O consumidor precisa ter a chance de escolher eletrodomésticos
Os brasileiros poderiam economizar R$ 101 bilhões em suas contas de luz até 2030 se tivessem geladeiras mais eficientes
Publicado em 25 de maio de 2021 às, 14h33.
Última atualização em 25 de maio de 2021 às, 17h22.
Por Alexandre Mansur
O diretor do departamento de desenvolvimento energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Carlos Pires, contou uma história pessoal para mostrar como estamos defasados em relação aos eletrodomésticos. Ele precisou adquirir um refrigerador e, claro, deu preferência a um equipamento da faixa “A” de eficiência energética. No entanto, dentro dessa mesma categoria, observou uma diferença que chegava a quase 40% no consumo. “É necessário que se classifiquem os equipamentos dentro de suas categorias para que o consumidor seja bem informado sobre quais são aqueles mais eficientes e possa fazer a sua escolha da melhor forma possível”, afirmou, durante evento de lançamento de um estudo do Instituto Escolhas sobre o assunto.
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A experiência de Carlos Pires mostra como a situação é complicada para o consumidor comum, que se baseia apenas na etiqueta para escolher os seus eletrodomésticos. No caso das geladeiras, a etiqueta não é informativa nem para quem é técnico no assunto porque hoje abarca também produtos ineficientes na faixa “A”, o que quer dizer que você pode estar comprando gato por lebre. Segundo o Escolhas, por conta da defasagem da etiqueta, os brasileiros deixarão de economizar R$ 101 bilhões em suas contas de luz até 2030. O número leva em conta que cada residência poderia economizar R$ 360 por ano, se tivessem refrigeradores que seguem as referências da United for Efficiency (U4E), iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
A classificação dos aparelhos em categorias, garantida pelo Plano Brasileiro de Etiquetagem (PBE) é fundamental para orientar as escolhas dos consumidores. As etiquetas variam de “A” até “E”, indicando as mais e menos eficientes. O problema é que as nossas estão defasadas para vários eletrodomésticos, incluindo os refrigeradores, presentes em praticamente todos os lares do país. O processo de revisão da etiquetagem está sendo feito agora pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), depois de mais de 15 anos. Isso é positivo. O problema é o que está sendo proposto na consulta pública — que termina no fim de maio. Os novos critérios, que passariam a valer apenas em dezembro de 2026, não são tão rígidos quanto os da U4E, recomendação das organizações que trabalham com eficiência energética, incluindo o MME.
A questão fica ainda mais relevante se lembrarmos que estamos diante de uma crise energética por falta de água nos reservatórios das hidrelétricas e o consumidor brasileiro, mesmo que queira ajudar, não consegue usar o sistema de rotulagem para diferenciar que produto faz a diferença. Segundo o estudo do Escolhas, pelo menos 71 milhões de residências poderiam ser atendidas até 2030 com a economia de energia se tivéssemos refrigeradores mais eficientes, o que também significa uma soma 130 TWh que deixariam de ser usados por esses aparelhos "gastões". Importante ressaltar que a política atual foi aprovada justamente no contexto de uma crise energética, em 2001, e tem guiado todos os passos da política de eficiência no país. Portanto, precisamos usar essa crise para reforçar a relevância do tema e exigir mudanças adequadas.
E tem mais. O governo concede desconto de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os aparelhos na faixa “A”, justamente para incentivar a eficiência energética, o que, com a defasagem, deixou de ser efetivo. Hoje estamos perdendo R$ 500 milhões por ano sem que a indústria devolva o benefício prometido ao consumidor, como também mostrou o estudo do Escolhas. Estamos diante de uma situação ganha-ganha-ganha-ganha: podemos usar melhor a renúncia fiscal de meio bilhão de reais por ano que vai para os grandes fabricantes de eletrodomésticos; ter geladeiras mais modernas e econômicas em casa; reduzir o consumo elétrico e o risco de apagão; dispensar o acionamento de algumas termelétricas poluidoras.
A rotulagem é fundamental para estimular a indústria a produzir eletrodomésticos mais eficientes. Isso se faz com critérios mais rígidos e, enquanto isso, o consumidor precisa ter condições de fazer suas escolhas de forma consciente. E, se engana quem diz que precisaremos pagar mais caro por isso. Segundo um estudo feito pela Clasp, ONG internacional que trabalha para apoiar os esforços para melhorar a energia e o desempenho ambiental de eletrodomésticos, é possível encontrar no mercado refrigeradores mais eficientes sendo vendidos pelo mesmo preço e até mais baratos. A Clasp analisou o preço de 178 refrigeradores mais populares em, pelo menos, 10 websites e concluiu que, embora alguns aparelhos mais eficientes custem mais caros no início, a tendência é a de que a política de etiquetagem ajude a reduzir o preço do equipamento ao longo do tempo. Além disso, também segundo a Clasp, são outros elementos que ditam o preço, não necessariamente a eficiência energética.
A diferença de preço pode se dar pela política de preço dos varejistas, mas é importante ter em mente que parte do preço pode ter relação com marca, aparência do produto, tecnologias utilizadas, refrigerante utilizado ou funcionalidades smart. Lembrando que, com as bandeiras vermelhas, o valor economizado na conta de luz também paga rapidamente a diferença nos preços de vários equipamentos, como é possível verificar nesta calculadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
O consumidor brasileiro merece produtos mais eficientes. Pelo menos o direito à escolha informada até lá. O estudo do Escolhas sugere que o governo tome providências para determinar que novos critérios mais rígidos entrem em vigor no país a partir de junho de 2022. Um cenário bem mais animador porque quando se trata de sair do atraso, antes tarde do que mais tarde.
*com Angélica Queiroz
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