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A ilegalidade do desmatamento e seus problemas

Segundo dados do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica do Inpe, o desmatamento cresceu cerca de 190% entre 2017 e 2021

Desmatamento na floresta amazônica, em Mato Grosso: Brasil é principal mercado da Pachama (Paulo Whitaker/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 9 de junho de 2022 às 09h00.

O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.

Por Fernanda K. Lemos*

O desenvolvimento sustentável é alicerçado na ideia de constante transformação. A agricultura, pecuária, florestas e mineração são setores intensivos no uso da terra, com conexões ambientais diretas e impactos na biodiversidade. No entanto, são atividades necessárias ao bem-estar social, segurança alimentar, saúde e a base de diversas tecnologias, entre elas as energias renováveis. Assim, a transição para um mundo mais sustentável perpassa por tais setores como fonte de solução.

No Brasil, esta tarefa não é nada trivial. O desmatamento e a designação da terra são problemas bem sensíveis. Segundo dados do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Prodes/INPE), o desmatamento cresceu cerca de 190% entre 2017 e 2021. Dessa forma, o país descumpriu o compromisso assumido no Acordo de Paris de implementação do Código Florestal (Lei 12.651/2012) e do controle de desmatamento para mitigação de emissões de gases do efeito estufa (GEE). Assim, o Brasil está abaixo de seu compliance.

Publicações sobre a perda de biodiversidade e emissões de carbono foram constantes nas mídias mundiais e discussões transnacionais. O que poucos levam em consideração é que parte substancial do problema ocorre em terras públicas. Em 2016, aproximadamente 25% do desmatamento na Amazônia Legal ocorreu em áreas públicas não designadas e 12% em unidades de conservação, segundo os dados do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), coletados pelo Prodes. Os esforços para combater o desmatamento ilegal através de monitoramento e controle são muito relevantes e possíveis.

Em 2012, estas ações se mostraram eficazes e envolveram investimentos em políticas públicas, acordos privados e sistema de monitoramento. A redução da taxa de desmatamento foi de 84% (INPE). Mas, a realidade atual é outra. O negacionismo do governo relacionado ao desmatamento alavanca a impunidade sobre a ilegalidade. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) declarou que em 2021 o número de operações de combate aos crimes ambientais (45) triplicou em relação a 2020 (14) e 2019 (15). No entanto, o desmatamento cresceu aproximadamente 22% entre 2020 e 2021 (Prodes/INPE).

A análise comparativa entre número total de alertas registrados por estados da Amazônia Legal versus aqueles tratados pelo IBAMA (1,31%) e pelo Ministério Público Federal (1,15%) também corrobora a discrepância de discurso e eficácia no combate ao desmatamento e a responsabilidade ambiental atual. Esses números significam apenas 6,1% da área desmatada total detectada.

Além disso, pouco se fala da perversidade do desmatamento sob o olhar social – a marginalização de parte da população em prol do benefício de alguns. Incluem-se aqui a exclusão de seres humanos aos seus direitos trabalhistas, crimes relacionados a crianças, conflitos com populações locais e equipes de monitoramento e controle, genocídio de povos tradicionais e ativistas. Além dos riscos relacionados à saúde por possível manipulação irregular de insumos e contaminação de rios e lagos. Iracema, uma Transa Amazônica, documentário de 1975, ilustra esta relação entre o desmatamento ilegal e os diversos impactos sociais.

A ilegalidade é passível de permear diversos setores e, mesmo que não represente a sua totalidade, é importante não negar a sua existência. A política da negação não auxilia o processo de encontrar soluções. Pelo contrário, apenas esconde um problema que acumula e se torna mais grave com o passar do tempo. A ausência do governo incita a iniciativa do setor privado, como já apresentado no caso da Natura, e sua importância quanto ao impacto social que gera. Mas, esse é um problema a ser tratado conjuntamente - governo, setor privado e sociedade. Esconder é apenas uma tentativa de adiar o inadiável.

*Fernanda K. Lemos é pesquisadora associada na Universidade de York e pesquisadora visitante no Insper. Doutora em Administração de Empresas pela Universidade de São Paulo (FEA/USP).

 

O conteúdo desse blog é gerenciado peloInsper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental.

Por Fernanda K. Lemos*

O desenvolvimento sustentável é alicerçado na ideia de constante transformação. A agricultura, pecuária, florestas e mineração são setores intensivos no uso da terra, com conexões ambientais diretas e impactos na biodiversidade. No entanto, são atividades necessárias ao bem-estar social, segurança alimentar, saúde e a base de diversas tecnologias, entre elas as energias renováveis. Assim, a transição para um mundo mais sustentável perpassa por tais setores como fonte de solução.

No Brasil, esta tarefa não é nada trivial. O desmatamento e a designação da terra são problemas bem sensíveis. Segundo dados do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Prodes/INPE), o desmatamento cresceu cerca de 190% entre 2017 e 2021. Dessa forma, o país descumpriu o compromisso assumido no Acordo de Paris de implementação do Código Florestal (Lei 12.651/2012) e do controle de desmatamento para mitigação de emissões de gases do efeito estufa (GEE). Assim, o Brasil está abaixo de seu compliance.

Publicações sobre a perda de biodiversidade e emissões de carbono foram constantes nas mídias mundiais e discussões transnacionais. O que poucos levam em consideração é que parte substancial do problema ocorre em terras públicas. Em 2016, aproximadamente 25% do desmatamento na Amazônia Legal ocorreu em áreas públicas não designadas e 12% em unidades de conservação, segundo os dados do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), coletados pelo Prodes. Os esforços para combater o desmatamento ilegal através de monitoramento e controle são muito relevantes e possíveis.

Em 2012, estas ações se mostraram eficazes e envolveram investimentos em políticas públicas, acordos privados e sistema de monitoramento. A redução da taxa de desmatamento foi de 84% (INPE). Mas, a realidade atual é outra. O negacionismo do governo relacionado ao desmatamento alavanca a impunidade sobre a ilegalidade. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) declarou que em 2021 o número de operações de combate aos crimes ambientais (45) triplicou em relação a 2020 (14) e 2019 (15). No entanto, o desmatamento cresceu aproximadamente 22% entre 2020 e 2021 (Prodes/INPE).

A análise comparativa entre número total de alertas registrados por estados da Amazônia Legal versus aqueles tratados pelo IBAMA (1,31%) e pelo Ministério Público Federal (1,15%) também corrobora a discrepância de discurso e eficácia no combate ao desmatamento e a responsabilidade ambiental atual. Esses números significam apenas 6,1% da área desmatada total detectada.

Além disso, pouco se fala da perversidade do desmatamento sob o olhar social – a marginalização de parte da população em prol do benefício de alguns. Incluem-se aqui a exclusão de seres humanos aos seus direitos trabalhistas, crimes relacionados a crianças, conflitos com populações locais e equipes de monitoramento e controle, genocídio de povos tradicionais e ativistas. Além dos riscos relacionados à saúde por possível manipulação irregular de insumos e contaminação de rios e lagos. Iracema, uma Transa Amazônica, documentário de 1975, ilustra esta relação entre o desmatamento ilegal e os diversos impactos sociais.

A ilegalidade é passível de permear diversos setores e, mesmo que não represente a sua totalidade, é importante não negar a sua existência. A política da negação não auxilia o processo de encontrar soluções. Pelo contrário, apenas esconde um problema que acumula e se torna mais grave com o passar do tempo. A ausência do governo incita a iniciativa do setor privado, como já apresentado no caso da Natura, e sua importância quanto ao impacto social que gera. Mas, esse é um problema a ser tratado conjuntamente - governo, setor privado e sociedade. Esconder é apenas uma tentativa de adiar o inadiável.

*Fernanda K. Lemos é pesquisadora associada na Universidade de York e pesquisadora visitante no Insper. Doutora em Administração de Empresas pela Universidade de São Paulo (FEA/USP).

 

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