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A verdadeira mágica do futebol: tolerância e coesão social

"A prática do esporte é promotora de tolerância e coesão social mesmo após períodos de conflitos e guerras"

Invicta desde que a modalidade entrou para as paralimpíadas, seleção brasileira de futebol de 5 bateu a China na fase de grupos (Wander Roberto/CPB/Divulgação)
Invicta desde que a modalidade entrou para as paralimpíadas, seleção brasileira de futebol de 5 bateu a China na fase de grupos (Wander Roberto/CPB/Divulgação)
I
Impacto Social

Publicado em 13 de outubro de 2022 às, 10h00.

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 

Por Leandro S. Pongeluppe*

A copa do mundo FIFA 2022 de futebol está mais perto do que nunca. Em novembro, 32 seleções se reúnem no Qatar para a competição que promete grandes emoções. Contudo, a importância do futebol vai muito além de torneios e da apreciação pelo “jogo bonito”. A prática do esporte é promotora de tolerância e coesão social mesmo após períodos de conflitos e guerras.

Um exemplo disso vem do trabalho da cientista política Salma Mousa, recentemente publicado na revista Science. Neste estudo, a autora aleatorizou a distribuição de refugiados iraquianos em times de futebol para verificar se cristãos que haviam sofrido ataques do grupo Estado Islâmico (ISIS) seriam capazes de desenvolver mais tolerância com relação a muçulmanos após jogarem em um mesmo time.

Para tanto, a autora criou dois grupos de times de futebol. Um primeiro grupo, com times onde todos os jogadores eram cristãos, e um segundo, onde a maioria de jogadores seria cristã, mas com uma minoria de até 25% de origem muçulmana. A autora avaliou a probabilidade dos atletas cristãos se tornarem mais tolerantes com relação aos muçulmanos dentro e fora de campo.

Os resultados do estudo mostram que atletas cristãos que jogaram em times mistos (com atletas de ambas as religiões) aumentavam a aceitação em jogar com companheiros muçulmanos, tinham maior probabilidade de escolherem muçulmanos como “melhores em campo” após as partidas e se sentiam mais confortáveis em jogar em times mistos em ligas futuras.

A tolerância construída dentro de campo não necessariamente se estendeu para fora das quatro linhas, infelizmente. Estes mesmos atletas não mostravam qualquer inclinação estatisticamente superior em visitar restaurantes em bairros majoritariamente muçulmanos, ir a eventos com presença de muçulmanos ou efetuar doações a ONGs que atenderiam a ambos os grupos religiosos.

A autora conclui o trabalho ressaltando que o esporte, em particular o futebol, pode ser prática importante no desenvolvimento de tolerância, seja ela religiosa, política, econômica ou social. Contudo, a geração de coesão social demanda tempo e requer a contínua prática de tolerância por tempo estendido.

O Brasil estreia na copa contra a Sérvia no dia 24 de novembro. A seleção brasileira tem reais chances de trazer o hexacampeonato para casa. Esperamos que as lições advindas da pesquisa de Salma demonstrem que o futebol pode e deve ser fator criador de tolerância e respeito. Seja entre indivíduos de diferentes religiões, seja ente indivíduos de diferentes orientações político-partidárias.

*Leandro S. Pongeluppe é professor assistente da Wharton School, University of Pennsylvania. Especialista em avaliação de impacto socioambiental, Leandro é Ph.D. pelo departamento de gestão estratégica da Rotman School of Management, University of Toronto. Seus principais interesses de pesquisa são compreender como a gestão de organizações pode contribuir com o avanço dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.