Cursos à distância são uma boa prática na formação de professores no Brasil?
As notas inferiores dos estudantes de Pedagogia na modalidade EaD sugerem que precisamos acompanhar mais de perto a expansão dessa modalidade de ensino
Da Redação
Publicado em 11 de agosto de 2022 às 00h10.
Última atualização em 11 de agosto de 2022 às 14h43.
O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis , o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Por Vivian Jacobsohn Serebrinic
É ponto pacífico – não apenas no senso comum, mas também nos estudos científicos da área educacional – que a qualidade de um professor faz diferença significativa no aprendizado de seus alunos, inclusive no longo prazo. Foi com base nisso que a Lei 9.394 de dezembro de 1996, motivou a formação superior para professores do ciclo básico. À época, apenas cerca de 20% dos professores em exercício possuíam formação superior. Uma política pública, portanto, voltada a aumentar a qualificação docente e, por conseguinte, a qualidade dos professores.
Essa mesma Lei, por outro lado, instituiu o ensino à distância – ou EaD – em todos os níveis educacionais, incluindo a formação superior. O resultado da combinação destas duas regulações foi um crescimento exponencial nas matrículas em EaD nas licenciaturas, e na pedagogia em particular. Em 2019, 68% das matrículas em Pedagogia se deram na modalidade à distância. Entre os ingressantes nesse curso, 75% optaram por essa modalidade. Na média de todas as carreiras, esse percentual foi de 44%.
Isso significa que 3 a cada 4 estudantes de Pedagogia podem ser formados por cursos à distância, portanto fora do locus da sala de aula presencial, onde práticas de ensino podem ser melhor vivenciadas. Mas não podemos assumir que o ensino EaD seja necessariamente inferior – nem a literatura mundial sobre o tema parece ter chegado a um consenso. Em minha dissertação de Mestrado em Políticas Públicas no Insper, sob orientação do Prof. Dr. Ricardos Paes de Barros, buscou-se aprofundar essa questão com o uso dos resultados do ENADE (Exame Nacional dos Estudantes) de 2017, com 111 mil alunos participantes. O estudo comparou os resultados de alunos de Pedagogia com perfis similares – por exemplo, mesma faixa de renda familiar, mesmo número de horas de trabalho semanais – mas que cursaram modalidades diferentes (EaD ou presencial). Como as notas podem ser influenciadas também pela qualidade da instituição de ensino superior frequentada, comparamos estudantes de uma mesma instituição.
Os resultados indicaram que os alunos que frequentaram cursos de Pedagogia EaD tiveram notas no ENADE significativamente menores do que aqueles que frequentaram um curso presencial. Além disso, buscamos entender se o perfil do estudante mudou desde a promulgação da Lei que estabelece diretrizes e bases da educação nacional, de 1996. No início dos anos 2000, boa parte dos alunos de Pedagogia eram professores já em exercício, sem grau superior que, por conta da nova Lei, buscavam uma formação. Hoje, o Censo Escolar (2021) aponta que 87% dos professores do Fundamental já possuem formação superior – portanto, a maior parte dos estudantes de Pedagogia tende a ser de alunos sem experiência docente. A questão que se coloca, então, é se o impacto dos cursos EaD seria diferente para esse aluno.
A pesquisa aponta que sim. Ou seja, entre estudantes sem experiência prévia em magistério, a diferença entre as notas de quem cursou EaD ou presencial é significativamente maior do que a diferença entre alunos que já trabalhavam como professores. Uma hipótese para o que pode estar por trás dessa diferença é que os alunos que já atuam como docentes possuem uma bagagem prática que lhes permite absorver os conteúdos de um curso EaD com maior facilidade.
Os resultados inferiores no ENADE – ainda mais significativos entre alunos sem experiência docente – levantam um alerta sobre a necessidade de compreendermos melhor o fenômeno do EaD na área de educação. Se ela é uma aposta que vem sendo feita por 3 a cada 4 estudantes de Pedagogia, há que se ter acompanhamento mais próximo e granular, bem como criar ou ajustar políticas públicas que levem a um maior aprendizado. As perdas educacionais de nossas crianças na pandemia exigirão professores muito competentes e hábeis para conseguirmos reduzir essa defasagem. Precisamos garantir que esses docentes sejam preparados, capacitados e munidos de recursos pedagógicos para dar conta desse enorme desafio.
* Vivian Jacobsohn Serebrinic é mestre em Políticas Públicas pelo Insper e em Administração de Empresas pela FGV. Especialista em inovação, foi diretora na Ambev, Samsung e Unilever. Colabora como pesquisadora no Núcleo de Estudos em Econometria Teórica, Microeconomia Aplicada e Avaliação de Políticas do Insper.
O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis , o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Por Vivian Jacobsohn Serebrinic
É ponto pacífico – não apenas no senso comum, mas também nos estudos científicos da área educacional – que a qualidade de um professor faz diferença significativa no aprendizado de seus alunos, inclusive no longo prazo. Foi com base nisso que a Lei 9.394 de dezembro de 1996, motivou a formação superior para professores do ciclo básico. À época, apenas cerca de 20% dos professores em exercício possuíam formação superior. Uma política pública, portanto, voltada a aumentar a qualificação docente e, por conseguinte, a qualidade dos professores.
Essa mesma Lei, por outro lado, instituiu o ensino à distância – ou EaD – em todos os níveis educacionais, incluindo a formação superior. O resultado da combinação destas duas regulações foi um crescimento exponencial nas matrículas em EaD nas licenciaturas, e na pedagogia em particular. Em 2019, 68% das matrículas em Pedagogia se deram na modalidade à distância. Entre os ingressantes nesse curso, 75% optaram por essa modalidade. Na média de todas as carreiras, esse percentual foi de 44%.
Isso significa que 3 a cada 4 estudantes de Pedagogia podem ser formados por cursos à distância, portanto fora do locus da sala de aula presencial, onde práticas de ensino podem ser melhor vivenciadas. Mas não podemos assumir que o ensino EaD seja necessariamente inferior – nem a literatura mundial sobre o tema parece ter chegado a um consenso. Em minha dissertação de Mestrado em Políticas Públicas no Insper, sob orientação do Prof. Dr. Ricardos Paes de Barros, buscou-se aprofundar essa questão com o uso dos resultados do ENADE (Exame Nacional dos Estudantes) de 2017, com 111 mil alunos participantes. O estudo comparou os resultados de alunos de Pedagogia com perfis similares – por exemplo, mesma faixa de renda familiar, mesmo número de horas de trabalho semanais – mas que cursaram modalidades diferentes (EaD ou presencial). Como as notas podem ser influenciadas também pela qualidade da instituição de ensino superior frequentada, comparamos estudantes de uma mesma instituição.
Os resultados indicaram que os alunos que frequentaram cursos de Pedagogia EaD tiveram notas no ENADE significativamente menores do que aqueles que frequentaram um curso presencial. Além disso, buscamos entender se o perfil do estudante mudou desde a promulgação da Lei que estabelece diretrizes e bases da educação nacional, de 1996. No início dos anos 2000, boa parte dos alunos de Pedagogia eram professores já em exercício, sem grau superior que, por conta da nova Lei, buscavam uma formação. Hoje, o Censo Escolar (2021) aponta que 87% dos professores do Fundamental já possuem formação superior – portanto, a maior parte dos estudantes de Pedagogia tende a ser de alunos sem experiência docente. A questão que se coloca, então, é se o impacto dos cursos EaD seria diferente para esse aluno.
A pesquisa aponta que sim. Ou seja, entre estudantes sem experiência prévia em magistério, a diferença entre as notas de quem cursou EaD ou presencial é significativamente maior do que a diferença entre alunos que já trabalhavam como professores. Uma hipótese para o que pode estar por trás dessa diferença é que os alunos que já atuam como docentes possuem uma bagagem prática que lhes permite absorver os conteúdos de um curso EaD com maior facilidade.
Os resultados inferiores no ENADE – ainda mais significativos entre alunos sem experiência docente – levantam um alerta sobre a necessidade de compreendermos melhor o fenômeno do EaD na área de educação. Se ela é uma aposta que vem sendo feita por 3 a cada 4 estudantes de Pedagogia, há que se ter acompanhamento mais próximo e granular, bem como criar ou ajustar políticas públicas que levem a um maior aprendizado. As perdas educacionais de nossas crianças na pandemia exigirão professores muito competentes e hábeis para conseguirmos reduzir essa defasagem. Precisamos garantir que esses docentes sejam preparados, capacitados e munidos de recursos pedagógicos para dar conta desse enorme desafio.
* Vivian Jacobsohn Serebrinic é mestre em Políticas Públicas pelo Insper e em Administração de Empresas pela FGV. Especialista em inovação, foi diretora na Ambev, Samsung e Unilever. Colabora como pesquisadora no Núcleo de Estudos em Econometria Teórica, Microeconomia Aplicada e Avaliação de Políticas do Insper.