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Como ganhar R$ 10 bilhões por ano com a preservação da Amazônia

O Brasil não precisa de ajuda internacional para preservar a floresta. É só investir na exportação dos produtos sustentáveis que já conhecemos

O mercado de exportações “compatíveis” com a floresta amazônica conta com 64 produtos e movimenta mais de R$ 1,5 bilhão anualmente (Ricardo Lima/Getty Images)
O mercado de exportações “compatíveis” com a floresta amazônica conta com 64 produtos e movimenta mais de R$ 1,5 bilhão anualmente (Ricardo Lima/Getty Images)
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Ideias renováveis

Publicado em 23 de abril de 2021 às, 09h57.

Última atualização em 23 de abril de 2021 às, 09h59.

O presidente Jair Bolsonaro foi à Cúpula do Clima tentar convencer os americanos que pode ganhar alguns bilhões em nome da preservação da Amazônia. No entanto, surgem cada vez mais evidências que o Brasil deve preservar a floresta em pé independente de qualquer compensação internacional. Apenas a exploração mais inteligente dos produtos sustentáveis da floresta que já comercializamos poderia render R$ 10 bilhões por ano ao Brasil. Isso sem contar os benefícios adicionais de manter a floresta em pé, como salvar a fábrica de chuvas do Brasil.

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Pimenta do reino, abacaxi fresco, cacau, palmito, castanhas, camarões, óleo de dendê, mel e até cabeça e cauda de peixe. Todos estes produtos fazem parte do mercado de exportações “compatíveis” com a floresta amazônica. É um mercado que conta com 64 produtos e movimenta mais de R$ 1,5 bilhão anualmente (dados de 2017-2019). O valor pode pode parecer expressivo para materiais sustentáveis da floresta amazônica. Porém, após análise detalhada dos mercados e alfândegas pelo mundo, foi revelado que este mercado movimenta aproximadamente R$ 1 trilhão anualmente. Disso tudo, a participação amazônica corresponde a apenas 0,17%. Se o Brasil tivesse participação neste gigantesco mercado de produtos amazônicos compatíveis com a floresta na mesma proporção que integra o mercado global de exportações (com 1,3%) já teria uma receita anual de mais de R$ 10 bilhões integrada à economia amazônica.

Essa é a principal revelação de um estudo feito pelo pesquisador Salo Coslovsky, formado em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com doutorado em estudos urbanos pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e atual professor de desenvolvimento econômico na Universidade de Nova York. O recém publicado estudo “Oportunidades para Exportação de Produtos Compatíveis com a Floresta na Amazônia Brasileira” faz parte da iniciativa Amazônia 2030, uma iniciativa envolvendo dezenas de instituições de pesquisa. O projeto é liderado pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente (Imazon) e pelo Centro de Empreendedorismo da Amazônia, de Belém, com a Climate Policy Initiative (CPI) e o Departamento de Economia da PUC-Rio. O estudo integral está disponível no site da Amazônia 2030.

Quando pensamos em produtos da Amazônia, os primeiros exemplos normalmente são: madeira, soja, minérios. Mas diversos destes e outros produtos não podem ser considerados compatíveis com a floresta e com a sustentabilidade de seu ecossistema e de sua população nativa, afirma o pesquisador Coslovsky. Com a proposta de divulgar soluções econômicas alinhadas à sustentabilidade e responsabilidade ambiental, o pesquisador analisou dados de comércio exterior de mais de 210 países e catálogos com aproximadamente 5000 produtos, durante o período de 2017 a 2019, para poder avaliar o tamanho deste mercado de produtos amazônicos e como o mercado brasileiro está longe de atingir seu potencial.

Embora o Brasil detenha 30% de todas as florestas tropicais do mundo, nossa participação no mercado global dos produtos florestais sustentáveis está muito abaixo de países com economias menores e de grau de desenvolvimento tecnológico similar ou até abaixo do brasileiro, como Vietnã (maior exportador mundial de pimenta seca e de bagres), Costa Rica (maior exportador de abacaxis frescos), Costa do Marfim (líder da exportação de cacau), Equador (número 1 do mundo em exportação de palmitos) e Bolívia (líder na exportação de castanha sem casca).

Após minuciosa investigação, Coslovsky adentra as oportunidades e desafios presentes no processo de expansão da produção amazônica. Como os produtores podem aprimorar seu desempenho? Tal pergunta deve ser respondida com cautela e redobrada atenção aos fatores socioambientais, pois, em casos extremos, a expansão de uma atividade pode causar danos tamanhos que acabam por inviabilizar o próprio negócio, seja ele compatível com a floresta ou não.

Os primeiros aspectos essenciais a serem implementados são os sistemas de verificação independentes com certificações para garantir que essas atividades sejam de fato compatíveis com a manutenção da floresta e com a segurança de seus habitantes. Após fundamentação da estratégia para o controle de qualidade, devemos fornecer meios aos fornecedores atenderem os requisitos sanitários e comerciais das mais diversas legislações internacionais, porque além de preços competitivos, compradores desta escala prezam pelas normas de tamanho, cor e sabor dos produtos assim como sanidade agrotóxica, frescor, durabilidade e regularidade de entrega. Muitos ainda exigem rastreabilidade e diversas certificações: orgânica, de boas práticas agrícolas, manufatura, trabalhista e socioambiental.

Segundo o estudo, para atingir os padrões de qualidade encontrados no mercado internacional, os empreendimentos necessitam ter acesso a uma série de recursos, incluindo conhecimentos sobre seus produtos (data de validade e informações nutricionais), técnicas adequadas de produção e armazenamento, mão de obra qualificada, campanhas de publicidade institucionais e profissionais com inteligência de mercado internacional. Prosperamente, uma característica primordial destes recursos é sua natureza compartilhada, ou seja, mesmo que sejam obtidos apenas por uma grande empresa regional, estes recursos aumentarão sua disponibilidade para todas as empresas do setor.

Tais recursos não são baratos e muitas vezes, principalmente em economias emergentes como a brasileira, os investimentos iniciais surgem tipicamente das instituições governamentais. Com necessidade de investir massivamente para atrair investidores privados, os recursos públicos devem sempre vir acompanhados de constante monitoramento das organizações reguladoras, para que ocorra de forma equilibrada e atenda as necessidades dos empreendimentos incipientes.

Felizmente já existem exemplos no Brasil de ações coordenadas entre competidores comerciais e órgãos públicos que, ao tornarem mais acessível a oferta de recursos e fortalecerem o dinamismo econômico regional, conseguiram identificar os problemas mais críticos de seus ambientes e também obtiveram o capital e conhecimento para solucioná-los.

Ações como a criação de laboratórios compartilhados, simplificação da burocracia alfandegária, mapeamento genético dos produtos, desenvolvimento de fundos e/ou cooperativas de produtores, são denominados de “arranjos pré-competitivos” pelos pesquisadores de sistemas nacionais de inovação e, baseado em dados e estatísticas históricas, são considerados como ótimas alternativas na promoção do desenvolvimento econômico da Amazônia.

Crescer economicamente de forma sustentável e responsável já está na estratégia de diversos países e organizações pelo mundo, e a Amazônia, com toda sua enorme floresta e relevância estratégica no contexto global que possui, não deve se contentar com nada menos do que um planejamento socioeconômico alinhado com sua vegetação, com seus povos nativos, com sua preservação e que almeje impulsionar o mercado amazônico para o topo das listas comerciais internacionais. Os compradores existem e o território já é nosso, desenvolvendo de forma consciente e diligente podemos muito mais.

COM LEONARDO ULIAM

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