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Eduardo Pádua: transição de governo precisa ser civilizada e transparente

Confira a entrevista completa com o cofundador do Movimento União Rio e ex-secretário de Planejamento e Gestão da Prefeitura de Mesquita

I
Impacto Social

Publicado em 10 de novembro de 2020 às, 15h00.

Entrevistamos Eduardo Pádua, cofundador do Movimento União Rio, ex-secretário de Planejamento e Gestão da Prefeitura de Mesquita e com passagem pela Secretaria de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro, sobre o processo de transição de governo.

1) Dentro de alguns dias teremos o primeiro turno das eleições municipais e, em muitos casos, entre 16 de novembro e 31 de dezembro, vamos passar por um período de transição entre governantes. Na sua opinião, qual a importância desse período para os futuros prefeitos?

O primeiro ponto que eu acho importante citar em relação ao período de transição é que estamos vivendo no Brasil um processo de amadurecimento da democracia e de aprendizado de como fazer transições de governo. E, a cada eleição, a gente evolui do ponto de vista macro. É claro que há situações específicas, mas, do ponto de vista democrático, como movimento, a gente está aprendendo a fazer isso. Talvez o grande marco civilizatório tenha sido justamente a transição do segundo mandato de Fernando Henrique para o primeiro mandato de Lula, que, de alguma maneira, virou referência para estados e municípios.

Outro tópico que eu gostaria de destacar é que o start do processo de transição é, na verdade, ainda na campanha, pois é nesse período que os candidatos apresentam as metas e o foco do seu governo. Quando o candidato começa bem a campanha, com metas que são realmente factíveis, ele passa quatro anos focado naquilo que prometeu e não fica refém de uma promessa impossível.

Costumo dizer que o processo de transição possui três grupos: aqueles que saem, aqueles que entram e aqueles que ficam, que são os servidores. A atitude e o comportamento destes três grupos são importantes no processo de transição. Para quem sai, o desejável é que seja o mais transparente possível, não só com relação à situação financeira da prefeitura, mas sobre o que foi feito e o que não se conseguiu fazer. Inclusive, é inteligente ter essa postura para se proteger à frente. Se o governante em fim de mandato não tiver nada a temer, quão mais transparente ele for, mais protegido ele vai estar. Para quem entra, é fundamental que entre com muito respeito.

Numa transição, a equipe que está chegando precisa ser inteligente e respeitosa, porque também é um processo extremamente estressante para os servidores que ficam ali na máquina, que ficam na ansiedade do que pode acontecer na transição. Estes servidores, em muitos casos, são técnicos e apartidários. São eles quem tocam a prefeitura. A caça às bruxas dos que estavam na gestão anterior, somada ao desrespeito aos que estão na máquina e ao que já foi feito, é uma receita certa para o fracasso.

Por fim, temos a dimensão de quem fica, que deve receber o novo time com disposição para contribuir. Acho importante não mudar toda a estrutura de uma vez. Os novos prefeitos tendem a mudar toda a estrutura, quando, na verdade, isso não gera, necessariamente, a economia prometida, dependendo da forma como for feito. Quando você muda tudo, vira um corpo sem cabeça, você rompe dinâmicas que levam tempo para serem reconstruídas. Você para a máquina. O setor público é como se fosse um transatlântico: ele é enorme, ele não para completamente porque está em velocidade de cruzeiro e tem a inércia a seu favor. No entanto, quando ele para, para colocá-lo em movimento de novo, a inércia joga contra. É difícil chegar novamente na velocidade de cruzeiro. Então, é importante nesse momento que não se mexa tudo ao mesmo tempo.

2) Essa transição, em alguns casos, é bem crítica. De um lado, podemos ter um prefeito em fim de mandato que gostaria de permanecer por mais quatro anos no cargo. De outro, pode existir alguém que há alguns dias era adversário político de um prefeito não reeleito. Para você, quais fatores são determinantes para que, mesmo em casos como estes, a transição ocorra da forma mais efetiva possível?

De novo, o exemplo da transição do governo de Fernando Henrique para o Lula talvez seja muito simbólico em mostrar um respeito às regras. Eu acho que o respeito às regras e às instituições democráticas, para quem não tem o que temer, é o melhor caminho. Quando o candidato perde, ele deve aceitar a derrota e se colocar à disposição dos ingressantes para passar os dados. Isso exige uma maturidade que ainda estamos avançando.

Em lugares em que há ampla cobertura (jornalística), esse comportamento é mais cobrado e explícito, mas os lugares sem cobertura (jornalística) estão muito mais vulneráveis aos desejos do mandante. Eu sinto que, às vezes, em prefeituras menores, ainda se tem uma relação dos prefeitos como se fossem proprietários daquilo: “a prefeitura é minha agora”. Então, ainda há esse senso privado da coisa pública.

No entanto, aquilo não é seu (do prefeito), você (prefeito) não pode fazer aquilo que quiser. Ainda há alguns casos em que acontece isso: não pagam lixo, deixam 3 meses sem coleta (de lixo), sem contratos básicos, não pagam funcionários... Esses gestores tinham que ser presos. Isso não pode acontecer sem consequência. Ainda estamos amadurecendo, mas precisamos ficar mais atentos e vigilantes à atuação dos nossos governantes.

3) Podemos ter situações em que um prefeito que não irá permanecer no cargo adote uma postura do “quanto pior, melhor”. Gostaria que você falasse um pouco do papel de mecanismos institucionais, mídia e sociedade civil para que isso não aconteça.

Quem assume precisa conversar com os órgãos de controle e com a imprensa para deixar claro para a população o que de fato está acontecendo. Acho que não há outro jeito. É interessante para quem está saindo, para quem não deve, se proteger dizendo o que está entregando. E, é interessante para quem está recebendo, pedir auditorias externas e internas, para sua controladoria e sua procuradoria, para explicitar “olha, a situação que eu encontrei de fato é essa aqui” e chamar todos os órgãos de controle para validar aquilo.

Estamos em um período complicado. Às vezes, você mostra o dado, tem o órgão de controle validando aquilo, tem a imprensa cobrindo e o adversário continua mentindo. Mesmo com a informação, as mentiras são criadas e a população fica confusa em saber em quem acreditar porque há uma campanha difamatória muito forte. Na minha opinião, a única solução para isso é investir em transparência, investir em auditorias externas pelos órgãos de controle e pedir para que a conta seja auditada e colocada à disposição da população.

4) Você citou como um exemplo de transição bem-sucedida o segundo mandato de Fernando Henrique para o primeiro mandato de Lula. Na sua opinião, temos outro(s) exemplo(s) de boa(s) transições? O que diferencia este(s) exemplo(s) de casos que não foram bem-sucedidos?

Podemos citar como outro exemplo de boa transição, em certa medida, a transição do governo Haddad para Doria na Prefeitura de São Paulo em 2016/2017. Durante os meses de transição, as equipes de ambos trabalharam intensamente em conjunto. Para elogiar Haddad, o Doria chegou a dizer à época que havia sido a transição mais solidária e transparente das últimas 3 décadas. A transição precisa ser inteligente, civilizada, respeitosa e transparente. Se a pessoa for, de fato, engajada com a gestão pública, ela vai querer, de bom grado, fazer um processo limpo de transição, e dizer claramente o que foi feito e o que ficou por fazer.

O engajamento do prefeito atual é fundamental para o próximo prefeito. Há casos em que, por mais que quem perdeu esteja engajado em oferecer auxílio, ele não é procurado. Para mim, transparência, engajamento e espírito público são coisas fundamentais. No entanto, acredito que estamos em um processo de amadurecimento, melhorado a cada eleição. Com maior controle social, mais dados disponíveis e leis de acesso à informação, o processo de transição vai melhorando.

Uma boa dica para quem entra é não mexer muito na estrutura imediatamente. É um pouco de bom-senso. No final do dia, você está liderando pessoas. Não dá para imaginar que todos os servidores são politizados e partidários, a grande maioria está ali para trabalhar e tocar as prioridades da cidade. Entrando com respeito, entendendo quais eram os desafios, o porquê de um determinado projeto funcionar ou não e escolhendo as pessoas competentes do corpo técnico da prefeitura, você vai conseguindo, aos poucos, mexer na estrutura, redirecionando para a nova linha. Então, acho que essa transição com respeito e civilidade é essencial.