Exame.com
Continua após a publicidade

A dinâmica do desmatamento nas áreas de preservação da cidade de São Paulo

Nos últimos anos, as Áreas de Preservação Ambiental de São Paulo foram as que mais sofreram com o desmatamento

I
Impacto Social

Publicado em 3 de novembro de 2020 às, 09h52.

Última atualização em 30 de setembro de 2022 às, 00h49.

Por Priscila Borin Claro 

Apesar de os holofotes estarem voltados para Amazônia, não podemos fechar os olhos para o desmatamento nos centros urbanos, como é o caso de São Paulo. A vegetação nativa da cidade representa hoje apenas 13% do território e está concentrada nos parques municipais e em duas Áreas de Preservação Ambiental (APA). Nos últimos anos, foram justamente os distritos nestas APAs que mais sofreram com o desmatamento, como é o caso de Parelheiros, M'Boi Mirim e Capela do Socorro. Parelheiros perdeu cerca de 35 km² de área verde entre 1999 e 2015 (InfoCidade). O crescimento populacional e a pressão por moradia, somados ao baixo investimento público em programas de habitação social e ao preço elevado das moradias em áreas centrais, têm relação com o desmatamento e com a favelização nas APAs. Dados do HabitaSampa mostram que entre 2014 e 2017 mais de 75 novas invasões, para fins de moradia, foram registradas em APAs de São Paulo.

Nas áreas desmatadas, o contexto socioeconômico é crítico. A renda e o nível educacional dos moradores são bem menores que nas áreas centrais. Em Parelheiros, M'Boi Mirim e Capela do Socorro, por exemplo, a renda familiar varia de R$ 1,2 mil a R$ 1,7 mil por mês, enquanto em Pinheiros é de cerca de R$ 7 mil mensais. Em Parelheiros, o nível educacional baseado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), é o pior do município (0,61). Homicídio é uma das principais causas externas de mortes (71%) em Parelheiros e, em Pinheiros, não passa de 30%. Morar nas áreas de APA significa morar longe da escola e do trabalho, o que gera impacto negativo em mobilidade. Em 2012, os deslocamentos dos residentes das áreas mais desmatadas representaram 80% do total da cidade. Em média, quem mora longe perdeu 4 horas no trânsito, 2 horas a mais que o tempo médio de deslocamento na cidade. Para piorar a situação, como as APAs não são destinadas à habitação, as “casas” e a infraestrutura básica são precárias, expondo as famílias a riscos de deslizamentos, enchentes e contaminações. A maior parcela dos domicílios de Parelheiros (96%) não tem conexão com a rede de esgoto.

Outra dimensão de causas do problema é a complexa estrutura de governança para as decisões relacionadas a meio ambiente que, apesar de envolver esferas federal, estadual e municipal do governo, apresenta lacunas e sobreposições. Assim, decisões que são complementares sobre habitação, transporte, infraestrutura são tomadas de forma independentes. Resumindo, a realidade de São Paulo evidencia um círculo vicioso, parecido com o da Amazônia, onde pobreza, exclusão, criminalidade, regulação contraditória, falta de governança, baixo investimento público e privado e oportunismo geram perdas significativas de recursos ambientais. Não há caminho fácil. Uma coisa se sabe: o alcance do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 (Cidades e Comunidades Sustentável) depende fundamentalmente de planejamento e decisões integradas e inclusivas. Um caminho possível para São Paulo seria implementar Soluções Baseadas na Natureza para os problemas da cidade. Mas isso é discussão para outro post.