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Carne com sementes de baru, uma receita para reduzir o desmatamento e aumentar os lucros da pecuária

A conhecida árvore do cerrado brasileiro pode ser utilizada para a recuperação de áreas degradadas, sequestro de carbono e alimentação animal

Cumbaru (Cumbaru Parcerias/Divulgação)
Cumbaru (Cumbaru Parcerias/Divulgação)

É possível aliar aumento da produtividade agropecuária, combate ao desmatamento, conservação florestal e bem-estar animal? Um case de Mato Grosso, estado que historicamente conta com altos índices de desmatamento provenientes da pecuária extensiva, prova que sim. E para isso, utilizam uma conhecida árvore do cerrado brasileiro, o cumbaru. É a árvore que dá o baru, uma semente deliciosa que pode concorrer com o amendoim e a amêndoa.

A Cumbaru Parcerias, empresa especializada em reabilitação de pastagens degradadas por meio da implantação de sistemas agrossilvipastoris regenerativos, com produção pecuária zero desmatamento da cria ao abate, teve o seu nome inspirado na conhecida árvore da família das leguminosas, que pode chegar até 25 metros de altura com tronco podendo atingir 70 cm de diâmetro. Pedro Nogueira, CEO e cofundador da empresa, conta que a busca por soluções sustentáveis na produção agropecuária foi o que motivou a criação do empreendimento, que teve como inspiração inicial o trabalho desenvolvido por seus pais, no sítio da família. 

“Meu pai, um engenheiro, tem um pequeno rebanho voltado para produção de leite há aproximadamente 40 anos, sem muitas pretensões de ganhar dinheiro e mais voltado para custear as despesas da propriedade. E ao iniciar a abertura das áreas para formar as pastagens na propriedade foi mantendo algumas árvores nativas , pois foi observado que elas traziam benefícios para os animais, especialmente boa sombra no calor escaldante de Mato Grosso. Além disso, sob influência da minha mãe, Ecóloga, também fomos descobrindo que algumas espécies produziam frutos para consumo humano, e que alguns destes frutos também eram consumidos pela fauna local e pelo gado, muitas vezes durante a estação seca, quando os pastos apresentam menor produtividade, entre elas, o cumbaru”, explica. 

Segundo o CEO, a espécie se destacou, justamente pela boa sombra, produção de frutos para consumo humano e animal e pela madeira de boa qualidade. Assim, os cumbaruzeiros foram uma das principais espécies mantidas nas áreas de pastagens do sítio, ao lado de espécies como pequi, macaúba, jatobá, entre outras. Hoje, após ter se formado em biologia e se especializado em desenvolvimento sustentável, utiliza a experiência obtida para criar e implantar soluções para os principais desafios socioambientais associados à produção de alimentos nos biomas Amazônia e Cerrado.

Pedro, juntamente com o sócio Thiago Nogueira, que também vem de uma família de agricultores de Mato Grosso, explicam que existem dois desafios principais. Convencer os pecuaristas sobre os benefícios do plantio de árvores em áreas de pastagens e, no caso de agricultores familiares e pequenos produtores,  o acesso ao crédito rural. 

De fato, no Brasil, somente 14% dos pequenos produtores acessam crédito rural, e 82% não recebem nenhuma assistência técnica. Este cenário contribui diretamente para os elevados índices de degradação de pastagens no país.  Apenas na Amazônia legal, são 11,8 milhões de hectares de pastagens severamente degradadas. Com acesso limitado a recursos financeiros e conhecimento técnico para adoção de boas práticas agropecuárias em áreas de pastagens degradadas, o desmatamento e a conversão da vegetação nativa são uma consequência quase inevitável. 

“É preciso viabilizar a reabilitação das pastagens degradadas e ter acesso a assistência técnica de qualidade, que possibilite uma boa reabilitação, sua manutenção ao longo do tempo e um bom nível de produtividade na pecuária (leite ou corte), para que o produtor possa ter condições de posteriormente pagar a dívida obtida junto aos bancos”.

A dupla explica que neste contexto, atuam diretamente para solucionar estes desafios por meio de parcerias rurais, viabilizando o acesso a investimentos, conhecimento técnico e de gestão necessários para reabilitar as pastagens degradadas das propriedades. Este novo sistema possibilita o aumento da produtividade da pecuária em até 3 vezes, atrelado a produção de bezerros de alto padrão genético e desmatamento zero, assim como a produção de banana, castanha de baru e carbono florestal nas linhas de plantio com espécies florestais e agrícolas.

Com esta etapa superada, os sistemas agrossilvipastoris regenerativos são implementados nas propriedades parceiras de agricultores familiares e pequenos produtores. Dessa forma, os sistemas agrossilvipastoris regenerativos são organizados da seguinte forma:

  • Componente animal: pecuária de leite com produção de bezerro de corte, sistema de pecuária de leite + cria ou pecuária de corte com foco em sistema de recria/engorda.
  • Componente agrícola: banana
  • Componente florestal: cumbaru (ou baru), paricá, bordão de velho, macaúba, jatobá, entre outras.

O sistema contribui de forma positiva para uma pecuária sem desmatamento, pois permite que o pecuarista tenha maior produtividade na pecuária, produza outros produtos, como Produtos Florestais não Madeireiros (PFNMs) e serviços ambientais com ciclos complementares de produção, consequentemente tendo uma renda superior na mesma área, sem a necessidade de novos desmatamentos. “É um sistema produtivo com ciclos mais longos, que demanda mais investimento e conhecimento técnico, mas que traz mais benefícios para o produtor no médio e longo prazo, contribuindo para adaptar o sistema produtivo às condições climáticas cada vez mais desfavoráveis à produção, assim como para ajudar o produtor a se preparar para as demandas socioambientais e produtivas cada vez mais exigente dos mercados”, explica.

Para garantir práticas de desmatamento zero, a Cumbaru desenvolveu um protocolo de geomonitoramento socioambiental que utiliza dados secundários oficiais e imagens de satélite. Em seguida realizam um processo de due diligence socioambiental nas propriedades dos agricultores familiares potenciais parceiros. 

Carbono florestal

Assim, ao comparar sistema agrossilvipastoril com uma pecuária convencional, o sistema apresenta maior contribuição para conservação e saúde do solo, conservação da biodiversidade e também passa ser um sistema carbono negativo, ou seja, acumula mais carbono do que emite, principalmente devido ao componente florestal. As análises da empresa apontam que o sistema proposto pode sequestrar uma média de aproximadamente 8,1 toneladas de carbono por hectare ao ano. 

O carbono florestal também está totalmente integrado ao sistema produtivo, resultando em benefícios ambientais, sociais e econômicos. Os créditos de carbono florestal, que serão gerados após o processo de verificação independente, têm um papel estratégico no modelo de negócio, com a possibilidade de viabilizar a implantação do sistema agrossilvipastoril a partir das receitas que serão geradas futuramente com a comercialização dos créditos de carbono gerados pelo projeto.

“Nós precisamos deixar alguns pré-conceitos de lado e olhar de forma mais racional e estratégica para alguns desafios complexos como desmatamento e restauração na Amazônia. As espécies exóticas também podem apresentar benefícios ambientais e sociais em sistemas produtivos sustentáveis ou regenerativos, desde que bem planejados e manejados”. 

O CEO explica ainda que as espécies exóticas, que representam aproximadamente 10% das espécies florestais do sistema, não são contabilizadas para geração de créditos de carbono. “O eucalipto vai ser tratado por uma empresa especializada para ser comercializado e utilizado como mourão de cerca, alternativa sustentável a utilização de toras de espécies nativas, ainda comum em algumas regiões da Amazônia. No caso da teca, a madeira será exportada para Ásia, também por empresa especializada”.

Embora ainda no início, a dupla de empresários já observou aumento na produtividade do leite, melhoria na renda dos produtores e produção de bezerros com desmatamento zero. “Nossos planos futuros envolvem a reabilitação de mais áreas degradadas e parcerias estratégicas para consolidar cadeias produtivas sustentáveis”, conclui.

A Cumbaru pretende revitalizar 2000 hectares de pastagens degradadas, aumentar em 100% a renda dos agricultores parceiros, criar 100 empregos e preservar espécies-chave da biodiversidade brasileira. Eles ainda pretendem remover 400.000 toneladas de CO2 da atmosfera, apoiar 40 novos negócios regenerativos e provar que conservar a natureza é uma ótima maneira de ganhar dinheiro e gerar riqueza.

*A Cumbaru foi um dos cinco negócios selecionados pela AMAZ, uma aceleradora de startups da Amazônia, para receber investimento em 2023. As outras startups selecionadas foram: Ekilibre, Simbiótica Finance, Manawara e Mazô Maná. Todas com negócios baseados na riqueza da biodiversidade da região.