O erro amazônico de Bolsonaro
Apesar de o presidente ter tentado relativizar o desmatamento, ele é grave porque coloca em risco toda floresta. E porque é crime, independente do tamanho
Da Redação
Publicado em 22 de julho de 2019 às 18h08.
O atual governo parece ter encontrado uma estratégia para lidar com alguns dos graves problemas do país: negar que existam. E atacar quem os mede. Depois de duvidar do aquecimento global, questionar que exista fome no Brasil e rejeitar o fato histórico da ditadura, o presidente Jair Bolsonaro no final da semana passada atacou os dados sobre o desmatamento na Amazônia. Diante de um aumento nas taxas anuais de devastação da floresta, a reação foi bater no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que há 40 anos desenvolveu tecnologia mundialmente reconhecida de ponta para monitorar a região. Sem apresentar prova, o presidente acusou o Inpe de mentir sobre os dados e de estar a serviço de interesses escusos. “Se toda essa devastação que vocês nos acusam que estamos fazendo e que já foi feita no passado (sic), a Amazônia já teria sido extinta, seria um grande deserto”, disse Bolsonaro. “A questão do Inpe, eu tenho a convicção que os dados são mentirosos”.
O ataque do presidente ocorreu um dia depois de a imprensa destacar que dados divulgados regularmente pelo Inpe mostraram que a área perdida de floresta até meados deste mês já é a segunda maior da série histórica, medida desde 2015. O desmatamento em junho foi o dobro do registrado no mesmo mês do ano passado, o que indica uma tendência de retomada na aceleração da destruição. O aumento na destruição já podia ser esperado (e temido) por conta dos persistentes ataques do presidente ao meio ambiente, às leis ambientais, aos órgãos de fiscalização e às organizações que defendem a natureza.
O presidente disse que ia falar para “meter a foice no Ibama” (que fiscaliza os crimes). Reprimiu os agentes da lei que, seguindo as recomendações, destruíram as máquinas usadas em desmatamento ilegal para evitar a continuidade do crime. Também enviou para o Congresso medida provisória para anistiar quem desmatou ilegalmente. O sinal de anuência de um presidente da república a criminosos ambientais naturalmente estimula a destruição ilegal das florestas brasileiras.
Presumindo que seu ataque seja fruto apenas de uma confusão sobre o real significado do desmatamento, e não um apoio insensato à destruição ambiental, é importante esclarecer ao presidente e a seus eventuais apoiadores qual o perigo das elevadas taxas de desmatamento na Amazônia.
A primeira razão é o ritmo da destruição. A floresta esteve lá desde que a ocupação humana começou, há pelo menos 14.000 anos, com a chegada de sucessivas levas de populações pelo Estreito de Bering, entre a Rússia e o Alasca. Quando da chegada dos portugueses ao Brasil, era habitada por milhões de índios, em algumas aldeias com até milhares de moradores. Durante todo esse tempo, proveu condições de vida de forma harmoniosa, sem degradação. Mesmo depois do Descobrimento, a floresta pouco perdeu. Pode dar a falsa impressão que a floresta é grande demais para desaparecer.
Mas está acontecendo. Nos últimos 40 anos, projetos desastrados de uso da terra foram responsáveis por uma perda de 20% da cobertura total de florestas. A maior parte dessa destruição foi inútil. Segundo a Embrapa, existe hoje na Amazônia uma área já desmatada, abandonada ou subaproveitada tão grande que equivale aos três estados do Sul mais o Rio de Janeiro. Os perto de 20.000 quilômetros quadrados perdidos por ano, nos últimos anos, podem até parecer pouco em relação aos 5,5 milhões de quilômetros quadrados da floresta. Mas, se o Brasil mantiver o ritmo de destruição, iremos perder mais 30% da Amazônia nas próximas duas décadas.
A boa notícia é que esse ritmo de destruição não é constante. A má notícia é que ele costuma aumentar quando há estímulos para isso. E poucas vezes se viu tantos estímulos quanto agora.
A questão mais séria é que ninguém sabe qual é o limite para que a floresta comece a se degradar sozinha. Ou seja, que atinja um ponto a partir do qual ela não consiga mais se sustentar. Por mais exuberante que seja, a floresta Amazônica é frágil. O solo, na verdade, é pobre e arenoso. O que mantém a floresta é a matéria orgânica que ela mesma produz. E o ciclo de chuvas que ela própria gera, pela retirada de umidade do solo e evaporação. Em algum momento, a diminuição do verde pode fazer esse ciclo se quebrar. Quando, ninguém sabe. Há décadas alguns dos maiores cientistas do mundo se dedicam a tentar responder essa questão. Alguns afirmam que o limite está na faixa de 25% ou 30%. Ou seja, estamos bem perto. Com o aquecimento global, que amplifica as estações de seca na região, o limite pode ser ainda mais baixo.
É sempre bom lembrar que a floresta Amazônica é um regulador do clima global. Se ela entrar num processo de degradação, as consequências serão sentidas em todo o planeta. Principalmente no Brasil. A Amazônia é a principal responsável pelas chuvas que irrigam o Centro-Oeste do país, nosso celeiro de pecuária, soja e algodão.
Além disso, cada hectare desmatado ilegalmente representa perda para o país. A derrubada inútil da floresta é uma das maiores fontes de gases responsáveis pelo aquecimento global. Podemos cortar essa emissão sem custo econômico. Entre 2009 e 2015, quando o Brasil conseguiu derrubar as taxas de desmatamento, a produção agrícola do país bateu recordes, a exportação aumentou, a economia cresceu. Por cima de todas essas vantagens econômicas, a redução no desmatamento nos deu acesso a doações internacionais para estímulo a empregos sustentáveis, na forma de bilhões de euros do Fundo Amazônia (que o governo agora mina).
O segundo motivo para se preocupar com a taxa de desmatamento na Amazônia é puramente legal. Trata-se de um crime. E crime a gente combate. Não fica relativizando se é grande ou pequeno. O desmatamento na Amazônia significa que nós, todos os brasileiros, estamos sendo roubados. Isso porque 70% das terras e das florestas na Amazônia são públicas. Não são de proprietários privados. São áreas da união ou dos estados. As florestas, em suma, são nossas.
A maior parte de nossas terras públicas na Amazônia são destinadas a formas de produção, para gerar renda e emprego, de forma sustentável. E a maior parte do desmatamento acontece nessas áreas. Elas são objeto de invasores que entram ilegalmente, roubam a madeira, expulsam (ou matam) os ocupantes e tentam falsificar documentos de posse. Esses bandidos estão associados às altas taxas de violência na região, à corrupção e à lavagem de dinheiro. O desmatamento provocado por eles não deve ser amenizado. Ao ouvir a notícia de que um crime foi cometido, o governo não deveria criticar o mensageiro. No interesse do país, deveria combater os criminosos.
O atual governo parece ter encontrado uma estratégia para lidar com alguns dos graves problemas do país: negar que existam. E atacar quem os mede. Depois de duvidar do aquecimento global, questionar que exista fome no Brasil e rejeitar o fato histórico da ditadura, o presidente Jair Bolsonaro no final da semana passada atacou os dados sobre o desmatamento na Amazônia. Diante de um aumento nas taxas anuais de devastação da floresta, a reação foi bater no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que há 40 anos desenvolveu tecnologia mundialmente reconhecida de ponta para monitorar a região. Sem apresentar prova, o presidente acusou o Inpe de mentir sobre os dados e de estar a serviço de interesses escusos. “Se toda essa devastação que vocês nos acusam que estamos fazendo e que já foi feita no passado (sic), a Amazônia já teria sido extinta, seria um grande deserto”, disse Bolsonaro. “A questão do Inpe, eu tenho a convicção que os dados são mentirosos”.
O ataque do presidente ocorreu um dia depois de a imprensa destacar que dados divulgados regularmente pelo Inpe mostraram que a área perdida de floresta até meados deste mês já é a segunda maior da série histórica, medida desde 2015. O desmatamento em junho foi o dobro do registrado no mesmo mês do ano passado, o que indica uma tendência de retomada na aceleração da destruição. O aumento na destruição já podia ser esperado (e temido) por conta dos persistentes ataques do presidente ao meio ambiente, às leis ambientais, aos órgãos de fiscalização e às organizações que defendem a natureza.
O presidente disse que ia falar para “meter a foice no Ibama” (que fiscaliza os crimes). Reprimiu os agentes da lei que, seguindo as recomendações, destruíram as máquinas usadas em desmatamento ilegal para evitar a continuidade do crime. Também enviou para o Congresso medida provisória para anistiar quem desmatou ilegalmente. O sinal de anuência de um presidente da república a criminosos ambientais naturalmente estimula a destruição ilegal das florestas brasileiras.
Presumindo que seu ataque seja fruto apenas de uma confusão sobre o real significado do desmatamento, e não um apoio insensato à destruição ambiental, é importante esclarecer ao presidente e a seus eventuais apoiadores qual o perigo das elevadas taxas de desmatamento na Amazônia.
A primeira razão é o ritmo da destruição. A floresta esteve lá desde que a ocupação humana começou, há pelo menos 14.000 anos, com a chegada de sucessivas levas de populações pelo Estreito de Bering, entre a Rússia e o Alasca. Quando da chegada dos portugueses ao Brasil, era habitada por milhões de índios, em algumas aldeias com até milhares de moradores. Durante todo esse tempo, proveu condições de vida de forma harmoniosa, sem degradação. Mesmo depois do Descobrimento, a floresta pouco perdeu. Pode dar a falsa impressão que a floresta é grande demais para desaparecer.
Mas está acontecendo. Nos últimos 40 anos, projetos desastrados de uso da terra foram responsáveis por uma perda de 20% da cobertura total de florestas. A maior parte dessa destruição foi inútil. Segundo a Embrapa, existe hoje na Amazônia uma área já desmatada, abandonada ou subaproveitada tão grande que equivale aos três estados do Sul mais o Rio de Janeiro. Os perto de 20.000 quilômetros quadrados perdidos por ano, nos últimos anos, podem até parecer pouco em relação aos 5,5 milhões de quilômetros quadrados da floresta. Mas, se o Brasil mantiver o ritmo de destruição, iremos perder mais 30% da Amazônia nas próximas duas décadas.
A boa notícia é que esse ritmo de destruição não é constante. A má notícia é que ele costuma aumentar quando há estímulos para isso. E poucas vezes se viu tantos estímulos quanto agora.
A questão mais séria é que ninguém sabe qual é o limite para que a floresta comece a se degradar sozinha. Ou seja, que atinja um ponto a partir do qual ela não consiga mais se sustentar. Por mais exuberante que seja, a floresta Amazônica é frágil. O solo, na verdade, é pobre e arenoso. O que mantém a floresta é a matéria orgânica que ela mesma produz. E o ciclo de chuvas que ela própria gera, pela retirada de umidade do solo e evaporação. Em algum momento, a diminuição do verde pode fazer esse ciclo se quebrar. Quando, ninguém sabe. Há décadas alguns dos maiores cientistas do mundo se dedicam a tentar responder essa questão. Alguns afirmam que o limite está na faixa de 25% ou 30%. Ou seja, estamos bem perto. Com o aquecimento global, que amplifica as estações de seca na região, o limite pode ser ainda mais baixo.
É sempre bom lembrar que a floresta Amazônica é um regulador do clima global. Se ela entrar num processo de degradação, as consequências serão sentidas em todo o planeta. Principalmente no Brasil. A Amazônia é a principal responsável pelas chuvas que irrigam o Centro-Oeste do país, nosso celeiro de pecuária, soja e algodão.
Além disso, cada hectare desmatado ilegalmente representa perda para o país. A derrubada inútil da floresta é uma das maiores fontes de gases responsáveis pelo aquecimento global. Podemos cortar essa emissão sem custo econômico. Entre 2009 e 2015, quando o Brasil conseguiu derrubar as taxas de desmatamento, a produção agrícola do país bateu recordes, a exportação aumentou, a economia cresceu. Por cima de todas essas vantagens econômicas, a redução no desmatamento nos deu acesso a doações internacionais para estímulo a empregos sustentáveis, na forma de bilhões de euros do Fundo Amazônia (que o governo agora mina).
O segundo motivo para se preocupar com a taxa de desmatamento na Amazônia é puramente legal. Trata-se de um crime. E crime a gente combate. Não fica relativizando se é grande ou pequeno. O desmatamento na Amazônia significa que nós, todos os brasileiros, estamos sendo roubados. Isso porque 70% das terras e das florestas na Amazônia são públicas. Não são de proprietários privados. São áreas da união ou dos estados. As florestas, em suma, são nossas.
A maior parte de nossas terras públicas na Amazônia são destinadas a formas de produção, para gerar renda e emprego, de forma sustentável. E a maior parte do desmatamento acontece nessas áreas. Elas são objeto de invasores que entram ilegalmente, roubam a madeira, expulsam (ou matam) os ocupantes e tentam falsificar documentos de posse. Esses bandidos estão associados às altas taxas de violência na região, à corrupção e à lavagem de dinheiro. O desmatamento provocado por eles não deve ser amenizado. Ao ouvir a notícia de que um crime foi cometido, o governo não deveria criticar o mensageiro. No interesse do país, deveria combater os criminosos.