Colunistas

Bilhões investidos, pouco retorno: o verdadeiro impacto da Ferrogrão

Ferrovia planejada na Amazônia exigiria até R$ 32 bilhões com baixa atratividade para investidores e altos riscos jurídicos, ambientais e reputacionais

Marco das Ferrovias: Muito comum em países como Estados Unidos e Canadá, o modelo nasce para atender demandas específicas de transporte de cargas (Ricardo Botelho/Minfra/Agência Brasil)

Marco das Ferrovias: Muito comum em países como Estados Unidos e Canadá, o modelo nasce para atender demandas específicas de transporte de cargas (Ricardo Botelho/Minfra/Agência Brasil)

AM

Publicado em 19 de março de 2025 às 16h37.

O Brasil precisa modernizar sua infraestrutura logística para manter a competitividade no agronegócio e na indústria. Nesse contexto, a proposta de uma ferrovia de quase mil quilômetros conectando Sinop (MT), um grande polo do agronegócio brasileiro, a Miritituba (PA) — parecia promissora, ao oferecer uma nova rota para o escoamento da produção pelo Arco Norte. Mas uma análise mais criteriosa mostra que o projeto pode ser um mau negócio tanto para investidores quanto para os cofres públicos.

Um estudo liderado pelo economista Claudio Frischtak, em parceria com o projeto Amazônia 2030, traz dados que devem acender um alerta vermelho para o setor empresarial. Segundo o estudo, Ferrogrão (EF-170): Lições para o Planejamento de Infraestrutura na Amazônia, a construção da ferrovia exigiria um investimento inicial de R$ 11,45 bilhões.

Porém, com os custos financeiros, operacionais e os desafios jurídicos envolvidos, sua Taxa Interna de Retorno (TIR) pode chegar a apenas 1,6% ao ano — muito aquém do esperado para atrair capital privado. Para que o projeto “feche a conta”, seria necessário um aporte público de R$ 32,5 bilhões, quase 90% do valor total.

Além do impacto econômico, o estudo destaca um complicador jurídico: o traçado atual atravessa o Parque Nacional do Jamanxim, uma área protegida cuja desafetação está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Esse ponto jurídico ainda sem solução coloca um risco adicional sobre qualquer decisão de investimento.

A publicação traz ainda um mapa que ilustra com clareza o traçado da ferrovia e as áreas sensíveis por onde ela passaria, incluindo regiões indígenas, unidades de conservação — elementos que reforçam o potencial de judicialização e desgaste reputacional para empresas envolvidas e uma área que passaria boa parte do ano alagada.

Rotas de Integração do Centro Oeste aos Mercados (Fonte: Amazônia 2030) (Amazônia 2030/Divulgação)

O Brasil tem um histórico conhecido de megaprojetos de infraestrutura que acabam se tornando obras inacabadas ou financeiramente inviáveis. Insistir na ferrovia, sob as condições atuais, pode representar não apenas desperdício de recursos públicos, mas um ônus para empresas que priorizam critérios ESG e buscam estabilidade regulatória.

Apesar de ser apresentada como uma solução estratégica, a chamada “Ferrogrão” é, na prática, um projeto que tenta vender uma ilusão logística, mascarando interesses privados sob um verniz de desenvolvimento. Os próprios proponentes batizaram o empreendimento com um nome que sugere inovação, mas que, na verdade, esconde uma proposta de alto impacto ambiental e baixíssima eficiência econômica.

Na rota atual, a ferrovia está planejada para cortar 933 km de Floresta Amazônica preservada, com o argumento de ligar áreas produtoras do Centro-Oeste ao terminal fluvial de Miritituba, no Pará, às margens do Tapajós. Embora conste como prioridade no Plano Nacional de Logística 2035 (PNL), o estudo aponta que a ferrovia é, na verdade, a pior opção para o transporte de grãos da região.

Trata-se de um projeto que atende aos interesses de um pequeno grupo de produtores que, mais do que buscar eficiência logística, visam abrir um novo corredor de desmatamento, grilagem e especulação fundiária no coração da Amazônia.

Na prática, terra pública será convertida em área de invasão, violência, roubo de terras e pressão para transformar floresta preservada em áreas desmatadas para gado e monocultura. Alguns já batizaram o projeto de Ferrogrilo.

Sob a ótica logística, a ferrovia é redundante. Existem alternativas mais eficientes, econômicas e sustentáveis. Uma delas é a expansão da Ferronorte, conectando Lucas do Rio Verde (MT) aos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR), por meio da malha ferroviária já existente no Sudeste. Outra solução viável é a Ferrovia de Integração Centro-Oeste, que prevê ligar Vilhena (RO) à Ferrovia Norte-Sul, permitindo o escoamento da produção pelo porto de Itaqui (MA) e, futuramente, pelos portos da Bahia com a conclusão da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol).

Além de oferecerem rotas para portos maiores, mais eficientes e aptos a receber navios de grande porte — reduzindo custos logísticos e emissões —, essas alternativas têm mão dupla: facilitam não apenas a exportação, mas também o transporte de insumos e bens do Sul e Sudeste para o Centro-Oeste, estimulando um desenvolvimento mais integrado e sustentável.

Com tantas opções mais baratas e funcionais, a conclusão é evidente - a Ferrogrão não resolve um problema logístico. Ela cria um problema ambiental, jurídico e financeiro. Para investidores e executivos atentos às transformações do mercado global, a lição também é clara: infraestrutura na Amazônia precisa ser planejada com rigor técnico, viabilidade econômica e responsabilidade ambiental. Há alternativas mais eficientes e menos arriscadas para resolver os gargalos logísticos do país.

Além disso, também é bom lembrar que o Brasil tem outros gargalos logísticos - talvez até mais importantes. Qual realmente é a prioridade que o Brasil todo deve dar e o grau de sacrifício para a necessidade específica da exportação de soja do Mato Grosso? O último Plano Nacional de Logística divulgado pelo Ministério dos Transportes foi feito em 2018.

Ele mapeou cerca de 120 pontos críticos para circulação de mercadorias no país até 2025. Deles, apenas dois envolveriam rotas pela Amazônia. A maior parte das demandas não atendidas importantes do Brasil envolvem cargas entre as capitais e grandes cidades do Sul, Sudeste e Nordeste. As obras que beneficiariam de verdade a vida dos milhões de brasileiros e da maior parte da atividade econômica do Brasil estão em outro lugar. Vamos falar delas?

Acompanhe tudo sobre:DesmatamentoFerroviasExploração de rodovias