Exame.com
Continua após a publicidade

Covid-19: o risco da informação fragmentada na pandemia

Estudo mostra que comunicações fragmentadas podem induzir a população a ter menor cuidado com a propagação do coronavírus, dificultando o combate à pandemia

São Paulo: a população tende a ser mais ou menos cuidadosa na pandemia dependendo das informações que recebe sobre o coronavírus (Miguel Schincariol/Getty Images)
São Paulo: a população tende a ser mais ou menos cuidadosa na pandemia dependendo das informações que recebe sobre o coronavírus (Miguel Schincariol/Getty Images)
I
Impacto Social

Publicado em 27 de maio de 2020 às, 12h57.

Última atualização em 31 de janeiro de 2022 às, 11h08.

Para saber como cidadãos reagem a informações fragmentadas e incompletas sobre a grave pandemia de covid-19, realizamos um experimento online, logo após o pronunciamento em que o presidente Bolsonaro afirmou que a covid-19 era “uma gripezinha, um resfriadinho”. O estudo já está disponível no site da Revista Brasileira de Administração Pública.

Refletindo as melhores práticas existentes para avaliação de impacto (ver Guia de Avaliação de Impacto Socioambiental do Insper Metricis), nosso estudo envolveu 571 participantes, separados de forma aleatória em um grupo de controle e dois grupos de tratamento. Da forma como foi desenhado, o estudo nos permite estabelecer relações causais entre mensagens fragmentadas e percepções e comportamentos das pessoas diante da ameaça da covid-19. Ou seja, estando tudo o mais constante, conseguimos verificar a real contribuição de tais mensagens nas mudanças de atitudes dos participantes da pesquisa.

Após responder a algumas questões de perfil numa plataforma online, o participante alocado no grupo de controle recebeu uma mensagem geral sobre a pandemia do novo coronavírus, com informações oficiais da Organização Mundial da Saúde de 25 de março, dizendo que a pandemia já havia atingido 196 países e que a taxa de fatalidade era de 4,46%.

O participante alocado no primeiro grupo de tratamento, além da mensagem geral, recebeu uma mensagem mais pessimista, dizendo que a taxa de fatalidade pode ser mais alta em alguns países. Já o participante alocado no segundo grupo de tratamento, além da mensagem geral, recebeu uma mensagem mais otimista, dizendo que a taxa de fatalidade pode ser mais baixa em alguns países. Vale notar que essas mensagens, apesar de conterem informações verdadeiras, são fragmentadas e incompletas; ou seja, elas contam pouco sobre a real situação da pandemia nos diferentes países.

Após receber uma das 3 mensagens descritas acima, o participante respondeu a perguntas sobre quão preocupante julgava ser a epidemia de covid-19 no Brasil, se considerava as medidas de isolamento social um exagero e se pretendia intensificar as medidas de prevenção nos próximos dias, já que o país ainda estava por passar pelos piores momentos da epidemia nacional.

Não encontramos efeitos médios significantes das mensagens sobre o nível de preocupação dos respondentes com a epidemia e a probabilidade de considerarem o isolamento social um exagero. No entanto, as mensagens mais pessimistas foram capazes de aumentar, em 8,33 pontos percentuais, a probabilidade de pessoas com baixa escolaridade planejarem uma intensificação de medidas de prevenção. Por outro lado, as mensagens mais otimistas fizeram com que pessoas que estão no grupo de risco para complicações do vírus – de 60 anos ou mais – tivessem uma probabilidade de 25,66 pontos percentuais menor de intensificarem as medidas de prevenção nos próximos dias.

Em resumo, comunicações fragmentadas podem induzir maior ou menor relaxamento por parte da população (veja, por exemplo, como pessoas se comportaram no megaferiado decretado em São Paulo), comprometendo esforços coordenados para conter a disseminação do vírus, salvando ou ceifando vidas a depender do tipo de mensagem emitida. Mais do que nunca, o jornalismo profissional é necessário para divulgar informações acuradas e lastreadas na ciência sobre a gravidade da pandemia.

*Carolina Melo é doutoranda em economia dos negócios e pesquisadora do Insper Metricis; e Sandro Cabral é Coordenador do mestrado em políticas públicas do Insper e vice-coordenador do Insper Metricis