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Do que tratam as plataformas de campanha nas eleições municipais?

Análise revela o comportamento estratégico dos candidatos a prefeito a partir da leitura de mais de 28 mil plataformas nas eleições de 2012 e 2016

 (Ricardo Moraes/Reuters)
(Ricardo Moraes/Reuters)
I
Impacto Social

Publicado em 8 de fevereiro de 2022 às, 09h00.

Por Leila Pereira*

Nas últimas eleições, diversos jornais exploraram o conteúdo das plataformas de campanha dos candidatos para identificar e documentar suas promessas. Tais matérias só foram possíveis pois a Lei 12.034/2009 obrigou candidatos a prefeito, governador e presidente a registrarem suas propostas. Essa obrigatoriedade possibilitaria, em tese, o uso desses documentos tanto para avaliar o programa de governo quanto para controlar e fiscalizar o cumprimento das promessas.

No entanto, na prática, uma série de trabalhos colocam em dúvida a relevância das plataformas de campanha para a decisão do eleitorado. Mais especificamente, em um sistema partidário fraco e fragmentado, como o brasileiro, a escolha dos eleitores seria guiada principalmente por relações clientelistas e personalistas (algumas referências podem ser encontradas aqui, aqui e aqui, por exemplo). Adicionalmente, a lei criou a obrigatoriedade do registro das plataformas, mas não desenvolveu instrumentos de avaliação. Ou seja, o governo gasta recursos registrando e tornando públicas as plataformas, mas não propõe um guia claro para seu uso.

Na minha tese de Doutorado, proponho avanços para os dois pontos acima. Usando métodos de leitura computacional de textos, como o Wordscores e o Latent Dirichlet Allocation (LDA), construo uma base original contendo o alinhamento ideológico e os principais temas abordados pelos mais de 28 mil candidatos a prefeito nas eleições de 2012 e 2016. Esse esforço abre um largo caminho para o uso de métodos mais rigorosos e sistemáticos para avaliar as plataformas de campanha.

Em linhas gerais, este trabalho evidencia que os candidatos, de fato, pensam estrategicamente o conteúdo de suas plataformas e não registram documentos meramente para cumprir os requisitos da lei. A análise descritiva das plataformas mostra que a escolha de temas abordados pelos candidatos varia sistematicamente em função da sua localidade e do seu partido. Na figura abaixo verifica-se, por exemplo, que há uma correlação positiva entre a probabilidade de as plataformas de um município abordarem o tópico mobilidade e a proporção de população urbana.

Correlação entre o Tópico Mobilidade e a Proporção de População Urbana. (Impacto Social/Reprodução)

Além disso, candidatos de partidos mais à esquerda enfatizam questões sociais, enquanto os candidatos de partidos mais à direita focam em questões econômicas. Por exemplo, candidatos do PT são 6 pontos percentuais mais propensos do que candidatos do MDB a discutir questões sociais. Em contrapartida, candidatos do MDB são 2 pontos percentuais mais propensos do que candidatos do PSOL a discutir questões econômicas. A figura abaixo apresenta exemplos de tópicos recuperados que tratam de questões sociais e econômicas.

Exemplos de Tópicos sobre Questões Sociais e Econômicas. (Impacto Social/Reprodução)

Em resumo, a realização de análises descritivas do conteúdo das plataformas, como demonstrado, permite uma melhor compreensão sobre o que prometem os candidatos. Com isso, é possível desenvolver mecanismos para informar o eleitorado e avaliar o desempenho dos representantes eleitos. No entanto, esse tema não se esgota aqui. Em breve, trarei mais detalhes sobre minha pesquisa. Não perca!

*Leila Pereira é bacharel em Economia pela Universidade do São Paulo (FEA-USP), mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV) e doutora em Economia pelo Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa. Atualmente suas linhas de pesquisa são Economia Política, Economia do Desenvolvimento, Meio Ambiente e Crime.