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Como definir a população-alvo de um projeto?

Insper Metricis realizou recentemente a 30ª Oficina de Impacto Socioambiental, evento promovido em parceria com o GO Lab

Pessoas conversando: evento foi promovido em parceria com o GO Lab  (Getty Images/Divulgação)
Pessoas conversando: evento foi promovido em parceria com o GO Lab  (Getty Images/Divulgação)

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 

Por Jorge Ikawa* 

O Insper Metricis realizou recentemente a 30ª Oficina de Impacto Socioambiental. O evento foi promovido em parceria com o GO Lab (Government Outcomes Lab, Blavatnik School of Government, University of Oxford) e teve como tema “Definição e focalização da população-alvo”. A iniciativa contou com a apresentação de Flavia Tinelli, diretora de impacto da Acrux Partners e uma das responsáveis pela avaliação do social impact bond da cidade de Buenos Aires, e de Ricardo Paes de Barros, professor do Insper, com agenda de pesquisa dedicada aos temas de desigualdade, pobreza, mercado de trabalho e educação. O evento completo você confere aqui.

Durante a oficina, Ricardo Paes de Barros discutiu dois pontos críticos para a focalização de políticas públicas: eficiência e desincentivos. Para ilustrar o primeiro, Paes de Barros usou como exemplo o potencial impacto de uma política de crédito subsidiado sobre o bem-estar. Neste caso, a política poderia ser mais eficiente ao utilizar como critério para a focalização da população-alvo uma junção de fatores relacionados aos impactos estimados de um aumento na renda sobre o bem-estar e do crédito subsidiado sobre a produtividade.

Já para o segundo ponto, relativo aos desincentivos, Paes de Barros exemplificou com o caso de um benefício para superação da extrema pobreza. Nessa política, haveria transferência de valores até que os beneficiários atingissem uma renda mínima previamente definida. Por exemplo, caso essa renda mínima fosse de R$ 100, para as pessoas sem nenhuma renda, haveria a transferência de R$ 100; já para aqueles que recebessem R$ 60, a transferência seria de R$ 40, a fim de que o beneficiário atingisse a renda mínima de R$ 100.

Conforme destacado durante o evento, tal iniciativa poderia gerar desincentivos ao ingresso (ou reinserção) no mercado de trabalho, a depender de como fosse implementada. Isso ocorreria, por exemplo, caso os benefícios fossem diminuídos, no mesmo valor do salário recebido, ao se conseguir um emprego. Em uma situação hipotética, isso aconteceria caso uma pessoa que não tivesse renda alguma no início da intervenção (e, portanto, recebesse R$ 100 de transferência) passasse a contar com R$ 50 de salário e tivesse o benefício reduzido para R$ 50. Neste caso, é como se a renda adicional vinda do trabalho fosse taxada em 100%. “Se você não trabalha, você recebe quanto? R$ 100. Se você trabalha, você recebe quanto? R$ 100. Temos um gigante desincentivo para que essa pessoa trabalhe”, complementa Paes de Barros.

Já Flavia Tinelli apresentou alguns passos que podem auxiliar no processo de definição da população-alvo de uma dada intervenção. “Os beneficiários dos serviços são, no final das contas, o mais importante aspecto de toda a história. Dessa forma, no contexto de social impact bonds, definir a população-alvo é um passo crítico na concepção e implementação de intervenções eficazes”, comenta Flavia Tinelli.

Entre os pontos críticos listados por Tinelli estão identificar o problema social que se pretende mitigar, buscar dados e pesquisas existentes relativos ao tema, definir os critérios de elegibilidade para a ação, quantificar a população-alvo e estimar o tamanho do grupo elegível à intervenção, considerar grupos mais vulneráveis e marginalizados que podem ser mais influenciados pela atividade, consultar os demais stakeholders, refinar e revisar de modo constante os critérios de eligibilidade e a estimativa de população-alvo à medida que são incluídas novas informações, considerar critérios de inclusão e exclusão (por exemplo, grupos que já são beneficiados por outras políticas públicas) e definir as métricas de resultado, críticas para a avaliação da intervenção.

Por fim, Flavia Tinelli também discutiu dois desafios que aparecem em muitas situações: acesso a dados e a possibilidade de cherry picking, prática segundo a qual os provedores de serviço, com o intuito de mostrar resultados positivos, acabam por “escolher a dedo” os melhores participantes para serem incluídos em determinado programa.

*Jorge Ikawa é doutor em Economia dos Negócios pelo Insper, bacharel em Economia pela FEARP-USP e formado em Jornalismo pela ECA-USP.