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Que rota o Brasil vai tomar para zerar as emissões globais da navegação?

Reduzir as emissões da navegação pode ameaçar a competitividade exportadora do Brasil, mas abre uma grande oportunidade como fornecedores de biocombustíveis

Barco em direção a Manaus, na volta de Parintins: viagem de 36 horas para participar do festival (Leandro Fonseca/EXAME) (Leandro Fonseca/exame.solutions)

Barco em direção a Manaus, na volta de Parintins: viagem de 36 horas para participar do festival (Leandro Fonseca/EXAME) (Leandro Fonseca/exame.solutions)

AM

Publicado em 6 de fevereiro de 2025 às 13h51.

Última atualização em 7 de fevereiro de 2025 às 10h21.

A navegação mundial está diante de um desafio inadiável: zerar suas emissões de carbono. O transporte marítimo é o modal mais eficiente em termos de emissão por tonelada transportada, mas o volume total de cargas que circula pelos oceanos é tão grande que, mesmo assim, o setor é responsável por cerca de 3% das emissões globais de gases de efeito estufa, segundo a International Maritime Organization (IMO). Isso coloca a descarbonização da frota naval como um dos grandes desafios da economia global. Para o Brasil, essa mudança pode ser uma grande dor de cabeça – mas também uma enorme oportunidade.

O Brasil é um dos países mais vulneráveis a um eventual aumento no custo do frete marítimo. Nossa economia é altamente dependente da exportação de commodities de baixo valor agregado, como soja e minério de ferro, que são vendidas em grande volume, mas com baixa rentabilidade por tonelada transportada. Para piorar, estamos longe dos principais mercados. A viagem de um navio entre o Porto de Santos e a China literalmente dá a volta ao mundo. Isso significa que qualquer aumento no custo de transporte pode rapidamente comprometer a competitividade dos produtos brasileiros. O impacto da descarbonização sobre o Brasil dependerá de como essa transição for conduzida.

A transição para combustíveis verdes na navegação ocorrerá em duas fases. Primeiro, com combustíveis de origem vegetal que podem ser misturados ao bunker (combustível de navio) sem grandes adaptações nos motores. Depois, a partir de 2027, penalidades sobre emissões de carbono levarão os navios a adotarem tecnologias de emissão zero, como metanol, amônia e etanol adaptado.

Segundo Cristiane Marsillac, CEO da Marsalgado Brasil, "o biodiesel é uma solução viável para os motores atuais, pois sua molécula é praticamente idêntica à do diesel". Mas para garantir que os navios possam abastecer com combustível limpo em todas as rotas, será necessário estabelecer corredores verdes, como explica Marsillac:

"O navio tem que sair do Brasil abastecido com o mesmo combustível em todos os portos do trajeto".

Transição energética

Uma alternativa promissora para essa transição é o etanol de milho brasileiro. Rafael Abud, CEO da FS Bioenergia, a maior produtora de etanol de milho do Brasil, destaca que "o etanol, dado sua competitividade, escala e valor energético, é uma excelente alternativa para combustível marítimo". Segundo ele, testes feitos na Finlândia indicam que o etanol pode ser uma opção atraente devido à sua alta densidade energética no motor dos navios e seu preço competitivo em relação aos combustíveis fósseis.

O Brasil tem uma vantagem significativa na produção desse biocombustível. "Hoje, o etanol de milho já representa mais de 20% do mercado e deve chegar a 40% em poucos anos", diz Abud. Como grande parte da produção é feita com milho de segunda safra – cultivado sem necessidade de novas áreas – a expansão pode ocorrer sem pressão por desmatamento. Segundo ele, apenas no Mato Grosso existem 5 milhões de hectares de soja sem uma segunda safra, o que permitiria produzir 15 bilhões de litros adicionais de etanol sem abrir novas terras.

Se o Brasil quiser liderar essa nova fase da transição energética global, precisa garantir que seu biocombustível seja, de fato, uma alternativa limpa. Hoje, o RenovaBio, programa que certifica a sustentabilidade dos biocombustíveis no Brasil, apresenta fragilidades que permitem que combustíveis de origem questionável entrem no mercado.

O risco aumenta quando consideramos os recentes enfraquecimentos da legislação ambiental. No Mato Grosso, a Assembleia Legislativa aprovou leis que reduzem a proteção ambiental ao reclassificar áreas de floresta amazônica como Cerrado, um bioma menos protegido. Essa manobra abre espaço para mais desmatamento e compromete a credibilidade do Brasil no mercado de biocombustíveis sustentáveis. Além disso, uma investigação do Mongabay Brasil revelou que o RenovaBio não possui um sistema robusto para monitorar se a produção de biocombustíveis está indiretamente incentivando o desmatamento, seja por deslocamento da pecuária ou pelo uso de terras recentemente convertidas.

É preciso construir um sistema mais robusto de rastreabilidade para garantir que nenhuma gota de etanol venha de áreas desmatadas ou incentive novos desmatamentos indiretamente. Se isso acontecer, o combustível brasileiro perderá credibilidade e dificilmente será aceito como solução global para a navegação verde.

E mais: para consolidar sua posição como fornecedor estratégico de combustíveis limpos, o Brasil também precisa reduzir suas próprias emissões, especialmente combatendo o desmatamento ilegal. Caso contrário, o impacto indireto da degradação ambiental poderá anular os benefícios climáticos dos biocombustíveis. Além disso, zerar o desmatamento também é essencial para garantir a própria capacidade do Brasil para plantar e colher. Estudos recentes já mostram que o desmatamento na Amazônia está reduzindo a umidade do ar, impactando a geração de chuvas. Isso vem ameaçando a produção agrícola e também a segurança hídrica e energética do país.

Se o Brasil acertar, pode transformar um desafio global em um setor estratégico para sua economia. Mas se errar, pode perder uma chance histórica e ainda sair prejudicado.

O potencial do biocombustível brasileiro para navegação será um dos temas centrais do 2° Seminário Transição Energética no Mar: Desafios e Oportunidades para o Brasil, que acontecerá no dia 10 de fevereiro no auditório da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. O evento, organizado por Maersk, Marsalgado, Cluster Tecnológico Naval e Trade Council da Dinamarca, com apoio do BNDES, da Marinha do Brasil e da própria FGV, reunirá representantes de empresas, governo e academia para debater a estratégia brasileira diante da meta de Net Zero da International Maritime Organization (IMO). As inscrições são gratuitas e podem ser feitas no site do evento.

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