Devemos repensar o papel do capital humano em setores sociais?

Por Thomaz Teodorovicz

Expandir o acesso a serviços de fins sociais é um dos maiores desafios de nossa sociedade. Neste contexto, reaproveitar recursos valiosos em diversos mercados é crucial para o crescimento de organizações em muitos segmentos, como, por exemplo, saúde e educação. Neste sentido, uma universidade com métodos eficientes para atração e retenção de alunos pode replicar tal iniciativa em diversos estabelecimentos e assim aumentar o benefício e reduzir os custos de uma expansão organizacional.

Disseminar e reutilizar conhecimento altera, no entanto, o relacionamento entre organizações e empregados. Enquanto algumas posições de trabalho podem ser complementares, outras podem ser redundantes ao novo conhecimento. Compreender a conexão entre a expansão de organizações, a reutilização de conhecimento e o relacionamento entre organizações e trabalhadores é o objetivo de uma pesquisa em andamento conduzida por mim e minha coautora.

Em nossa pesquisa, focamos no processo de aquisições dos grupos do ensino superior privado no Brasil ocorrido a partir de meados da década de 2000. Tal processo criou uma oportunidade para a transferência de conhecimento para as unidades adquiridas.

Grupos educacionais privados têm nas camadas da população de renda mais baixa seu principal mercado. Para tanto, eles disseminam práticas pedagógicas e gerenciais orientadas a essa população. Entrevistas revelaram que o material didático dos grupos é criado de modo que a linguagem utilizada seja acessível a alunos que frequentaram escolas de ensino médio de menor qualidade. Tais grupos também replicaram processos para apoiar requisições de financiamento estudantil.

Como resultado de nossa pesquisa, encontramos que as aquisições por grupos educacionais aumentaram o número de alunos matriculados nas unidades adquiridas. Contudo, a transferência e uso de novos conhecimentos nas unidades adquiridas afetou o papel de professores e suas relações com as unidades de ensino. Apesar do pagamento por hora-aula aumentar (indicando um potencial aumento de produtividade), os contratos dos professores passaram a ter carga horária menor e a taxa de retenção dos professores caiu. O mecanismo que explica tais resultados é que o conhecimento transferido aos estabelecimentos adquiridos, ao possibilitar a atração de mais alunos, aumenta o retorno relativo de atividades de ensino, realizadas via contratos de regime parcial, em comparação a atividades que demandam habilidades únicas e a dedicação exclusiva de professores, como pesquisa ou desenvolvimento de novos cursos.

Apesar de os resultados serem preliminares, nossa pesquisa sugere que a reutilização de conhecimento gerou uma reconfiguração do papel do professor nas unidades adquiridas.

Se por um lado a transferência e reutilização de conhecimento pode ser importante para aumentar a oferta de serviços sociais, tal processo pode gerar debates a respeito do papel da força de trabalho e das relações entre organizações e seus empregados.

Thomaz Teodorovicz é pesquisador pós-doutorando na Harvard University. Pesquisa gestão estratégica em setores de impacto social, gestão de capital humano e o futuro do trabalho. Doutor em economia dos negócios pelo Insper, é pesquisador do Laboratory for Innovation Science at Harvard, Insper Metricis e do projeto World Management Survey.