, resultando em melhores notas na ANA, por exemplo. Também é observado um aumento das notas de matemática da ANA, um fator interessante em função das evidências relacionadas ao maior grau de dificuldade de aprendizagem da disciplina no contexto domiciliar, frisando a relevância da frequência na pré-escola.
Os resultados obtidos ampliam a importância do programa para além do sucesso verificado nas variáveis de saúde, com efeitos também na educação infantil, fase determinante no desenvolvimento cognitivo e emocional humano. Ainda, apontam um potencial de expansão do enfoque da política, com a possibilidade do aumento do impacto nas variáveis educacionais estudadas se as visitas também endereçassem, formalmente, questões básicas relacionadas à parentalidade e à conscientização da importância dos estímulos e cuidados nos primeiros anos da vida da criança. Políticas públicas de saúde, educação e assistência social possuem necessidade de intersetorialidade quando falamos em primeira infância e a ESF mostra-se como uma oportunidade viável nesta integração, considerando seu já amplo alcance, a formação das equipes de saúde e seus efeitos diretos e indiretos.
*Mestranda em Políticas Públicas pelo Insper