Avanços femininos em confronto com o ascenso do antifeminismo: uma luta em duas frentes
As últimas décadas testemunharam conquistas significativas para as mulheres, mas é importante observar que, ao mesmo tempo, o antifeminismo ganhou força
Redação Exame
Publicado em 15 de novembro de 2023 às 07h02.
O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Recentemente a professora Claudia Goldin recebeu o prêmio Nobel de economia. Ela foi a primeira mulher a assumir o cargo de professora titular no departamento de economia de Harvard em 1990. Suas pesquisas analisam a disparidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho e as razões pelas quais isso tem se perpetuado através dos séculos. Suas investigações abrangeram mais de 200 anos de dados e revelaram uma curva em U em termos da participação das mulheres no mercado do trabalho, que diminuiu no século XIX, mas aumentou no século XX, com a ascensão do setor de serviços e o acesso a pílulas anticoncepcionais.
As pesquisas de Godin mostram que as diferenças na remuneração e na participação no mercado de trabalho são, em grande parte, atribuíveis a normas sociais, como a divisão desigual do trabalho de cuidados não remunerados e das tarefas domésticas, mudanças econômicas e inovações médicas. Um de seus achados mais notáveis é que a disparidade salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função se torna ainda mais elevada após o nascimento do primeiro filho (as mulheres ainda ganham, em média, 13% menos do que os homens) devido à alocação desigual de responsabilidades na criação.
Em uma de suas mais recentes pesquisas, ainda em desenvolvimento, intitulada " Why women won ", a professora apresenta uma linha do tempo das conquistas femininas ao longo dos séculos, destacando que as mulheres obtiveram vitórias notáveis em termos de direitos. Um grande marco desses avanços ocorreu entre 1963 e 1973, permitindo a reivindicação e a conquista de novos direitos. Ela ressalta o papel fundamental dos movimentos femininos na conquista desses avanços.
Contudo, ao mesmo tempo em que muitos direitos foram assegurados e desempenharam um papel crucial na melhoria da qualidade de vida das mulheres, como o direito à educação, o controle sobre suas vidas, o direito de voto, a autonomia financeira e a capacidade de tomar decisões sobre suas carreiras e negócios, a pesquisa também lança luz sobre o surgimento do antifeminismo ao longo da história. Já em 1911, havia iniciativas nessa direção, como o movimento de mulheres que se opunham à emancipação feminina, fortalecido ainda mais na década 1970. Esse paradoxo ressalta a complexidade do progresso em direção à igualdade de gênero, revelando como, mesmo diante de importantes conquistas, também houve um aumento do antifeminismo.
Essa força ainda persiste e tem dado origem a retrocessos recentes, como a oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (no Brasil, exemplificado pelo Projeto de Lei 580/07). Além disso, existem iniciativas que criam obstáculos à construção de famílias por parte desses casais, bem como à proteção dos direitos individuais. Esses desafios muitas vezes são justificados em nome da fé e valores patriarcais, perpetuados tanto por homens quanto por mulheres.
Outra proposta em andamento no Brasil, que reflete essa tendência, é o Projeto de Lei 478/2007, conhecido como "Estatuto do Nascituro". Este projeto visa revogar direitos individuais previamente adquiridos em relação ao aborto, com a intenção de criminalizar o procedimento em qualquer circunstância. Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em três situações: em casos de estupro, risco de vida para a pessoa gestante e quando o feto é diagnosticado com anencefalia (feto sem cérebro).
Claudia Godin destaca que as mulheres venceram em muitos aspectos, mas começaram a surgir reveses quando os movimentos em prol desses direitos foram perdendo força. Políticas identitárias, reacionárias e extremistas, hostis a mulheres e coletivos LGBTQIA+, a questões étnicas e raciais, têm sido propagadas com discursos de ódio e de assédio. Cabendo um alerta, mais investigações e ações para que violações de direitos individuais e coletivos não retrocedam. Onde a desigualdade não é apenas uma injustiça social, mas um péssimo negócio.
* Graziela Simone Tonin é professora de Ciência da Computação do Insper, onde lidera o Women in Tech, programa voltado para ampliar a presença das mulheres em profissões na área de STEM. Doutora em Ciência da Computação pela Universidade de São Paulo com intercâmbio pela UMBC/Maryland-US. Está na liderança do Comitê Mundo Digital do núcleo São Paulo do Grupo Mulheres do Brasil, onde atua como voluntária.
O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.
Recentemente a professora Claudia Goldin recebeu o prêmio Nobel de economia. Ela foi a primeira mulher a assumir o cargo de professora titular no departamento de economia de Harvard em 1990. Suas pesquisas analisam a disparidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho e as razões pelas quais isso tem se perpetuado através dos séculos. Suas investigações abrangeram mais de 200 anos de dados e revelaram uma curva em U em termos da participação das mulheres no mercado do trabalho, que diminuiu no século XIX, mas aumentou no século XX, com a ascensão do setor de serviços e o acesso a pílulas anticoncepcionais.
As pesquisas de Godin mostram que as diferenças na remuneração e na participação no mercado de trabalho são, em grande parte, atribuíveis a normas sociais, como a divisão desigual do trabalho de cuidados não remunerados e das tarefas domésticas, mudanças econômicas e inovações médicas. Um de seus achados mais notáveis é que a disparidade salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função se torna ainda mais elevada após o nascimento do primeiro filho (as mulheres ainda ganham, em média, 13% menos do que os homens) devido à alocação desigual de responsabilidades na criação.
Em uma de suas mais recentes pesquisas, ainda em desenvolvimento, intitulada " Why women won ", a professora apresenta uma linha do tempo das conquistas femininas ao longo dos séculos, destacando que as mulheres obtiveram vitórias notáveis em termos de direitos. Um grande marco desses avanços ocorreu entre 1963 e 1973, permitindo a reivindicação e a conquista de novos direitos. Ela ressalta o papel fundamental dos movimentos femininos na conquista desses avanços.
Contudo, ao mesmo tempo em que muitos direitos foram assegurados e desempenharam um papel crucial na melhoria da qualidade de vida das mulheres, como o direito à educação, o controle sobre suas vidas, o direito de voto, a autonomia financeira e a capacidade de tomar decisões sobre suas carreiras e negócios, a pesquisa também lança luz sobre o surgimento do antifeminismo ao longo da história. Já em 1911, havia iniciativas nessa direção, como o movimento de mulheres que se opunham à emancipação feminina, fortalecido ainda mais na década 1970. Esse paradoxo ressalta a complexidade do progresso em direção à igualdade de gênero, revelando como, mesmo diante de importantes conquistas, também houve um aumento do antifeminismo.
Essa força ainda persiste e tem dado origem a retrocessos recentes, como a oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (no Brasil, exemplificado pelo Projeto de Lei 580/07). Além disso, existem iniciativas que criam obstáculos à construção de famílias por parte desses casais, bem como à proteção dos direitos individuais. Esses desafios muitas vezes são justificados em nome da fé e valores patriarcais, perpetuados tanto por homens quanto por mulheres.
Outra proposta em andamento no Brasil, que reflete essa tendência, é o Projeto de Lei 478/2007, conhecido como "Estatuto do Nascituro". Este projeto visa revogar direitos individuais previamente adquiridos em relação ao aborto, com a intenção de criminalizar o procedimento em qualquer circunstância. Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em três situações: em casos de estupro, risco de vida para a pessoa gestante e quando o feto é diagnosticado com anencefalia (feto sem cérebro).
Claudia Godin destaca que as mulheres venceram em muitos aspectos, mas começaram a surgir reveses quando os movimentos em prol desses direitos foram perdendo força. Políticas identitárias, reacionárias e extremistas, hostis a mulheres e coletivos LGBTQIA+, a questões étnicas e raciais, têm sido propagadas com discursos de ódio e de assédio. Cabendo um alerta, mais investigações e ações para que violações de direitos individuais e coletivos não retrocedam. Onde a desigualdade não é apenas uma injustiça social, mas um péssimo negócio.
* Graziela Simone Tonin é professora de Ciência da Computação do Insper, onde lidera o Women in Tech, programa voltado para ampliar a presença das mulheres em profissões na área de STEM. Doutora em Ciência da Computação pela Universidade de São Paulo com intercâmbio pela UMBC/Maryland-US. Está na liderança do Comitê Mundo Digital do núcleo São Paulo do Grupo Mulheres do Brasil, onde atua como voluntária.