A diferença entre dados sobre feminicídio e homicídio de mulheres
A lei sobre feminicídio busca ampliar as políticas de proteção à mulher. No entanto, passados quase seis anos, há dificuldades para avaliar o seu resultado
Estadão Conteúdo
Publicado em 8 de abril de 2021 às 15h00.
A Lei 13.104 institui, em 2015, o crime de feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio quando o ato ocorrer contra a mulher em razão de sua condição de sexo feminino: quando o crime envolve violência doméstica, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A referida lei surge de um esforço para valorizar a vida, ampliando as políticas de proteção à mulher. No entanto, passados quase seis anos, há dificuldades para avaliar o seu resultado.
A maior limitação está em localizar dados sobre a tipificação de crimes como feminicídio. Os dados mais específicos à disposição são do Conselho Nacional do Ministério Público, compilados na base Cadastro de Feminicídio . Ocorre que, se considerarmos os crimes classificados como feminicídio entre 2016 e 2019, há somente 102 registros.
O uso de dados sobre feminicídio desde o ano seguinte à aprovação da lei até 2019 nos permite comparar essa informação com registros disponíveis no Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. Utilizando-se as categorias CID usualmente adotadas para registro de homicídios, constatam-se 16.826 registros de mortes violentas de mulheres no mesmo período. Ou seja, há um enorme descompasso entre as mortes violentas de mulheres e o registro de feminicídio nesse período. As figuras abaixo ilustram essa diferença.
Há estados inteiros sem o registro de feminicídios entre 2016 e 2019. De 3.097 municípios que apresentaram morte violenta de mulheres nesse período, só 42 registram feminicídios. Isso levanta a questão sobre como essa política pública tem sido implementada. Há falhas de implementação? Ou crimes tipificados como feminicídio são reportados, porém não há uma base confiável e atualizada com tais registros? É preciso ainda registrar outras tentativas meritórias de reportar dados de feminicídios, como os dados organizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Sem informações oficiais confiáveis, no entanto, o problema permanece.
A diferença entre registros de homicídios de mulheres e feminicídios demonstra como uma política pública não depende somente da aprovação de uma lei. É preciso registro e acompanhamento de dados, além de cuidados na implementação que parecem faltar neste caso. Como resultado, a morte violenta de mulheres segue em níveis elevados no Brasil. O número de homicídios de mulheres no quadriênio 2016-2019 é próximo ao registrado no período anterior à aprovação da lei do feminicídio, entre 2012-2015, quando houve 17.762 ocorrências dessa natureza.Políticas públicas de prevenção, combate e apoio às vítimas como delegacias especializadas, juizados de violência doméstica e familiar, formação de profissionais para atendimento e acolhimento, amparo e apoio financeiro, desenvolvimento de estratégias de conscientização do agressor, investimento na conscientização da população sobre equidade de gênero, dentre outros, podem ser complementos necessários para a efetividade da lei.
A Lei 13.104 institui, em 2015, o crime de feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio quando o ato ocorrer contra a mulher em razão de sua condição de sexo feminino: quando o crime envolve violência doméstica, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A referida lei surge de um esforço para valorizar a vida, ampliando as políticas de proteção à mulher. No entanto, passados quase seis anos, há dificuldades para avaliar o seu resultado.
A maior limitação está em localizar dados sobre a tipificação de crimes como feminicídio. Os dados mais específicos à disposição são do Conselho Nacional do Ministério Público, compilados na base Cadastro de Feminicídio . Ocorre que, se considerarmos os crimes classificados como feminicídio entre 2016 e 2019, há somente 102 registros.
O uso de dados sobre feminicídio desde o ano seguinte à aprovação da lei até 2019 nos permite comparar essa informação com registros disponíveis no Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. Utilizando-se as categorias CID usualmente adotadas para registro de homicídios, constatam-se 16.826 registros de mortes violentas de mulheres no mesmo período. Ou seja, há um enorme descompasso entre as mortes violentas de mulheres e o registro de feminicídio nesse período. As figuras abaixo ilustram essa diferença.
Há estados inteiros sem o registro de feminicídios entre 2016 e 2019. De 3.097 municípios que apresentaram morte violenta de mulheres nesse período, só 42 registram feminicídios. Isso levanta a questão sobre como essa política pública tem sido implementada. Há falhas de implementação? Ou crimes tipificados como feminicídio são reportados, porém não há uma base confiável e atualizada com tais registros? É preciso ainda registrar outras tentativas meritórias de reportar dados de feminicídios, como os dados organizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Sem informações oficiais confiáveis, no entanto, o problema permanece.
A diferença entre registros de homicídios de mulheres e feminicídios demonstra como uma política pública não depende somente da aprovação de uma lei. É preciso registro e acompanhamento de dados, além de cuidados na implementação que parecem faltar neste caso. Como resultado, a morte violenta de mulheres segue em níveis elevados no Brasil. O número de homicídios de mulheres no quadriênio 2016-2019 é próximo ao registrado no período anterior à aprovação da lei do feminicídio, entre 2012-2015, quando houve 17.762 ocorrências dessa natureza.Políticas públicas de prevenção, combate e apoio às vítimas como delegacias especializadas, juizados de violência doméstica e familiar, formação de profissionais para atendimento e acolhimento, amparo e apoio financeiro, desenvolvimento de estratégias de conscientização do agressor, investimento na conscientização da população sobre equidade de gênero, dentre outros, podem ser complementos necessários para a efetividade da lei.